
O palestino Osama Qashoo tem 43 anos e uma história longa de mobilizações, aventuras e desventuras pelos direitos humanos em sua terra natal, a Faixa de Gaza, de onde fugiu em 2003 – após ser perseguido, preso e torturado pelo exército israelense, junto com outros 700 ativistas.
Chegou como refugiado ao Reino Unido, onde vive. Lá, tornou-se estudante de cinema, documentarista e prosseguiu como ativista. Sua trilogia A Palestinian Journey ganhou o prêmio Al Jazeera New Horizon Award de 2006, mas ele logo percebeu que seria muito desafiador ganhar a vida apenas fazendo filmes.
Virou dono de restaurante, o Hiba Express, que ajudou a fundar em 2012 e com o qual trabalhou até 2020. Em seguida, criou a Palestine House, no coração de Londres, que é um ponto de encontro para palestinos e apoiadores, construído ao estilo de uma casa árabe tradicional com paredes de pedra e um pátio central com uma fonte.
Mas foi em novembro de 2023 que Qashoo lançou o produto que o tornaria conhecido no Reino Unido e impulsionaria sua veia ativista, agora de outra forma: o refrigerante Gaza Cola, produzido na Polônia, foi lançada com ingredientes típicos de bebidas ‘cola’, de sabor doce e ácido semelhante ao da Coca-Cola.

Ele não diz como ou onde a receita se originou, mas logo explica que a fórmula “é totalmente diferente da que a Coca-Cola usa”. Com ela, rapidamente conquistou consumidores engajados e pró-Palestina, que amam bebidas carbonatadas.
“Não é tão efervescente quanto a Coca-Cola. É mais suave, mais fácil ao paladar”, contou Nynke Brett, 53, moradora de Hackney, em Londres, que descobriu o refrigerante em um evento cultural na Palestine House. “E tem um sabor ainda melhor porque apoia a Palestina”.
Em dezembro de 2023, em seu Instagram, a Gaza Cola anunciou alterações na lata – foi redesenhada para incluir o logotipo da Palestine House – e em seu sabor: “tem mais bolhas e menos açúcar”.
Como tudo que Qashoo faz, este não é um refrigerante qualquer, mas uma bebida “com uma mensagem e uma missão”. Uma alternativa “sem apartheid” e “sem genocídio”.
Marca, distribuição e preço
Como mostram imagens publicadas neste post, as latas da Gaza Cola são identificadas pela cor vermelha (tom cereja), decoradas com listras pretas, brancas e verdes (da bandeira palestina) e obras de arte árabes, e ainda delimitadas pelo padrão do keffiyeh, lenço que representa o movimento de libertação palestino.
A palavra Cola é escrita na caligrafia árabe, em uma escrita semelhante à da marca mais popular.
Um dos principais diferenciais da Gaza Cola e da Coca-Cola é o preço. Um pacote da bebida criada pelo palestino, com seis unidades, sai por 12 libras esterlinas ou R$ 91,13, hoje; cada lata sai, então, por 2 libras ou R$ 15,19. Para efeito de comparação, um pacote de seis unidades de Coca-Cola custa cerca de 4,70 libras ou R$ 36,45; cada lata sai por 0,78 libras ou R$ 6,07.
Quanto à distribuição, Qashoo contou que teve dificuldades por causa do engajamento político por trás da bebida – “não conseguimos chegar aos grandes mercados” – e, por isso, no início, pediu ao Hiba Express e a outros restaurantes palestinos locais que a vendessem. A Gaza Cola ainda é comercializada por varejistas muçulmanos, como a Al Aqsa, em Manchester.
No ano passado, em quatro meses, foram vendidas 500 mil latas.
Hospital, boicote e família inspiraram o palestino
Ao jornal britânico The Guardian, Qashoo disse que criou a Gaza Cola por vários motivos: um deles foi a reconstrução da maternidade do Hospital al-Karama, a noroeste da cidade de Gaza, para a qual todos os lucros obtidos com a bebida estão sendo doados.
“O hospital foi reduzido a escombros sem motivo justo, como todos os hospitais em Gaza”, contou Qashoo à AlJazeera. A escolha se deve ao fato de o hospital ser pequeno e “ser bastante administrável, não custa muito dinheiro”. Ele ainda contou ao The Guardian que não conseguiu estimar o quanto isso significaria, ou quando isso poderia acontecer, mas destacou: “Temos permissão para ter imaginação… temos que sonhar, caso contrário, não podemos viver” (no final deste post, assista aos vídeos publicados no Instagram da Gaza Cola, nos quais Qashoo explica seu intento).
O palestino contou que estão sendo analisados o melhor equipamento médico e o design, até a iluminação, para a reconstrução, mas, a primeira decisão foi de construir um hospital de campanha em outro local em Gaza, utilizando paraquedas deixados para trás pelos lançamentos aéreos de ajuda humanitária.
Boicotar empresas que apoiam e alimentam o exército israelense e apoiam o genocídio em Gaza também moveu o palestino. Ele queria encontrar um tipo de sabor “sem culpa e sem genocídio”. O verdadeiro sabor da liberdade“, definiu.
“As empresas que alimentam esse genocídio, quando você as atinge no mais importante lugar, que é o fluxo de receita, definitivamente faz muita diferença e os faz pensar”, explicou Qashoo ao The Guardian. E acrescenta: “A Gaza Cola vai construir um movimento de boicote que afetará a Coca financeiramente”.
A Coca-Cola opera instalações no assentamento industrial israelense de Atarot, emJerusalém Oriental ocupada, e tem enfrentado boicotes desde outubro de 2023.
George Shaw, analista da GlobalData, disse à Al Jazeera, que 53% dos consumidores no Oriente Médio e Norte da África estão boicotando produtos de certas marcas durante guerras e conflitos recentes. Esta é, sem dúvida, uma das mais eficientes “armas” à disposição dos consumidores, para impactar as empresas e obrigá-las a reavaliar sua posição e atuar em favor da humanidade.
A família também foi inspiração para o lançamento da Gaza Cola. Qashoo contou que não sabe o paradeiro de seu filho adotivo de 17 anos, que vive na Cisjordânia e foi atingido por um tiro na cabeça, em junho. “Tenho família em Gaza que foi dizimada. Tenho amigos — e não sei onde eles estão”, contou ao jornal britânico.
A trajetória engajada de Osama Qashoo
Para compreender melhor a trajetória de Osama Qashoo, é interessante conhecer os caminhos que ele trilhou em Gaza e o formaram até tornar-se refugiado, cineasta e empreendedor.
Em 2005, ajudou a fundar o movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções (BDS)que, por meio de mobilizações e protestos convida o público a boicotar empresas e produtos que desempenham papel direto na opressão de Israel aos palestinos.
Em 2007/8, ajudou a fundar o Movimento de Solidariedade Internacional (ISM),coalizão de ONGs que se opõe ao bloqueio da Faixa de Gaza promovido por Israel e pelo Egito, alertando a comunidade internacional para o problema por meio de manifestações pacíficas.
Dois anos depois, ajudou a fundar o Free Gaza Movement (Movimento Gaza Livre), que visava quebrar o cerco ilegal em Gaza e, em 2010, lançou a missão Gaza Freedom Flotilla(Flotilha da Liberdade de Gaza), para levar ajuda humanitária da Turquia para a Faixa de Gaza, por mar.
Mas, em maio desse ano, um dos navios da flotilha – o Mavi Marmara -, no qual viajava Qashoo para produzir mais um documentário, foi atacado e ele perdeu seu cinegrafista e o equipamento de filmagem. Perseguido, foi preso e torturado e fugiu para o Reino Unido, onde vive.
A seguir, assista a alguns vídeos que selecionei no Instagram da Gaza Cola:
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Foto (destaque): arquivo pessoal (Osama Qashoo distribui latas e folhetos na área de Holborn, em Londres, no Reino Unido, como parte do lançamento paulatino da bebida em setembro de 2023)
Com informações do Instagram da Gaza Cola, da AlJazeera e do The Guardian