Num dos corredores da Grande Galeria da Evolução, no Museu de História Natural de Paris, um grande tigre dente-de-sabre da América, extinto há 10 mil anos, com caninos que medem quase 28 centímetros, boceja a poucos metros da cabeça do/a visitante.
Mais adiante, diversos dodôs – ave de um metro de altura incapaz de voar – surgem e o/a observam fixamente. De uma vitrine, sai um crânio que vai tomando forma e se transforma na vaca-marinha-de-Steller, muito parecida com o peixe-boi e que desapareceu em apenas 30 anos.
Tudo parece muito real e mágico nesse universo em que “vivem” 11 espécies que desapareceram há milhares de anos da Terra. Isso, graças à técnica de realidade aumentada, que projeta hologramas identificados por óculos especiais.
Reproduzidas em tamanho real, essas espécies fazem parte da exposição Revivre (Reviver), inaugurada em junho, que agora integra o ‘cardápio’ permanente do museu.
Durante o passeio, que não dura mais do que 15 minutos, uma voz conduz o/a visitante e conta a história de cada animal e sua interação com os humanos, explicando os motivos de seu desaparecimento.
A visitação é rápida, mas os pesquisadores do museu e do Estúdio Sola – especializado em realidade aumentada – dedicaram um tempo enorme para reconstruir cientificamente a morfologia e o comportamento destes animais.
“Preocupo-me muito com a materialidade dos objetos que apresentamos e com o fato de que essa experiência não nos afasta da realidade”, explicou Bruno David, presidente do Museu, ao Le Monde. “Hoje, só a tecnologia nos permite reconstruir o que se perdeu, por isso, queríamos que a precisão científica fosse o mais perfeita possível”.
E Rémi Dupouy, naturalista associado ao Saola, completa: “Queríamos abarcar diferentes tipos de famílias de animais e variar tamanhos, comportamentos e texturas”.
Uma luz sobre a atualidade
A exposição é bastante divertida e inovadora, sim, e acontece em meio a espécimes empalhados do acervo do museu. Mas seus idealizadores querem sensibilizar os visitantes para as ameaças de extinção que todas as espécies correm no planeta. Os animais reconstituídos para esta exposição foram todos dizimados pelos seres humanos.
Assim, a experiência lança luz sobre as espécies atuais que sofrem de pressões antropogênicas e destaca as boas práticas dos povos indígenas nas quais devemos nos inspirar.
A Lista Vermelha da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza, que é o inventário global mais abrangente que revela o status de espécies vegetais e animais, indica que 37.480 animais estão ameaçados de extinção, incluindo elefantes africanos e a baleia franca do Atlântico Norte.
Em 2019, a IPBES – Plataforma Científica e Política Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos alertou que um milhão de espécies animais e vegetais – ou uma em cada oito – correm o risco de desaparecer em curto prazo de tempo.
As 11 espécies da exposição
TARTARUGA GIGANTE DE RODRGUES (Cylindraspis vosmaeri)
Viveu no início do século XVIII na Ilha Rodrigues, que integra as Ilhas Maurício, a leste da costa de Madagascar, no Oceano Índico. Acredita-se que ela pesava até 100 quilos e foi extinta por volta de 1800, durante a expansão colonial europeia, devido à caça e a introdução de animais como ratos, gatos e porcos e à redução de seu habitat. Na exposição, ela estica o pescoço para comer folhas na altura do rosto do/a visitante.
Em maio deste ano, apresentei a campanha Living Images Project, que recriou animais extintos em fotografias – entre eles, esta espécie de tartaruga -, para conscientizar sobre a proteção de espécies ameaçadas.
DODÔ (Raphus cucullatus)
Emblemático dessas espécies extintas, foi dizimado em menos de um século. Isso aconteceu no final do século XVI, devido à presença de marinheiros europeus que desembarcaram nas Ilhas Maurício onde a espécie vivia com segurança. Foi caçado pelos homens e também por ratos e outros predadores (levados pelos navios) até a extinção.
VACA MARINHA DE STELLER (Hydrodamalis Gigas)
Animal de 8 metros, que chegava a pesar 11 toneladas, vivia sob as águas do Pacífico. Sua população já estava enfraquecida, quando os seres humanos a descobriram, em 1741. Foi caçado por seu óleo e carne até desaparecer em 1768.
QUAGGA (Equus q. quagga)
Equino do sul da África que parecia uma mistura de zebra e cavalo, foi caçado por sua pele e carne, até ser extinto em 1880. Na exposição, vaga em bando entre os animais imóveis em suas gaiolas de vidro.
AVE-ELEFANTE (Aepyornis Maximus)
Classificada como o maior pássaro que já existiu na Terra – com três metros de altura, chegava a pesar uma tonelada -, vivia em Madagascar e era uma espécie essencial para os ecossistemas da região, graças à dispersão de sementes. Foi vista pela última vez há mil anos; não resistiu à chegada do ser humana e à sua caça intensiva.

O GRANDE PINGUIM (Pinguinus impennis)
Esta espécie do Atlântico Norte não podia voar e, por isso, era muito vulnerável e facilmente caçada. Os seres humanos apreciavam sua carne e óleo. O último casal foi morto em 1844.
POMBO MIGRATÓRIO (Ectopistes migratorius)
Esse pássaro norte-americano – Tourte voyageuse – vivia em bando aos milhões para bicar nos campos. Seu desaparecimento aconteceu em poucas décadas devido à caça, a incêndios e à destruição de seus ninhos: o último exemplar da espécie morreu em um zoológico em 1914.

TIGRE DA TASMÂNIA OU TILACINA (Thylacinus cynocephalus)
Natural da Austrália, foi vítima dos seres humanos e de seus cães, os dingos, que se tornaram competidores do animal.
MARFIM VERMELHO ou ROUND-HELMET CALAO (Rhinoplax vigil)
Natural da Tailândia, este pássaro era muito procurado por seu bico e viu sua população diminuir drasticamente em seu ambiente natural: a floresta.
BESOURO DE ANGOLA (Mnematium cancer)
A redução de sua população está provavelmente ligada à diminuição do número de elefantes em Angola pois ele se alimenta de resíduos de plantas nas suas fezes. Considerado desaparecido, foi recentemente visto em sua área original, há muito inacessível devido ao conflito armado. Na exposição, ele esculpe esterco de elefante e o empurra até os pés do/a visitante.
GRANDE TIGRE DENTE DE SABRE (Smilodon)
Foi um predador excepcional que viveu na América do Sul e Central. Seus caninos podiam medir até 28 cm. Seu desaparecimento está relacionado à colonização iniciada há 10 mil anos. Na exposição, ele surge a poucos metros da cabeça do/a visitante, mostrando seus dentes através de um bocejo.
Agora, assista ao vídeo produzido pelo Museu de História Natural de Paris para divulgar a exposição Revivre, que dá bem a ideia de como os animais interagem com o público:
Foto (destaque): SAOLA Studio_MNHN