Esta história foi descoberta por nós – Ana Carol e Rita, autoras deste blog -, e também por Mônica Nunes, editora do site Conexão Planeta, em momentos distintos. Todas nos apaixonamos pela iniciativa e, por isso, este é um post escrito a seis mãos.
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Desde que começou a quarentena, acompanhamos inúmeros relatos sobre o convívio das famílias e suas crianças em casa, nas redes sociais. Já são mais de 60 dias em que todos foram obrigados a ampliar intensamente essas horas de convívio, sem poder sair de casa, ou seja, confinados. E, no caso dos pais e, principalmente, das mães, dividindo as horas do dia entre trabalho, afazeres domésticos e brincadeiras com as crianças.
Mas de que casa falamos? Afinal, o Brasil é um país tão diverso e fica impossível imaginar como são as realidades vividas com tanta desigualdade. Mas, neste texto, nossa intenção é olhar especialmente para as crianças. Queremos saber com quem elas estão? Em que casa moram? Como se sentem neste momento? Queremos saber se estão brincando? Como estão brincando? E de que materiais dispõem para essas brincadeiras? Se é que dispõem de algum…
Brincar é um direito garantido a todas as crianças do mundo pela Declaração dos Direitos das Crianças, documento internacional adotado pela Liga das Nações em 1924 e ampliado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1959. No Brasil esse direito é garantido pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e reafirmado pelo Marco Legal da Primeira Infância.
Além de ser um direito, brincar garante importantes aprendizagens sobre o mundo. É uma linguagem essencial na infância e para a saúde emocional das crianças. Por isso também, ganhou um dia no calendário de efemérides celebradas todos os anos: em 28 de Maio é comemorado o Dia Mundial do Brincar, para que este direito jamais seja esquecido.
Neste momento de pandemia, em que o isolamento social é imprescindível, são muitas as crianças que vivem aglomeradas, em espaços reduzidos, em territórios vulneráveis, rodeadas por adultos preocupados com sua subsistência imediata, na maior parte do tempo. E, nesse contexto, como fica “o brincar”?
Foi refletindo sobre essa realidade que nove mulheres – mães e educadoras – se uniram e criaram o projeto Nutrição para Imaginação (que batiza o coletivo também) para oferecer kits ou caixas muito especiais, dedicadas à infância, que são entregues junto com cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade.
“Olhei para minha relação com minha filha, para tudo que estamos fazendo neste período de quarentena, e para tudo que temos à disposição para inventar um monte de brincadeiras e pensei em como poderia ajudar quem não tem nada disso, como poderia colaborar com mães que estão em situação muito diferente da minha”, relata a arte-educadora Renata Laurentino (à esquerda, na parte superior da montagem acima).
Foi a partir dessa reflexão e de um post que Renata escreveu nas redes sociais que essas mulheres se uniram e pensaram cuidadosamente nos materiais que essa caixa ou kit deveria ter para proporcionar uma boa experiência tanto de brincadeiras como de aprendizado e “colocaram a mão na massa”.
“A gente entende que é fundamental alimentar o corpo, mas também que é essencial alimentar a alma dessas crianças, garantindo o brincar e o criar”, explica Renata. “Neste momento, também é emergencial para o equilíbrio emocional e o desenvolvimento cognitivo”. Assim, o kit é uma forma de nutrição também, só que de criatividade, de imaginação.
Aventuras criativas e vínculo
Primeiro, elas juntaram recursos financeiros que viabilizassem a compra de boa parte dos materiais escolhidos. Esses recursos vieram de doações por meio de uma vaquinha online ou financiamento coletivo ininterrupto, que continua valendo.
A primeira fase do projeto resultou em 400 kits, que foram distribuídos juntos com cestas básicas graças à parceria com instituições que atuam na região da Luz, na capital paulista. Na segunda fase, foram mais 500 caixas para a região da Brasilândia, também em São Paulo, no mesmo esquema.
“Queremos que as crianças, por alguns momentos, saiam do cenário de medo e da insegurança e, por meio da imaginação, possam viver aventuras criativas, gerando experiências positivas, e aumentando o vínculo com suas famílias”, destaca a arte-educadora.
E o que será que tem na caixa?
Os materiais selecionados – comprados ou doados – foram agrupados na caixa assim: “de arte”, “de invenção”, “sensorial e natural”, livros e dedoches.
No primeiro grupo de materiais tem lápis de cor, canetinhas, giz de cera, giz de lousa, pregadores, papéis brancos e coloridos, tesoura, cola, livros.
No segundo, há materiais não estruturados como tecidos, papelão, pequenas caixas, cordões, adesivos. “Traquitanas para que elas possam inventar o que a imaginação desejar”, explica Renata.
O terceiro grupo é composto por elementos colhidos na natureza para incentivar a reconexão das crianças com o mundo natural. Amamos esta parte porque tem muito a ver com sugestões que damos, aqui no blog, e com as vivências e oficinas que realizávamos, antes da pandemia, que incentivam o contato com a natureza.
O kit também tem um caderno de atividades para crianças de 0 a 12 anos, “que orienta as famílias sobre como aproveitar o potencial das crianças neste momento, de forma que elas brinquem sozinhas e também com os adultos”, gerando ainda maior interação e cumplicidade com seus familiares.
Os livros infantis e infando-juvenis dependem das doações, por isso podem ser novos, semi-novos e usados. São indicados para leitores e ouvintes. O grupo está em busca de parcerias com editoras especializadas. Se você conhecer souber fazer essa aproximação, é só entrar em contato com as educadoras pelo e-mail: nutricaoparaimaginacao@gmail.com .
Pra finalizar, o kit bacana oferece dedoches feitos de tecido – que estimulam o diálogo, a criação de histórias e de personagens – e o Livreto do Renan, que é uma pequena história inspiradora que apresenta desenhos para colorir, com o intuito de estimular as crianças a identificar objetos e materiais de suas casas, como recursos preciosos para a brincadeira.
Que tal replicar esta ideia na sua cidade?
Nós ficamos apaixonadas por este projeto e pelo trabalho amoroso realizado por Renata Laurentino, Lígia Jalantonio Hsu, Emi Tanaka, Francina Buonanotte, Fernanda Duarte, Suely Bloch, Lisian Migliorin Lasmar, Luisa Leme Simoni e Gisele Simone Bance, que ainda contam com a jornalista Carolina Tarrio na comunicação e divulgação.
Se você também se sentiu inspirada/o assim, que tal iniciar uma ação com este propósito para as crianças da sua região? O coletivo Nutrição para a Imaginação pode te ajudar.
Para replicar a ideia do projeto, elas criaram uma página na internet, que reúne uma série de materiais, desde a organização da ação, link para o financiamento coletivo, registros dos encontros que o coletivo fez para montagem das caixas, a seleção dos materiais, a montagem das caixas, um guia chamado Inspiroteca, com a indicação de materiais para impressão e inspiração da caixa, até a distribuição para as crianças.
Na mesma página também é possível acessar as redes sociais do coletivo – Facebook e Instagram -, e entrar em contato para saber como ajudar.
Em momentos como este, em que um vírus transformou o ritmo de vida de todos nós, trazendo apreensão, medo, insegurança e vulnerabilidade, este projeto criativo revela o quanto a criatividade associada ao afeto pode ajudar a transformar a realidade de muitas crianças – e de seus familiares – e garantir sua saúde emocional, que é tão importante quanto sua saúde física. Com o coronavírus, veio muita dor e sofrimento, sim, mas também muita solidariedade, empatia e amor. Vamos alimentar apenas estes três, ok?
Agora, assista aos vídeos da organização do coletivo e do crowdfunding:
Fotos: Divulgação Nutrição para Imaginação (no destaque, foto de Luca Meola)