O indigenista Bruno Araújo Pereira está licenciado da Funai e atua na organização indígena Unijava – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. O jornalista Dom Phillips é colaborador do jornal britânico The Guardian e mora em Salvador. Os dois fazem expedições juntos desde 2018.
Ontem, domingo (5/6), em mais uma viagem pela Amazônia, eles partiram do Lago do Jaburu – próximo da Base de Vigilância da Funai, no rio Ituí, onde o jornalista entrevistou indígenas e ribeirinhos – para retornar à Atalaia do Norte, no extremo oeste do estado do Amazonas, onde eram aguardados.
Por volta das 6h, pararam na comunidade Ribeirinha São Rafael, onde encontrariam o líder comunitário conhecido como Churrasco, mas, como ele não estava, então, logo retomaram a viagem à Atalaia do Norte, que duraria aproximadamente duas horas.
Deveriam ter chegado ao destino por volta de 8h e 9h, mas não apareceram. O alerta foi dado hoje pelas organizações Unijava* e OPI**, em nota, em vista da falta de comunicação e das ameaças constantes que o indigenista vinha sofrendo.
“… conforme relatos dos colaboradores da Unijava, a equipe recebeu ameaças em campo. A ameaça não foi a primeira, outras já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Unijava, além de outros relatos já oficializados para a Policia Federal, ao Ministério Público Federal em Tabatinga, ao Conselho nacional de Direitos Humanos e à organização Indigenous Peoples Rights International”. Ou seja, muita gente estava avisada do risco que Bruno corria.
A nota ainda enfatiza que Bruno é uma pessoa experiente e profundo conhecedor da região. E que os dois viajavam em uma embarcação nova, com potência de 40 cavalos e 70 litros de gasolina, ou seja, o suficiente para completar a viagem.
Duas equipes de busca formadas por indígenas fizeram o trajeto que os dois amigos teriam percorrido – “inclusive os ‘furos’ do rio Itaquaí” -, em horários distintos (às 14h e às 16h), mas nenhum sinal deles foi encontrado.
Moradores da comunidade São Gabriel – localizada depois da comunidade São Rafael – disseram ter avistado o barco de Bruno e Dom passando pelo rio em direção à Atalaia.
Bruno e Dom: amor pela Amazônia e ameaças
Bruno Pereira é funcionário de carreira da Funai, mas está licenciado. Foi coordenador-geral do órgão em Atalaia do Norte, mas, em 2016, deixou o cargo devido a um intenso conflito entre povos isolados da região. Dois anos depois, tornou-se coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai.
No início de 2019, chefiou a maior expedição para contato com indígenas isolados dos últimos 20 anos (contamos aqui). No entanto, em outubro , foi exonerado devido à pressão de ruralistas ligados ao governo, certamente a mando de Marcelo Xavier, presidente da Funai, ex-delegado da Polícia Federal, que serve a Luiz Antonio Nabhan Garcia, ligado a milícias rurais.
Indigenista comprometido com a defesa dos povos indígenas, Bruno havia denunciado o desmonte na Funai. Seu afastamento se deu pouco tempo antes de Bolsonaro apresentar projeto para liberar garimpo em terras indígenas.
“Servidores estão sendo silenciados, servidores de carreira são retirados de cargos estratégicos. A Funai está sendo tomada por interesses que não são dos indígenas”, declarou ao site Brasil de Fato, na ocasião.
Antes de se licenciar e voltar à Amazônia, de acordo com a Unijava, ele atuava na sede da Funai, em Brasília, em cargo burocrático. Preferiu se dedicar à causa indígena do que mofar num escritório, mas era ameaçado constantemente por madeireiros, garimpeiros e pescadores.
Dom Phillips mora em Salvador e produz reportagens sobre o Brasil – em especial sobre a Amazônia – há mais de 15 anos para o The Guardian e também para Washington Post, New York Times e Financial Times.
Sua parceria com Bruno vem de 2018 – como contei no início deste texto -, ano em que Dom publicou uma super reportagem sobre os indígenas isolados para o The Guardian: Tribos perdidas: a missão de 1000 km de floresta para proteger uma aldeia amazônica.
No momento, com o apoio da Fundação Alicia Patterson, está trabalhando em um livro sobre meio ambiente e Amazônia.
MPF aciona PF, Força Nacional, Marinha…
Enquanto as notas de repúdio se espalhavam hoje pelas redes sociais, as autoridades divulgavam comunicados para dar conta do que estavam fazendo para encontrar Bruno e Dom.
O Ministério Público Federal disse que, assim que foi informado do desaparecimento do indigenista e do jornalista inglês, instaurou procedimento administrativo e acionou a Polícia Federal, a Polícia Civil, a Força Nacional, a Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari e a Marinha do Brasil.
“O MPF seguirá intermediando as ações de buscas e mobilizando as forças para assegurar a atuação integrada e articulada das autoridades, visando solucionar o caso o mais rápido possível”.
Em nota, a Polícia Federal informou que o caso “está sendo apurado” e que, “assim que forem levantadas as informações e, quando disponíveis, encaminharemos para conhecimento de todos”.
Já a Funai – Fundação Nacional do Índio informou que está “em contato com as forças de segurança que atuam na região”, acompanhando o caso, mas que Bruno não estava ativo no órgão: “… cumpre esclarecer que, embora o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira integre o quadro de servidores da Funai, ele não estava na região em missão institucional, dado que se encontra de licença para tratar de interesses particulares”.
De acordo com informações do jornal O Globo, o governo federal montou “uma força-tarefa no município de Tabatinga, no Amazonas, para se concentrar nas buscas do indigenista e do jornalista. A equipe é integrada por agentes da Polícia Federal, oficiais da Marinha e do Exército, por bombeiros, servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), Defesa Civil e Força Nacional de Segurança”.
O jornal ainda contou que “três servidores da Funai e dois agentes da Força Nacional de Segurança fizeram operação para procurar os desaparecidos a partir da base de vigilância da Funai, no rio Ituí”, de onde partiram Bruno e Dom ontem cedinho.
“Na floresta, cada segundo pode ser a diferença entre a vida e a morte”
Em entrevista ao jornalista Tom Phillips, do The Guardian (ele é correspondente na América Latina e mora no Rio de Janeiro), a esposa de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, contou que fez um apelo desesperado ao governo:
“Autoridades brasileiras, nossas famílias estão desesperadas. Por favor, responda à urgência do momento com ações urgentes. Enquanto faço este apelo, eles estão desaparecidos há mais de 30 horas… [e] na floresta cada segundo conta, cada segundo pode ser a diferença entre a vida e a morte”.
E ela ainda disse, esperançada: “Tudo o que posso fazer é rezar para que Dom e Bruno estejam bem, em algum lugar, e impossibilitados de continuar sua jornada por causa de algum problema mecânico, e que tudo isso acabe sendo apenas mais uma história nesta vida cheia deles”.
Segundo Tom, a irmã do jornalista, Sian Phillips, contou, em vídeo, que a família sabia “que (a Amazônia) era um lugar perigoso, mas Dom realmente acreditava que é possível proteger a natureza e o sustento dos povos indígenas”.
Ela também fez um apelo às autoridades, destacando a urgência da floresta, como fez Alessandra:
“Estamos muito preocupados com ele e pedimos às autoridades no Brasil que façam todo o possível para revistar as rotas que ele estava seguindo. Se alguém puder ajudar a aumentar os recursos para a pesquisa, seria ótimo, porque o tempo é crucial (…). Nós amamos nosso irmão e queremos que ele e seu guia brasileiro sejam encontrados… cada minuto conta”.
“Espero que Dom apareça logo e se ria de tanto alarido!”
No Facebook, Jonathan Watts, editor do The Guardian, divulgou o desaparecimento do amigo e colaborador e cobrou investigação das autoridades:
“Dom Phillips, um excelente jornalista, colaborador regular de The Guardian, e grande amigo, está desaparecido no Vale do Javari, no Amazonas, após ameaças de morte a seu companheiro indigenista, Bruno Pereira, que também está desaparecido. Apelamos às autoridades brasileiras para que façam urgentemente uma operação de busca”.
Em post que o documentarista Marcos Colón publicou, no Facebook, divulgando o seu texto, Watts comentou, tentando manter o otimismo: “Obrigado por compartilhar! Estou muito preocupado, mas espero que o Dom apareça logo e se ria de tanto alarido”.
No Twitter, o editor revelou também que “o Guardian está muito preocupado e procurando urgentemente informações sobre o paradeiro de Phillips. Estamos em contato com a embaixada britânica no Brasil e autoridades locais e nacionais para tentar apurar os fatos o mais rápido possível”.
Esta é a notícia que o jornal publicou hoje sobre o caso: Temores pela segurança de jornalista britânico desaparecido na Amazônia brasileira.
Watts também compartilhou post de Paul Sherwood, cunhado de Dom, e comentou sobre seu desespero: “A família de Dom, no Reino Unido, implora ao Brasil para que envie a Guarda Nacional e a Polícia Federal para participar das buscas no Vale do Javari, na Amazônia”.
No final de seu tweet, Sherwood falou do amor do jornalista pelo Brasil e pela floresta: “Ele ama o Brasil e dedicou sua carreira à cobertura da floresta amazônica. Entendemos que o tempo é essencial, então, por favor, encontre nosso Dom o mais rápido possível”.
Lula se preocupa, Bolsonaro se cala
O jornalista Tom Phillips, do The Guardian, também usou o Twitter para comentar sobre o desaparecimento do amigo e compartilhou o tweet em que Lula demonstra sua preocupação com Dom e Bruno, contando que conhecia o jornalista desde 2017.
Watts retuitou o post de Tom e escreveu: “O ex-presidente Lula manifesta preocupação com o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira. O atual presidente, Jair Bolsonaro, silencia”.
O indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips estão desaparecidos na Amazônia. Estavam na região reportando invasões de terras indígenas. Phillips me entrevistou para o @guardian em 2017. Espero que sejam encontrados logo, que estejam bem e em segurança. pic.twitter.com/nuyJfmyOqr
— Lula (@LulaOficial) June 6, 2022
Fotos: Reprodução Facebook