Desde 6 de junho, a mineradora Vale integra a “lista suja do trabalho escravo” do Ministério do Trabalho e Emprego, ou seja, foi incluída no cadastro de empresas que atuam com mão de obra análoga a dos tempos da escravidão.
Isso aconteceu depois que a empresa perdeu parte da ação na qual contestava, na Justiça do Trabalho, operação realizada em fevereiro de 2015, quando foram encontradas 309 pessoas submetidas a esse tipo de condição, em Mina do Pico, no município de Itabirito, em Minas Gerais.
Em geral, essas ações contam com a participação de representantes da Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e outras forças de segurança.
Os trabalhadores flagrados em situação de exploração eram motoristas que transportavam minério de ferro entre duas minas da Vale. Todos eram empregados da Ouro Verde, contratada pela mineradora, mas os auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais responsabilizaram a empresa pelas condições relatadas.
De acordo com fiscais do ministério, eles eram expostos a jornadas exaustivas e condições degradantes, além de serem vítimas de fraude: em seus depoimentos, delataram terem sido enganados (promessas não cumpridas) e ameaçados.
Em nota enviada pela assessoria de imprensa da Vale ao site Repórter Brasil – que acabara de publicar reportagem sobre o caso -, a empresa contestou sua inclusão na referida ‘lista’ e declarou que adotaria medidas para sua retirada por se tratar de decisão “incorreta”.
“Foi proferida decisão judicial em maio de 2024 que reconhece indevida a lavratura de auto de infração em razão da fiscalização ocorrida em 2015, o que torna indevida sua inscrição no cadastro”, afirmou.
“A Vale repudia toda e qualquer forma de desrespeito aos direitos humanos e às condições indignas de trabalho, e reforça seu compromisso, alinhado com suas políticas, na manutenção de condições dignas para toda sua cadeia produtiva”, completou a empresa.
No entanto, difícil refutar o que a reportagem publicada em 27 de fevereiro de 2015 denunciou: histórias como as de um motorista que dirigiu por 23 horas, com apenas 40 minutos de intervalo; e de outro, que trabalhou de 14 de dezembro a 11 de janeiro sem um dia de folga.
Sobre as condições em que viviam nos alojamentos, destaca-se o estado precário dos banheiros que, de tão imundos, obrigavam os trabalhadores a fazerem suas necessidades fisiológicas à beira da estrada.
Quem trabalhasse mais e de forma mais intensa (mesmo colocando sua vida e a dos colegas em risco), ganharia mais, mas esse tipo de promessa nunca foi cumprido. E, se alguém ousasse reclamar, era ameaçado.
Segundo a ONG Repórter Brasil, a empresa Ouro Verde, por sua vez, também divulgou nota, declarando que as irregularidades constatadas pela fiscalização durante a jornada dos trabalhadores eram “decorrentes de problemas sistêmicos no relógio ponto”. Também negou que tenha feito promessas enganosas e ameaças.
Mais 248 empregadores
Em abril, esse foi o total de “patrões” que tiveram seus nomes incluídos na “lista suja” do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego, sendo 43 – quase 20% – no âmbito doméstico.
Os demais foram flagrados no cultivo de café (27$), na criação de bovinos (22%), na produção de carvão (16%) e na construção civil (12%).
Esse total – 248 – é o maior registrado desde a criação do cadastro.
A lista suja
Desde novembro de 2003 (primeiro mandato de Lula como presidente), quando foi lançada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a “lista suja” é atualizada a cada seis meses, quando são incluídos novos nomes de maus empregadores.
Vale ressaltar que a inclusão só acontece após as empresas exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa, permanecendo nela por 2 anos.
De acordo com a portaria interministerial, a inclusão de uma empresa nessa lista não acarreta bloqueio comercial ou financeiro. Ou não deveria acarretar, mas o fato é que ela tem sido usada por empresas e bancos brasileiros e estrangeiros como forma de evitar riscos.
Essa sanção inevitável transformou a ‘lista suja’ num exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pela ONU.
Em 2010, por exemplo, o Conselho Monetário Nacional proibiu a concessão de crédito rural a empregadores participantes da lista. E o BNDES sempre consulta a lista antes de fechar negócios.
(In) Constitucional?
Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509 – apresentada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) – e reafirmou a constitucionalidade da “lista suja”, por nove votos a zero, ou seja, por unanimidade.
O ex-ministro Marco Aurélio foi o relator do caso e considerou que a divulgação da lista tem amparo na Lei de Acesso à Informação: Lei 12.527/11.
Seu voto contra a ação da Abrainc foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também acompanharam o relator, mas com ressalvas. Já Alexandre de Moraes foi mais categórico, afirmando que a Abrainc não tinha legitimidade para propor a ação que defendia que “apenas uma lei poderia instituir essa base de dados, e não uma portaria interministerial”.
Para o ex-ministro, a portaria interministerial realiza direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa humana, composto pela proibição de instrumentalização do indivíduo, e aos valores sociais do trabalho. “A quadra vivida reclama utilização irrestrita das formas de combate a práticas análogas à escravidão”, frisou na ocasião.
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Foto: Marcello Casal/Agência Brasil (foto ilustrativa)
Com informações de Repórter Brasil, Agência Brasil, MTE