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“Nós queimamos, vocês pagam”: organização climática repudia propostas do Brasil na conferência da ONU

Nem bem começou a Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP25), em Madri (2 a 9 de dezembro), e o Brasil já ganhou destaque no noticiário e um prêmio. Não foi, obviamente, por sua boa atuação na luta mundial pelo clima, mas pela desfaçatez e cara de pau do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que, em coletiva de imprensa em novembro, apresentou propostas indecentes: um plano que chamou de “ambientalismo baseado em resultados” e outro para cobrar os países ricos pela proteção ambiental da Amazônia.

Claro que ele não usou a palavra chantagem, mas é assim que a gente pode entender a proposta. Foi assim que a imprensa, ONGs e os especialistas receberam suas declarações, aqui e no exterior. Parece piada. De que resultados ele fala? Do desmatamento crescente e recorde? E pelo que ele quer cobrar? Pelos incêndios ignorados (e incentivados) pelo governo?

Suas intenções chamaram a atenção da Climate Action Network (CAN), ou Rede de Ação pelo Clima (em tradução livre), uma rede mundial de mais de 1300 ONGs, que atuam em mais de 120 países para promover ações governamentais e individuais que limitem as mudanças climáticas, que está sempre presente às conferências do clima. Indignada, a organização publicou em seu site, no primeiro dia da conferência, uma nota com título bastante irônico: We Burn, You Pay: Brazil’s Brand New Negotiation Tactic. Traduzindo: Nós queimamos, vocês pagam: a marca da nova tática de negociação do Brasil.

O texto foi republicado por outros sites e viralizou nas redes sociais.

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Vale contar, aqui, que essa Rede é a mesma que criou, em 1999, na Alemanha, o prêmio simbólico e irônico – Fóssil do Dia -, que é oferecido aos países que prejudicam as negociações das conferências de clima e/ou atuam contra a proteção do meio ambiente. Ontem, 3/12, o Brasil foi agraciado com o título, junto com Japão e Austrália (leia aqui).

Pague-me por cortar e queimar florestas tropicais'”

Já nas primeiras linhas de sua nota, a Rede ironiza Salles: “O ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, está dando uma pausa de duas semanas em todos os problemas em casa e desfrutando do bom vinho e ‘tapas’ em Madri. Nas horas vagas, ele constrange os diplomatas profissionais de seu país, tentando bancar o negociador. Sua tática: chantagear países mais ricos para que paguem ao Brasil pela queima da floresta amazônica”. Que vergonha!

Em seguida, a nota destaca a intenção do ministro de ir à COP para exigir dinheiro em troca de proteção ambiental “depois que o atual governo desmantelou sistematicamente os programas de proteção florestal e os canais de financiamento existentes que envolvem todo o sistema de controle e supervisão, como o Fundo Amazônia, e outros órgãos que envolvem a sociedade civil e outras partes interessadas”.

Sim, focado no projeto desenvolvimentista que define o governo de Bolsonaro, Salles subestima a inteligência de todos: governos, negociadores, especialistas… e parece enxergar a conferência do clima como um balcão de negócios, onde não será confrontado.

O que ele e o presidente fizeram com o Fundo Amazônia explica bem sua visão sobre o clima, a conservação e o desenvolvimento sustentável. Ambos confrontaram a Noruega e a Alemanha, países que financiavam um dos fundos internacionais mais efetivos na proteção da Amazônia, até perdê-lo. Mudaram as regras do conselho e ainda manifestaram o desejo de usar o dinheiro para pagar desapropriações de terras em áreas protegidas. A questão é que quem perdeu o fundo, mesmo, foi a Amazônia, foram as comunidades e seus projetos de desenvolvimento sustentável (que receberam prêmio da ONU) e também as ações de combate aos incêndios, que também dependiam desse dinheiro.

Em outubro, bem que Salles tentou reconquistar a confiança da Alemanha e resgatar o fundo, mas voltou de mãos abanando.

A Rede está muito atenta a tudo isso. Em sua, ainda destaca o aumento da violência contra líderes indígenas e comunitários, muitas vezes assassinados. A organização não lembrou de Paulo Paulino Guajajara, morto numa emboscada por garimpeiros, no início de novembro: ele fazia parte dos Guardiões da Floresta, grupo que sua etnia criou para proteger suas terras, já que o governo não o faz. Mas citou o ataque à casa da ativista Alessandra Munduruku, que luta contra a mineração em suas terras. E tudo “sob as bênçãos de Salles”, salientando também a intenção do governo de explorar a Amazônia de forma insustentável.

De alguma maneira, a nota da Rede (como também notícias que têm sido publicadas pela mídia internacional, com certa frequência) revela que uma parcela do mundo enxerga exatamente o que está sendo feito pelo governo Bolsonaro. Dá vergonha, tristeza e um certo desespero. Temos corruptos, mentirosos e espertinhos gerindo o Brasil, mas na COP, eles não enganam, não. Esse encontro, segundo a organização, é uma boa oportunidade para “impedir que qualquer governo ingênuo, de bom coração, seja enfeitiçado por narrativas do tipo ‘Pague-me por cortar e queimar florestas tropicais’(leia o texto, na íntegra, abaixo).

Nós queimamos, vocês pagam: a marca da nova tática de negociação do Brasil

CAN – 2/12/2019

O ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, está dando uma pausa de duas semanas em todos os problemas em casa e desfrutando do bom vinho e de ‘tapas’ em Madri. Nas horas vagas, ele constrange os diplomatas profissionais de seu país, tentando bancar o negociador. Sua tática: chantagear países mais ricos para que paguem ao Brasil pela queima da floresta amazônica.

O ministro Salles disse que está vindo para a COP para exigir muito dinheiro em troca de proteção ambiental, depois que o governo desmantelou sistematicamente os programas de proteção florestal e os canais de financiamento existentes que envolvem qualquer sistema de controle e supervisão, como o Fundo Amazônia e outros órgãos. que envolvem a sociedade civil e outras partes interessadas.

O ministro chama sua estratégia de gestão de “ambientalismo baseado em resultados”. Os resultados não poderiam ser mais claros: o desmatamento, que representa a maior parte das emissões de carbono do Brasil, aumentou bastante este ano: 29% no período de um ano (até julho).

Assassinatos de líderes indígenas e comunitários são cada vez mais comuns em toda a região amazônica, porque atrapalham grileiros, fazendeiros e garimpeiros ilegais. Estes estão se sentindo fortalecidos pelos esforços do presidente Bolsonaro e do ministro Salles em apoiar a expansão econômica insustentável na Amazônia e desmantelar os já frágeis sistemas de regulamentação e fiscalização. O último caso de violência aconteceu neste fim de semana, enquanto o ministro viajava para Madri: Alessandra Munduruku, uma ativista indígena que luta contra a mineração, teve sua casa invadida e seu computador roubado – na mesma cidade em que quatro brigadistas foram injustamente presos, na semana passada, com a benção de Salles.

No ambiente atual, os doadores em potencial devem estar certos sobre os beneficiários de qualquer financiamento e sistema de supervisão e monitoramento. Existe um alto risco de qualquer financiamento ser canalizado para os próprios fazendeiros e grileiros que estão determinados a invadir e desmatar ilegalmente parques, reservas indígenas e áreas protegidas.

O atual governo só agiu para proteger o meio ambiente ou demonstrar intenção de controlar o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa quando sofreu pressão internacional, particularmente relacionada ao acesso aos mercados de commodities como carne bovina e soja.

Esta COP é uma oportunidade para que diplomatas e os mercados passem mensagens ainda mais fortes a respeito de sua posição. E para impedir que qualquer governo ingênuo, de bom coração, seja enfeitiçado por narrativas do tipo “Pague-me por cortar e queimar florestas tropicais”.

Foto: Arquivo pessoal

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