Em 1973, a ativista nativa americana e atriz Sacheen Littlefeather tinha 26 anos e participou pela primeira e última vez de uma cerimônia do Oscar. Não para disputar o cobiçado prêmio, mas para representar Marlon Brando, que havia sido indicado para receber a distinção de melhor ator por Dom Corleone, mas não queria participar da festa.
Favorito, seu nome foi anunciado naquele noite e, em seu lugar, ela subiu ao palco, onde os atores Roger Moore e Liv Ulman a aguardavam. Sob os olhares atônitos de todos, Sacheen recusou a estatueta dourada e fez uma declaração curta e contundente, que marcou profundamente sua vida.
A decisão do ator foi uma forma de protesto contra a forma como os povos indígenas americanos eram tratados pela indústria cinematográfica e representados no cinema. Na época, Brando também reagia à resposta truculenta da polícia federal à ocupação da cidade de Wounded Knee, em Dakota do Sul, por membros do Movimento Indígena Americano, do qual Sacheen fazia parte.
Por apoiar Brando, a atriz amargou a hostilidade de Hollywood, que a boicotou e influenciou toda a indústria do entretenimento, destruindo sua promissora carreira. O ator se calou e – enquanto Sacheen era esquecida – deu continuidade à sua trajetória triunfante até o final dos anos 90.
Reparação, a tempo
Contei sobre essa história em agosto, quando, 49 depois do episódio, David Rubin, ex-presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, pediu desculpas formais em carta à atriz indígena pelos abusos sofridos cometidos contra ela, não só durante o discurso, mas também nos anos subsequentes.
“O abuso que você sofreu por causa dessa declaração foi injustificado. O fardo emocional que você viveu e o custo para sua própria carreira em nossa indústria são irreparáveis”, declarou Rubin. Ao site Hollywood Reporter, a indígena declarou que jamais imaginou que viveria para ouvir isso, e brincou, declarando que manter o humor é um método de sobrevivência para os povos nativos: “Nós, indígenas, somos pessoas muito pacientes — foram apenas 50 anos (de espera)!”.
Sim, ela sobreviveu não só à injustiça, mas a um câncer de mama, descoberto nos anos 90, que se agravou e, em 2018, estava no estágio 4. No ano passado, a ativista indígena chegou a declarar que ele havia evoluído para metástase no pulmão direito, o que ela confirmou no Facebook em janeiro deste ano.
Embora o motivo de sua morte não tenha sido declarado, ela certamente foi consequência da doença avançada. A notícia foi divulgada hoje pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em post publicado no Twitter. Acompanhado por uma imagem da atriz Apache e Yaqui, o texto diz: “Sacheen Littlefeather, ativista dos direitos civis nativo americano que recusou o Oscar de Melhor Ator de Marlon Brando em 1973, morre aos 75 anos”.
Junto à imagem da indígena (que reproduzo abaixo), uma de suas últimas frases: “Quando eu me for, lembre-se que sempre que você defender sua verdade, você manterá minha voz e as vozes de nossas nações e do nosso povo vivas. Eu permaneço Sacheen Littlefeather. Obrigada!”.
“Uma grande limpeza
A carta de David Rublin foi lida na íntegra em evento realizado em homenagem à ativista – Uma Noite com Sacheen Littlefeather -, em setembro, no Museu de Cinema da Academia, no qual declarou, sobre sua fala no Oscar em 1973:
“Eu não me representei. Eu estava representando todas as vozes indígenas lá fora, todos os povos indígenas, porque nunca tínhamos sido ouvidos dessa maneira antes”. Assim que terminou a frase, o público que a assistia irrompeu em aplausos.
Para Sacheen, estar ali parecia “uma grande limpeza”. E acrescentou: “Parece que o círculo sagrado está se completando”.
Entrevista, documentário e a fala no Oscar
Dois dias depois da divulgação do pedido de desculpas por Rublin, Sacheen concedeu uma longa entrevista ao Museu da Academia, que reproduzo abaixo.
Em seguida, acrescento o trailer do documentário Sacheen: Breaking the Silence, dirigido por Eric Anderson e lançado no ano passado, que conta a história desta mulher incansável e seu impactante discurso e que você pode assistir em plataformas de streaming (iTunes, Amazon Prime, YouTube, GooglePlay, XBox e Vudu Fandango).
Por último, o vídeo com trecho da declaração de Sacheen na cerimônia do Oscar de 1973.
Fotos: creative commons (ela, no discurso de 1973) e cartaz do documentário