Por cerca de dois séculos, até 2020, pesquisadores não sabiam como era um tigre-dente-de-sabre, exatamente. O ano indicado diz respeito à descoberta, por garimpeiros siberianos (que certamente procuravam presas de mamute), de uma múmia de filhote da espécie, congelada no permafrost à margem do Rio Badyarikha (bacia do Rio Indigirka) no extremo leste da Sibéria, na Rússia. Imaginando que se tratava de uma importante descoberta, eles a levaram para a Academia Russa de Ciências, em Moscou, para análise dos pesquisadores, que ficaram encantados.
(Permafrost é uma camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada em algumas das regiões mais frias do mundo. Fica embaixo de uma camada mais fina de vegetação, terra, rochas, areia e matéria orgânica – restos de plantas e animais -, unidos por gelo).
Na mesma região, em outros tempos, era natural encontrar mamutes mumificados e outros herbívoros. Mas predadores de topo – como este felino – são muito raros em comparação com suas presas, que, em geral, superam os predadores em número na natureza.
O que se tinha antes dessa descoberta incrível – o filhote está muito bem preservado e, até, tem pelos! – eram informações baseadas em ossos fossilizados e pegadas ocasionais, que deram suporte ao desenvolvimento de modelos de museus (paleoarte dramática), a ilustrações cientificas e também ajudaram a dar vida aos desenhos da série A Era do Gelo.
Mas, após quatro anos de pesquisas, paleontólogos da Academia Russa de Ciências, liderados por A.V. Lopatin, descreveram a múmia congelada em artigo publicado no site Scientific Reports, da Nature, em 14 de novembro último: Mummy of a juvenile sabre-toothed cat Homotherium latidens from the Upper Pleistocene of Siberia (Múmia de um jovem gato dente-de-sabre Homotherium latidens do Pleistoceno Superior da Sibéria).
No texto, eles apresentam a primeira imagem real da espécie Homotherium latidens (foto de destaque deste post) e descrevem detalhes interessantes. Agora, temos uma ideia melhor de como era um tigre-dente-de-sabre de cerca de três semanas – estágio da vida sobre a qual os paleontólogos sabem pouco, já que a maioria dos fósseis são de adultos -, que viveu no Hemisfério Norte há cerca de 32 mil anos (pode ser mais: até 37 mil anos) e foi extinto no final da Era do Gelo.
“O estudo da aparência do espécime mostrou diferenças significativas de um filhote de leão moderno de idade semelhante no formato incomum do focinho com uma grande abertura de boca e orelhas pequenas, a região do pescoço muito maciça, os membros anteriores alongados e a cor da pelagem escura. A análise tomográfica do crânio da múmia revelou as características da sub-família Machairodontinae e do gênero Homotherium”, diz o resumo do artigo, que acrescenta:
“Pela primeira vez na história da paleontologia, foi estudada a aparência de um mamífero extinto que não tem análogos na fauna moderna”.
Minúcias
Detalhes como a proporção muscular e as pequenas almofadas nas patas, além da cor “completamente inesperada” do pelo, apresentaram o quadro completo de um animal que evoluiu em um ambiente inóspito e com métodos de caça que não têm paralelo moderno, dizem os cientistas.
Identificado por Lopatin e seus colegas como um bebê Homotherium latidens, o carnívoro estudado era “um predador esguio e de longo alcance, mais adequado para correr atrás de presas do que o famoso Smilodon, com suas técnicas de emboscada”, descreve a revista National Geographic (NG).
O espécime também é conhecido como gato com dentes-de-cimitarra (espada mais típica do Oriente Médio e da Índia muçulmana), devido a seus dentes caninos mais curtos e serrilhados em comparação com os do Smilodon “com dentes de adaga”.
Natural da Eurásia (Europa + Ásia) e da América do Norte, essa espécie de tigre caçava mamutes jovens e outros indivíduos da megafauna.
Múmia adulta
Durante a pesquisa, algumas questões ficaram em esclarecimento. Por exemplo: os tigres-dente-de-sabre sempre foram retratados com as pontas dos caninos saindo abaixo dos focinhos. Isso pode ter sido real em espécies como o Smilodon, mas, uma análise de 2022 sugere que o Homotherium tinha focinhos profundos, onde os dentes longos podiam se esconder, pois ficavam cobertos pelo lábio superior quando a boca estava fechada.
Lopatin observou que o lábio superior do filhote tem mais do que o dobro da profundidade do de um filhote de leão moderno, sugerindo que o Homotherium realmente tinha lábios capazes de esconder os longos dentes caninos que mais tarde cresceriam.
Mas como seriam os dentes dos tigres adultos? Se manteriam assim, mesmo com o crescimento?
Além disso, destacam os cientistas, durante a última Era Glacial, grandes herbívoros pisoteavam e pastavam plantas, em especial arbustos e árvores, o que significa que, assim como nas savanas de hoje, faria mais sentido para um predador que caçasse membros jovens e idosos dessas espécies — incluindo mamutes — se misturar às gramíneas. Por isso, é estranho que o filhote de tigre-dente-de-sabre não tenha manchas ou listras, já que esses padrões são comuns entre os tigres modernos, incluindo aqueles que rondam entre gramíneas.
E um mistério envolve a falta de uma almofada carpal (imagem abaixo), localizada mais acima no pé de pantherídeos modernos. Qual seria a razão?
De acordo com os paleontólogos envolvidos nesta pesquisa, muitos dos enigmas levantados durante o estudo da múmia filhote de tigre-dente-de-sabre só poderão ser resolvidos se um adulto, nas mesmas condições, for encontrado. E isso, agora, parece ser possível, mais do que qualquer cientista poderia supor.
____________
Acompanhe o Conexão Planeta também pelo WhatsApp. Acesse este link, inscreva-se, ative o sininho e receba as novidades direto no celular.
Foto (destaque): A.V. Lopatin / reprodução da Scientific Reports
Com informações da Scientific Reports, National Geographic, NYT
Tem DNA preservado? Se tiver será possível reviver esse animal!!!