
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região, TRF-6 da subseção em Ponte Nova, região da Zona da Mata, em Minas Gerais, surpreendeu com a absolvição da Samarco pelo maior crime ambiental do país: o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de2015, mantida pela
Samarco, joint-venture entre as mineradoras Vale e BHP Billiton (anglo-australiana).
O desastre derramou aproximadamente 40 milhões de m3 de rejeitos de mineração, que rapidamente destruíram comunidades, mataram 19 pessoas, contaminaram o Rio Doce e afluentes e chegaram ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. Em fevereiro de 2019, estudo revelou que a lama tóxica da Samarco havia contaminado os corais do arquipélago deAbrolhos.

A decisão foi publicada às 2h27 da manhã de hoje (14) e, de acordo com o TRF-6, se justifica pela “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal“, seja direta ou individual de cada réu envolvido no caso.
Assim, inocentou a Samarco – e seu presidente na época, Ricardo Vescovi -, a Vale, a BHP Billiton e a
VogBR – Recursos Hídricos e Geotecnia, além de diretores, gerentes e técnicos.
O Ministér1o Público Federal (MPF) declarou que vai recorrer da decisão.

Em nota publicada em seu site, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) repudia a decisão judicial e, também, diz que vai recorrer. “Questionamos o verdadeiro propósito dessas recentes e intensas condutas da Justiça brasileira – após um longo hiato de decisões sobre o caso – frente à tramitação do processo na Corte Britânica”.
Para o MAB, a decisão proferida pela juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho é equivocada. “Diante de inúmeros indícios da ciência de que as empresas criminosas tinham sobre o risco de rompimento da estrutura e a negligência com que trataram o caso – utilizando-se inclusive de laudo ambiental falso – é um disparate o entendimento de que não há nexo causal entre o crime e os indiciados”.

E acrescenta: “A decisão da magistrada acontece em um momento extremamente favorável para as mineradoras criminosas, que se apressaram em assinar acordo de repactuação” [validado pelo Supremo Tribunal Federal] “às vésperas de completar nove anos do crime socioambiental e do início do julgamento em Londres, que também decidirá sobre a responsabilidade da empresa BHP Billiton sobre o rompimento da barragem”.
Todos os acusados, absolvidos!
Em outubro de 2016, o MPF denunciou 22 pessoas e quatro empresas: Samarco, Vale, BHP e VogBR – Recursos Hídricos e Geotecnia. O processo estava sendo julgado na esfera criminal, mas todos respondiam, também, por danos causados ao meio ambiente.

Foto: Mônica Nunes (feita na exposição no Instituto Tomie Ohtake)
Dos acusados, 21 pessoas foram denunciadas pelos seguintes crimes:
desabamento, inundação, homicídio qualificado, lesões corporais graves e crimes ambientais, e uma delas, por laudo ambiental falso. E todos foram absolvidos!
Em 2019, novo episódio: os crimes de homicídio foram retirados do processo porque, no entendimento da Justiça Federal, as mortes foram causadas pela inundação. Mais: a maioria dos crimes ambientais prescreveram.
Agora, de acordo com a sentença do TJF, mesmo com a evidência de todos os danos causados pelo rompimento da barragem não é possível atribuir condutas específicas e determinantes aos acusados, que se traduzam em crime.
Previsão do desastre: prova
Em 2010 – ou seja, cinco anos antes do rompimento da barragem -, uma das controladoras da Samarco, a BHP, já estimava o valor do desastre (US$ 200 mil/por vítima) e a quantidade de vítimas fatais (cerca de 100).

A empresa também já havia calculado o gasto total com pagamento de multas, compensações, processos judiciais e reparações (US$ 1,25 bilhão) e ainda previa que, em caso de rompimento da barragem, “parte da população do distrito de Bento Rodrigues seria exposta a uma enxurrada de água e sólidos”.
Mas, mesmo diante dessa previsão macabra, nenhuma simulação de evacuação foi realizada no local.
Em 6 de novembro, esses dados foram apresentados (na planilha datada de 2010) peloescritório de advocacia Pogust Goodhead – que representa parentes dos mortos e outros atingidos, como o povo indígena Krenak -, durante julgamento da BHP na Justiça inglesa, que começou em 21 de outubro e tem duração prevista de 12 semanas, terminando no início de 2025.
A apresentação do Pogust Goodhead aconteceu durante interrogatório de ex-diretor de governança e risco da BHP para minério de ferro, que, segundo o G1, teria dito que “todos estavam bem cientes” de que Bento Rodrigues seria a região mais afetada pelos rejeitos liberados pelo rompimento.

Foto: Matthew Pover / divulgação
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