
Há 20 anos a gestora de enfermagem de UTI, Jane Alves, trabalha na área hospitalar. Assim como outros profissionais de saúde brasileiros e de outros países, de repente, ela se viu diante da maior pandemia da história recente da humanidade. Durante o pico de casos da COVID-19, seu turno no Hospital São Paulo, na zona sul da capital paulista, passou de oito para 12 horas. A equipe de enfermagem teve novas contratações e foram abertas três UTI’s adicionais. Enquanto no passado os pacientes gravíssimos representavam 30% a 50% dos leitos, no período mais complicado do enfrentamento da doença no Brasil, esse número saltou para 80%.
Esta não é a primeira vez que Jane, de 43 anos, enfrenta uma pandemia. Em 2009, quando outro tipo de coronavírus se propagou pelo mundo, o H1N1, os primeiros casos em nosso país aconteceram também em São Paulo, exatamente como o que ocorreu com o SARS-CoV-2, responsável pela transmissão da COVID-19.
“Usamos muito dos conhecimentos e experiências da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adquiridos durante a crise do H1N1 para combater o novo coronavírus”, diz a enfermeira.
Alguns profissionais do hospital acabaram sendo contaminados, inclusive dois da equipe de enfermagem, que desenvolveram complicações mais graves. Todavia, a equipe da UTI foi a com menor índice de contaminação.
Parte deste resultado se deve à boa gestão na linha de frente de combate ao coronavírus e o foco na segurança no trabalhador. Ela acredita que a proteção veio por meio do compartilhamento de conhecimentos dos diversos treinamentos e a realização de discussões de novidades com todos os membros, e principalmente, à obediência rígida das recomendações dos especialistas sanitários e também, pelo uso diário dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s).
Apesar de toda a segurança garantida dentro do ambiente hospitalar, foi fora dele que a paulistana enfrentou o maior medo diante da COVID-19.
Ela mora na mesma casa com a filha Giovanna, de 23 anos, os pais de 71 e 72 anos e a avó, de 94 anos, ou seja, a grande maioria deles considerada no chamado grupo de risco, por causa da idade mais avançada.
“Eu ficava mais insegura fora do hospital, pois lá dentro eu percebi toda essa preocupação com o profissional da saúde. Mas se levasse o vírus para casa, poderia contaminar quatro pessoas que amo”, admite.
Felizmente, graças a todos os cuidados tomados, a família de Jane ficou bem.
Com a queda do número de casos de pessoas contaminadas e mortes no país, já houve redução de leitos para COVID-19 no hospital em que trabalha.
Nas últimas semanas, Jane já conseguiu voltar a sair no horário normal do trabalho. Recentemente, houve uma comemoração para celebrar a alta do 200o paciente da UTI. “A gente aprendeu muita coisa. Saímos com muito mais disposição e coragem para encarar qualquer desafio”, ressalta.

Jane, junto com os colegas no hospital
Voluntária no teste da vacina para a COVID-19
Quando surgiu a oportunidade de ser voluntária para os testes da vacina contra o coronavírus no Brasil, a principal preocupação da enfermeira era contrair o vírus e passar para a família. “Pesquisei bastante e tirei dúvidas com a chefe de imunologia do hospital e decidi fazer parte dos testes”, conta.
Jane é um dos milhares de profisisonais de saúde, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro, participando de testes de vacinas para a COVID-19. A que ela tomou é a produzida pela parceria entre a Universidade de Oxford, na Inglaterra, e a companhia farmacêutica AstraZeneca, e que já se encontra na terceira fase de testes, com a participação de 30 mil pessoas.
Para poder fazer parte do estudo, os voluntários precisam ter entre 18 e 55 anos (mais recentemente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária estendeu a idade máxima para 69 anos) e não ter testado positivo para o novo coronavírus.
“Senti alguns sintomas por dois dias, como uma leve indisposição, e depois passou”, afirma a gestora, após a primeira aplicação.
Há algumas semanas, ela e outros voluntários receberam a segunda dose da vacina, novamente sem reações adversas.
As dificuldades da mãe solteira e profissional
A família de Jane sempre a incentivou a estudar. Ela ainda estava no cursinho quando ficou grávida. Fez a segunda fase de testes da Fuvest quatro dias depois do nascimento de Giovanna, em dezembro de 1996.
Quando fez a matrícula para o curso de Enfermagem, a filha estava com dois meses. “Eu a deixava na creche e voltava para amamentá-la quatro vezes por dia durante o intervalo das aulas no primeiro ano”, revela.
Contou com a ajuda dos pais e da avó para conseguir se formar, fazer residência e trabalhar. “Não foi fácil ficar longe dela e perder esse tempo de crescimento, mas quando estávamos juntas, eu ficava plena com ela”.
Hoje Jane trabalha 40 horas semanais. Completou em 2018 um MBA em Economia, Gestão e Saúde para exercer melhor sua função.
“A minha equipe é como uma segunda família, com a qual tenho uma relação muito próxima. Acordo muito cedo, pois moro meio distante do trabalho, mas venho para cá com o coração tranquilo, é um prazer vim trabalhar”, finaliza.
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Fotos: arquivo pessoal