
No começo da primavera no Hemisfério Norte, entre o final de março e o início de abril, anfíbios – sapos, rãs e salamandras – emergem em grandes números para migrar e se reproduzir. Mas ao tentar atravessar estradas e rodovias construídas ao longo de seus habitats, muitos deles são atropelados. Em 2006, ambientalistas e moradores de Monkton, no estado de Vermont (EUA) ficaram chocados com a mortalidade registrada em apenas duas noites, em um conhecido corredor migratório. Eles encontraram mais de 1 mil animais mortos.
A tragédia mobilizou a comunidade local e sob a liderança de um de seus membros, o biólogo Steve Parren, iniciou-se um projeto para instalação de passagens de fauna para proteger os anfíbios. Sete anos após a implementação das travessias, em 2015, o resultado obtido com a iniciativa foi divulgado: a mortalidade caiu em 80%.
“Foi surpreendente. Eu sabia que as passagens subterrâneas funcionariam, mas não achei que seriam tão eficazes”, diz Matthew Marcelino, herpetologista da Universidade de Vermont e principal autor do estudo que analisou o projeto. “E quando retiramos os anfíbios arborícolas da análise – que, em nosso contexto, são principalmente sapos-de-bico-vermelho -, notamos uma redução de 94% na mortalidade nas áreas tratadas.”
O levantamento para atestar a eficiência das passagens de fauna na região levou mais de uma década. Foram comparados dados dos cinco anos anteriores à instalação das travessias subterrâneas (2011–2015) aos sete anos posteriores (2016–2022). A análise avaliou três zonas: uma com passagens subterrâneas e paredes laterais (tratamento); uma cobrindo a área no final das paredes laterais, longe dos túneis (amortecedor); e uma área de controle longe das mudanças de infraestrutura.
Os pesquisadores realizaram monitoramentos frequentes durante as épocas de migração dos anfíbios na primavera, sobretudo em noites chuvosas e quentes, registrando indivíduos vivos ou mortos, de doze espécies de sapos, rãs e salamandras.
Para os envolvidos no projeto, não há dúvida de que uma intervenção simples, nesse caso, túneis subterrâneos para a vida selvagem, podem reduzir drasticamente as mortes de anfíbios e ajudar a preservar os ecossistemas.
“Este estudo fornece fortes evidências de que animais silvestres usam passagens subterrâneas”, ressalta Marcelino. “Esperamos que isso incentive os departamentos de transporte a incluí-las em planos futuros, ao construir ou reparar estradas.”
O estudo aponta ainda que o custo total do projeto, que teve o apoio do Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Vermont e da cidade de Monkton, é muito inferior ao de viadutos e passagens subterrâneas para grandes mamíferos. E mesmo não tendo sido projetadas para animais de maior porte, armadilhas fotográficas flagraram ursos, linces, porcos-espinhos, guaxinins, cobras e pássaros usando as travessias, o que comprova que elas “beneficiam amplamente a conectividade do ecossistema.”
“Esta história começou com membros da comunidade local engajados e preocupados. E oferece uma visão de como outras comunidades também podem proteger suas populações de anfíbios”, afirma Brittany Mosher, professora da Universidade de Vermont e autora sênior do estudo.
“A conservação exige comprometimento“, acrescenta Marcelino. “Mas quando investimos em boas ferramentas e dedicamos tempo para fazer direito, os benefícios para os ecossistemas e a vida selvagem podem ser enormes.”
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Foto de abertura: Joshua Brown/University of Vermont