
O Museu Nacional da Dinamarca chama de doação, mas, na realidade, o manto sagrado Tupinambá do século XVII será devolvido ao Brasil – por intermédio do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – depois de levado do país por ‘viajantes’ europeus há mais de 300 anos e, certamente, ofertado a famílias nobres e monarcas.
O manto tecido com penas de guará, que se encaixam sobre uma base de fibra natural, mede 1,2 metro de altura por 60 cm de largura, e é composto por gorro e capa (foto acima). É uma das mais belas, raras e valiosas peças da cultura dos povos indígenas brasileiros.
A peça está em Copenhagen desde 1689 e deve retornar ao país ainda este ano, integrando o novo acervo do Museu Nacional, destruído num incêndio em 2018.
Para o antropólogo Rane Willerslev, diretor do Museu da Dinamarca, a “doação” do manto é uma “contribuição única e significativa” para a recuperação do acervo brasileiro.
Em nota enviada à revista Piauí, o especialista declarou: “As heranças culturais têm um papel decisivo nas narrativas das nações sobre si mesmas. É assim no mundo inteiro. Por isso, é importante para nós ajudar a reconstruir o Museu Nacional do Brasil depois do incêndio devastador de alguns anos atrás”.
Para Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional no Rio de Janeiro, “não tem mineral, não tem fóssil, não tem artefato que consiga ser mais importante que esse manto! Ele representa as primeiras populações brasileiras, é um artefato de um dos primeiros povos! E, diferentemente por exemplo das múmias dos egípcios, que são muitas, os mantos são poucos”, declarou ele à Mídia Ninja.
No mundo, existem onze mantos Tupinambá semelhantes. Nenhum está no Brasil, mas todos estão em museus da Europa, segundo a revista Piauí.
De acordo com o museu do RJ, o manto Tupinambá será exibido ao público a partir de 6 de junho de 2024, quando a instituição completará 206 anos. Na ocasião, a relíquia ficará numa pequena sala preparada com cenografia apropriada, planejada pela equipe da instituição em parceria com os indígenas Tupinambá.
Réplicas
Os mantos sagrados Tupinambá, eram utilizados por pajés em rituais. Nos dias atuais, todos os anos, o povo Tupinambá de Olivença – que vive no sul da Bahia, a cerca de dez quilômetros ao norte da cidade de Ilhéus, em suas terras que vão da costa marítima, na vila de Olivença, até a Serra das Trempes e a Serra do Padeiro – relembram a morte de Marcelino, líder indígena perseguido, preso e assassinado em 1937.
Nessa celebração, os Tupinambá realizam uma marcha para a qual produzem réplicas dos antigos mantos, com o intuito de expressar a vitalidade e a complexidade de sua cultura, além de reafirmar a força de seu projeto coletivo de futuro.
A artista e professora indígena Célia Tupinambá é a primeira, em 400 anos, a produzir mantos Tupinambá que substituem os originais em rituais. Ela contou à Mídia Ninja que, para seu povo, a “doação” representa o resgate de uma memória transcendental já que o manto não é apenas um objeto, mas seu ancestral, pois contém energia e se conecta com seu povo.
“Eu vejo essa movimentação como se fosse dos próprios ancestrais querendo voltar para o seu território”, explica Célia. “Se você pensar que esses objetos são sagrados e eles estavam em uma missão, agora chegou o momento deles fazerem o retorno para seus territórios”.
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Com informações de G1, Mídia Ninja, revista Piauí, Museu Nacional da Dinamarca
Fotos: Roberto Fortuna/Museu Nacional da Dinamarca/divulgação