*Atualizado em 09/03/20
As chuvas do final do verão foram tema de uma das mais famosas canções da música popular brasileira. Cheia de poesia, Águas de Março se tornou inesquecível com o dueto entre Elis Regina e Tom Jobim, em 1974. Todavia, quase 50 anos depois, a menção à palavra chuva provoca tensão e medo em cerca de 8 milhões de brasileiros que moram em áreas de risco, sujeitas a deslizamentos, em encostas de morros.
Depois da tragédia ocorrida no final de janeiro, nos estados do Espírito Santo e Minas Gerais, quando milhares de pessoas ficaram desabrigadas por causa de enchentes, foram registradas dezenas de mortes e Belo Horizonte teve o dia com o maior volume de chuva do século, a situação se repete na Baixada Santista, em São Paulo.
A forte tempestade que atingiu os municípios do Guarujá, São Vicente, Peruíbe, Cubatão e Santos já deixou 41 mortos, entre eles, dois bombeiros, que tentavam salvar uma mãe, com seu filho de poucos meses. Há ainda o relato de dezenas de desaparecidos.
Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em apenas 24 horas, choveu 320 mm no Guarujá, volume muito acima da média de 263 mm prevista para o mês de março inteiro.
Bombeiros trabalham em buscas de soterrados no litoral paulista
Não é de hoje que especialistas em clima alertam que, com o aumento da temperatura da atmosfera da Terra, eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, furacões e secas prolongadas, se tornaram mais fortes e frequentes. Vale lembrar que a concentração de CO2 no planeta bateu um novo recorde histórico.
Foi exatamente o que aconteceu na Austrália. Há 13 anos, cientistas previram o agravamento dos incêndios florestais no país. Mas nada foi feito a respeito. Pelo contrário, o primeiro-ministro Scott Morrison afirmava que o aquecimento global não existia e continuou investindo na exploração de combustíveis fósseis. O resultado foram quatro meses de luta contra o fogo, que devastou mais de 10 milhões de hectares de vegetação, deixou 28 vítimas humanas fatais e matou quase 500 milhões de animais.
Segundo um levantamento realizado por pesquisadores do Hawkesbury Institute for the Environment da Western Sydney University, cerca de 20% de áreas de florestas na Austrália foi destruída pelas chamas, aproximadamente 5,8 milhões de hectares (leia mais aqui).
Assim como o político australiano fechou os olhos para as evidências científicas, esta semana o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, diante das inundações que atingiram o bairro de Realengo e os municípios de Queimados e Mesquita, na Baixada Fluminense, e causaram cinco mortes, disse que a culpa era da população “que gostava de morar em encostas porque gastava menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo” e também afirmou que os moradores “jogavam lixo nos rios”.
Enquanto o poder público continua adiando o planejamento para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, que já são evidentes e visíveis no mundo inteiro, mais e mais pessoas perdem a vida. Assim como Thatiana Lopes de Lima Gomes, de 25 anos, o filho, Arthur Rafael de Lima, de 10 meses e os cabos bombeiros Rogério Moraes Santos, de 43 anos e Marciel De Souza Batalha, de 46 anos. Eles são as vítimas citadas mais acima, nos desabamentos ocorridos no Guarujá.
Vidas sem volta, vítimas do descaso público com algo que a ciência já alerta há anos.
Esforço incansável dos bombeiros, em Santos, tentando encontrar mais sobreviventes embaixo da lama
*Texto atualizado para alterar o número de vítimas dos desabamentos
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Fotos: Glauber Bedini/Govesp, Douglas Arraes CB/CBSP/Fotos Públicas