
Os relatos que chegam do Texas, estado ao sul de um dos países mais ricos do mundo, os Estados Unidos, são estarrecedores. Milhões de pessoas já estão há dias sem eletricidade. Outras sem água ou gás. Para se aquecer, dentro de suas casas, muitas famílias estão queimando pertences pessoais: molduras de porta-retratos, brinquedos de madeira dos filhos, pedaços de cercas. Sem luz, muitos supermercados fecharam as portas. Há muita gente sem ter o que comer. Não conseguem cozinhar em casa e a comida do congelador está estragando.
A última vez que o Texas foi atingindo por uma onda de frio semelhante a esta foi na década de 30. Dallas-Fort Worth chegou a registrar -18oC na terça-feira.
O Texas não é o único que enfrenta o frio polar. Louisiana, Kentucky, Oregon e Missouri também sofrem com a nevasca e hoje, a tempestade gigante chegou em parte da costa leste. Até este momento, 38 pessoas já tinham morrido por causa da neve e do frio. Algumas delas tentaram se aquecer dentro de carros e morreram sufocadas pelo monóxido de carbono.
Apesar de já terem ocorrido outras tempestades como esta no Texas, estado que habitualmente é mais quente e onde quase não neva, cientistas alertam que o atual fenômeno pode estar relacionado com as mudanças climáticas.

Estrada tomada pela neve no estado de Oregon, nos Estados Unidos
Aquecimento do Ártico x invernos mais intensos
Pode parecer contraditório, mas não é. Inclusive, em 2019, Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, debochou do aquecimento global diante de outra onda de frio polar que castigou o país na época. Pura ignorância.
Muitos cientistas enxergam uma associação clara entre o aumento do calor no Ártico – que em alguns anos recentes já apresentou temperatura entre 20oC e 30oC acima do normal -, e a maior frequência e intensidade das tempestades de inverno no Hemisfério Norte (além dos Estados Unidos, países como Grécia e Líbano tiveram nevascas esta semana).

O frio polar escapa do Ártico e atinge regiões mais ao sul dos Estados Unidos
Como já explicamos nesta outra reportagem, o fato é que o Ártico está perdendo a capacidade de reter suas massas de ar frias. O anel de ventos gelados que contorna o Polo Norte e aprisiona o ar frio em altas altitudes, chamado vórtice polar, vem perdendo a força e deixando escapar parte do frio para regiões de clima temperado.

Transtornos causados pela nevasca no Líbano
Governador republicano mente e coloca a culpa na energia renovável
O Texas é o maior produtor de petróleo e gás natural dos Estados Unidos. Estado sempre dominado pelo partido republicano, de direita, atualmente tem como governador Greg Abbott, que diante da crise provocada pela nevasca, afirmou que o problema era causado pela ineficiência das energias renováveis. Mentira deslavada!
Cerca de 65% da demanda energética do estado é atendida por usinas de carvão e gás e as turbinas eólicas são responsáveis por apenas 23% da geração de eletricidade.
O que acontece é que com o frio a tubulação de gás e o próprio gás congelaram e o sistema ficou interrompido. Além disso, por ter sempre se considerado auto-suficiente energeticamente, o Texas não está ligado a nenhum grid (rede) nacional e por esta razão, não consegue receber eletricidade de outros estados.
A Agência Federal de Gerenciamento de Emergências anunciou o envio de cobertores, estoques de água engarrafada e refeições, além de 60 geradores para ajudar o Texas e inclusive, manter hospitais funcionando. Vale lembrar que ainda estamos no meio da pandemia da COVID-19 e há muitas pessoas hospitalizadas.
Por causa do frio, 4.700 tartarugas marinhas precisaram ser resgatadas nas praias da ilha de South Padre, na costa sul do estado. Elas foram levadas para um centro de convenções onde serão mantidas até que a temperatura da água do mar aumente.
Segundo o sistema meteorológico americano, só a partir do sábado é que o tempo deve melhorar na região. Até lá, mais neve e frio ainda são esperados.

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Fotos: Niccolò Ubalducci/Creative Commons/Flickr, CivildefenseLB/Fotos Públicas (Líbano), Oregon Department of Transportation/Fotos Públicas e ilustrações NOAA