Neste 29 de dezembro de 2022, Edson Arantes do Nascimento nos deixa, pelo menos fisicamente, mas o legado de Pelé permanecerá. Internado desde novembro no hospital Albert Einstein, em São Paulo, já recebendo apenas cuidados paliativos pois ele não respondia mais ao tratamento contra um câncer, rodeado por sua família, o maior ídolo do futebol brasileiro e mundial, se foi, em paz.
Muito há o que se escrever sobre seu talento como atleta e suas proezas em campo, mas este texto é apenas para lembrar o quão grande Pelé também foi fora dos gramados. O menino que nasceu numa família pobre, em Três Corações, Minas Gerais, conquistou o mundo com seus dribles e gols, todavia, nos bastidores sonhava com um mundo melhor para as crianças.
No dia 19 de novembro de 1969, diante de um Maracanã lotado, quando ele fez seu milésimo gol, durante a comemoração, chorando, disse: “Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode esquecer das criancinhas, as criancinhas pobres, as casas de caridade. Vamos pensar nisso. Não vamos pensar só em festa”.
Apesar de ter sido criticado na época, pois muitos esperavam que Pelé fizesse alguma referência à ditadura militar, anos mais tarde o jogador, em sua autobiografia, lançada em 2010, “Pelé: Minha Vida em Imagens”, revelou que alguns meses antes tinha visto algumas crianças tentando roubar um carro e aquilo teria lhe tocado profundamente: a falta de acesso à educação no Brasil.
“Acho que muita gente não entendeu o que eu estava querendo dizer. Fui um pouco criticado, com pessoas me chamando de demagogo. Achavam que eu não tinha sido sincero. Mas isso não me incomodou. Acredito ser importante que pessoas como eu mandem mensagens sobre a questão da educação. Não haverá futuro se você não educar os jovens. Hoje, quando você anda pelo Brasil e vê os problemas que temos, com gente morando nas ruas e gangues em ação, elas também já foram crianças. Agora dizem que o Pelé estava certo. Não tenho medo de falar com o coração”, escreveu Pelé em seu livro.
Pelé, junto com crianças, na época da Rio92
(Foto: ONU/Joe B. Sills)
Pelé e o apoio às causas sociais
Edson Arantes do Nascimento certamente não era demagogo. Durante toda sua vida ajudou diversas causas sociais. O “Atleta do Século” foi Embaixador da Boa Vontade da Conferência do Meio Ambiente da ONU, a Rio 92, e também atuou com a organização para apoiar os direitos das crianças em várias partes do mundo.
Único projeto social apadrinhado por ele, o Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, em Curitiba, foi fundado em 2006 e tem como objetivo buscar avanços para novos métodos de diagnóstico e tratamento de doenças infanto-juvenis.
“Ter o apoio do Pelé e ser o único projeto social no mundo a levar o nome do maior jogador de todos os tempos é uma honra para nós do Pequeno Príncipe. Fazer pesquisas no Brasil é um grande desafio, pois os recursos são escassos. O apoio do Pelé abriu muitas portas para que pudéssemos captar recursos nacionais e internacionais. Nos aproximou de esportistas, trouxe visibilidade à ciência e ao Instituto de Pesquisa e também ao nosso hospital, o maior e mais completo hospital exclusivamente pediátrico do país”, disse hoje José Álvaro da Silva Carneiro, diretor-corporativo do Pequeno Príncipe.
Em 2018, Pelé anunciou a criação de uma fundação que levava seu nome. A ideia era trabalhar em parceria com outras organizações mundiais pelo empoderamento de crianças, ao combater a pobreza e melhorar a qualidade da educação.
Beijando a mão de uma criança em tratamento no hospital em Curitiba
(Foto: Hospital Pequeno Príncipe)
“O sonho é de todos nós. Amor, amor e amor“
Recentemente, em 17 de dezembro, no perfil do Instagram de Pelé foi publicado um lindo texto. Parece realmente uma despedida. As últimas palavras de um rei para seus súditos.
E é com elas que finalizo este post, uma homenagem para aquele que tanto nos deu orgulho e que em qualquer parte do mundo, por onde andávamos e dizíamos que éramos brasileiros, sempre recebíamos um sorriso de volta e a frase “O país de Pelé!”.
“Carta aberta sobre o meu sonho
A vida é oportunidade. O que fazemos com ela cabe a cada um de nós. Acertamos e erramos. Na vitória, recebemos a celebração. Na derrota, o aprendizado. A vida sempre é generosa e oferece novos recomeços. A cada dia que passa, iniciamos um novo caminho. E neste ciclo, alimentamos sonhos que nunca morrem, independente dos tropeços da jornada.
Isso serve para todo mundo, mas quando o seu sonho é ser jogador de futebol, as oportunidades são muito mais raras e os sonhos muito mais longínquos. Já os tropeços não são mais doloridos que o da vida de ninguém. Porém, são julgados por muito mais pessoas, não acha? E, para ser justo, as vitórias são muito mais celebradas também.
Apesar da dor que estamos sentindo com a nossa eliminação na Copa do Mundo, eu peço aos brasileiros que se lembrem do que nos trouxe até as cinco primeiras estrelas que temos no peito. É o amor que nos move.
Eu não sei o que nos faz sermos tão loucos por futebol. Se é o amor pela união de amizades verdadeiras em torno do esporte, pelo grito do gol ou por esquecer de todos os problemas que enfrentamos, mesmo que seja por apenas 90 minutos. Talvez o amor pelo combate à pobreza, à fome e às drogas, que o futebol assume em tantas comunidades que formam um país tão imenso. São muitas as virtudes do esporte mais bonito. Ainda mais aqui no Brasil.
Não importa o motivo. O que importa é que essa torcida nos uniu, em um momento que precisávamos tanto de união. E meu sonho é que este sentimento entre nós e pelo nosso país não seja apenas passageiro. Este objetivo pode parecer impossível. Porém, quando eu era garoto, eu tive outro sonho que também parecia: vencer a Copa do Mundo para o meu pai.
Falando em sonhos, não pensem que os sonhos dos nossos atletas acabaram. Eu sei que eles ainda sonham com a sexta estrela, assim como eu sonhava quando era um menino. A nossa conquista foi apenas adiada.
Aos meus amigos atletas e comissão técnica da Seleção, eu deixo a minha admiração, solidariedade e amor. A todos os brasileiros, eu desejo que a união e o amor que nos une no esporte transcenda para a vida inteira. O sonho é de todos nós. Amor, amor e amor“.
*Com informações adicionais da Folha SP e ONU News
Foto de abertura: reprodução Instagram Pelé