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O espetáculo da migração do papagaio-charão

O espetáculo da migração do papagaio-charão

O barulho pode ser ouvido de longe, antes mesmo de avistá-las. Em poucos minutos, uma revoada se forma sobre nossas cabeças. As aves estão tão próximas que é possível ver os detalhes da plumagem, as perninhas esticadas em pleno voo e os “óculos” vermelhos ao redor dos olhos, marca registrada do papagaio-charão (Amazona pretrei), um dos menores papagaios brasileiros.

A vontade imediata é esticar os braços para tentar tocá-los. Apesar de não estarem tão perto assim, a emoção é intensa. É impossível segurar as lágrimas diante de um espetáculo tão grandioso, barulhento e alegre. Urupema, uma pequena cidade no alto da Serra Catarinense, está na rota de migração dos papagaios-charão, espécie endêmica do sul do Brasil que depende das Florestas com Araucária para sobreviver. Os pinhões são um dos principais alimentos desses papagaios.

Anualmente, cerca de 22 mil papagaios-charão migram do Rio Grande do Sul para Santa Catarina em busca das sementes da araucária. Esse fenômeno natural ocorre entre março e julho, atraindo turistas e pesquisadores de todo o país e do exterior. O espetáculo, somado às paisagens deslumbrantes e ao clima serrano, torna-se uma das experiências mais fantásticas do planeta. (veja o vídeo).

Raphael Sobania, renomado ornitólogo brasileiro, é um dos guias especializados na observação de aves na região. Há quatro anos, organiza expedições que não apenas oferecem uma imersão completa na vida selvagem local, mas também conscientizam os visitantes sobre a importância da conservação das espécies e de seu habitat.

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O espetáculo da migração do papagaio-charão

Raphael Sobania com um grupo de turistas esperando a chegada dos charões, em Urupema (SC)
Foto: arquivo pessoal

“É praticamente a população inteira de uma espécie reunida, algo único no mundo. É uma experiência que vale a pena ser vivida por qualquer pessoa, independentemente de ser um especialista ou observador de aves. Pessoas de todas as idades, de idosos a crianças, podem participar”, afirma o ornitólogo.

Equipados com binóculos e câmeras, os turistas têm a oportunidade de observar de perto os papagaios-charão em seu ambiente natural. Cada passeio é uma aula viva sobre ornitologia e sobre a natureza brasileira. A contratação de um guia é importante para saber exatamente onde os papagaios estarão e os horários certos de avistamento.

“No exterior, o Brasil é conhecido por ser a terra dos papagaios e Urupema literalmente se encaixa nessa descrição. É espetacular e muito satisfatório perceber a emoção das pessoas quando vivenciam a revoada dos charões. Ver as pessoas chorando de alegria é algo muito marcante pra mim”, diz Sobania.

O engenheiro civil Cesar Caleiro, de 75 anos, participou da expedição no último dia 26 de maio. Para ele, faltam palavras para descrever o momento. “Sem dúvida, foi uma das maiores experiências da minha vida. Eu observo aves há oito anos e a emoção de ver uma revoada de charões supera qualquer outra que eu tenha tido. Não há como descrever nem expressar. Só quem esteve aqui sabe do que estou falando. Já viajei a muitos locais do mundo para ‘passarinhar’ e nunca vi nada sequer parecido com isso. Se tiverem chance, não percam.”

A professora aposentada Vera Elenita Medeiros, de 63 anos, estava no mesmo grupo e compartilha esse sentimento. “Foi uma experiência incrível ver a revoada de milhares de papagaios com aquela gritaria ensurdecedora. Mas só quem estava ali sabe o que é. Não tem como traduzir em palavras”, conta ela.

O espetáculo da migração do papagaio-charão

A revoada majestosa e colorida dos papagaios-charão, com as araucárias ao fundo
Foto: Leandro Paiva

Projeto Charão: jornada de descoberta e conservação

O status de conservação do papagaio-charão é considerado ameaçado de extinção, pertencente à categoria vulnerável para o estado do Rio Grande do Sul. Desde 1991, o Projeto Charão pesquisa a biologia, ecologia e comportamento da espécie, investigando os fatores que a impactam negativamente.

O planalto de Santa Catarina, também conhecido como Serra Catarinense, abriga os remanescentes mais significativos da Floresta com Araucária, principal motivo da migração.

“Como a redução da Floresta com Araucária foi muito intensa no Brasil, sobrando algo em torno de 3% a 5%, houve uma grande perda de habitat para as espécies. Antigamente, o charão passava o período de reprodução e alimentação com o pinhão no próprio Rio Grande do Sul. Mas o corte do pinheiro avançou muito de forma clandestina até os anos 1980 e, com isso, o estado reduziu muito a capacidade de suporte do ambiente para o papagaio-charão”, explica Jaime Martinez, professor da Universidade de Passo Fundo (UPF) e um dos fundadores do projeto.

A iniciativa surgiu para resolver um grande enigma da natureza: o desaparecimento das populações do papagaio-charão do Rio Grande do Sul, de março a julho. Os pesquisadores percorreram o estado até chegarem a Santa Catarina, onde realizaram uma intensa investigação nos locais mais conservados.

“Foi quando descobrimos que a região de Urupema é visitada todos os anos por toda a população do papagaio-charão”, relembra Martinez.

O projeto é fruto de uma parceria entre a Universidade de Passo Fundo (UPF) e a Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA) de Carazinho. Após a descoberta, uma das ações prioritárias foi proteger alguns remanescentes das Florestas com Araucárias. Em 2017, uma área de 48 hectares foi adquirida pelo projeto com apoio de instituições como o Comitê Holandês da União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN) e o Rainforest Trust dos Estados Unidos. 36 hectares foram transformados em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), garantindo a conservação em caráter perpétuo.

“Aqui os papagaios contam com uma reserva estratégica de pinhões, com 50 toneladas da semente disponíveis para a fauna silvestre”, comemora o pesquisador. “E os animais estão aprendendo que, quando não encontram mais pinhões pela região, é aqui que podem ter esse recurso alimentar”, complementa.

Ele conta ainda que a reserva recebe visitas frequentes do papagaio-de-peito-roxo, da gralha, da baitaca, da tiriva, e de mamíferos como o quati, o veado-catingueiro, o ouriço-caixeiro e roedores silvestres, o que acaba beneficiando animais carnívoros como o gato-do-mato, a jaguatirica, o leão-baio ou puma, a irara e diversas aves rapinantes.

O espetáculo da migração do papagaio-charão

Os papagaios-charão: espécie que só existe no Brasil e em nenhum outro lugar do mundo
Foto: Leandro Paiva

Recentemente, a RPPN Papagaios de Altitude inaugurou um mirante para observação de aves, proporcionando aos visitantes uma vista privilegiada das revoadas e das paisagens deslumbrantes da região. Quando chega o período de reprodução, entre agosto e setembro, os charões retornam ao Rio Grande do Sul. Lá, o projeto desenvolveu ninhos artificiais para suprir a falta de árvores antigas com cavidades naturais.

“O papagaio-charão é uma espécie monogâmica, formando casais para toda a vida. O Brasil é o único país onde ela pode ser encontrada e apenas nesses dois estados. Tanto o sítio reprodutivo quanto a reserva alimentar são extremamente importantes, e nós precisamos proteger esses dois tipos de ambientes”, reforça a bióloga e professora Nêmora Pauletti Prestes, coordenadora do Projeto Charão.

Os pesquisadores do Projeto Charão consideram as recentes enchentes no Rio Grande do Sul uma catástrofe para a espécie.

“Isso deve repercutir daqui a dois anos na reprodução do papagaio-charão. Estamos monitorando a população desde 1991 e teremos que avaliar como isso vai afetar essa espécie migratória, que precisa de ações de conservação nos locais de reprodução e de forrageamento. Mas já podemos adiantar que áreas importantes foram comprometidas e estamos muito preocupados”, lamenta Nêmora.

Papagaios se alimentando de pinhão numa araucária
Foto: Raphael Sobania

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Foto de abertura: Leandro Paiva

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Lane lisboa
Lane lisboa
6 meses atrás

Lindo!!!sem palavras.

Iandecy
Iandecy
6 meses atrás

Lindos ! Empolgante!!Gostaria de saber se há algum projeto de preservação ou Criatórios Conservacionistas ou de reintrodução a Natureza de papagaios Amazonas aestiva. Gostaria de ter o contato.Obrigado.

Elizandro
Elizandro
6 meses atrás

Devem ter cuidado nos locais que eles se reproduzem. Há muitos filhotes sendo tirados dos ninhos.

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