
A gruta que você vê na foto acima não existe mais. Ela foi destruída pela empresa Patrimônio Mineração na madrugada de sábado (22) à revelia da paralisação temporária determinada pela Polícia Militar no dia anterior, com base em denúncia da arqueóloga Alenice Baeta e moradores da comunidade da Serra do Botafogo, na cidade histórica de Ouro Preto (MG).
A denúncia foi feita a partir de imagens feitas com drone, que identificaram as atividades de uma retroescavadeira da empresa muito próximo da cavidade natural.
No mesmo dia, com o apoio da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), doInstituto Guaicuy, da Associação de Proteção Ambiental de Ouro Preto e de outras entidades ambientalistas, a comunidade organizou protesto na BR-356. E mais tarde foram divulgadas novas imagens aéreas confirmando a destruição completa da gruta.
No entanto, mesmo com a ordem de paralisação, os funcionários da mineradora voltaram ao local na madrugada de sábado (22), retomando a atividade “de maneira deliberada” e sem autorização, o que levou ao soterramento da gruta. Um dano ambiental irreversível!

a mancha mais escura que aparece no centro da foto, mais ã direita
Foto: Sociedade Brasileira de Espeleologia / divulgação

no dia seguinte, o soterramento da gruta
Montagem com imagens aéreas registradas com drone por moradores e pela SBE
Omissão
Mas foi somente após a denúncia da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), por meio de nota publicada na terça-feira (25), que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) embargou as atividades da empresa no local, mesmo assim, parcialmente.
Em nota, o órgão declarou que, “em conformidade com o Decreto 47.383/2018, foi determinado o embargo das atividades no raio de 250 metros da cavidade, a fim de preservar o meio ambiente e garantir a segurança ambiental da região”.
De acordo com a SBE, a cavidade natural está registrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas a informação foi omitida pela mineradora no relatório espeleológico anexado ao processo de licenciamento ambiental.
“A destruição da gruta gerou ampla repercussão entre especialistas em espeleologia e ambientalistas, que questionam a ausência da cavidade no Relatório Espeleológico e a legalidade do licenciamento
ambiental concedido à empresa”, ressalta a SBE na nota.
E acrescenta: “Não houve estudos espeleológicos na caverna e não foi dada qualquer autorização para sua supressão“. Ou seja, a descrição do terreno na documentação, que embasou o licenciamento, diverge da realidade.
Ao G1, Elizandra Goldoni Gomig, presidente da SBE, declarou que “o soterramento da gruta em Ouro Preto representa uma afronta à legislação ambiental brasileira. A Sociedade Brasileira de Espeleologia entende que a omissão de informações, aliada à falta de fiscalização adequada, não pode ser tolerada”.
Em ofício enviado aos órgãos ambientais , a SBE solicitou providências das autoridades como:
– abertura de investigação criminal e administrativa contra a empresa Patrimônio Mineração e o grupo ao qual pertence, a L.C. Participações e Consultoria;
– suspensão das atividades da mineradora na área da gruta até a conclusão da perícia técnica;
– aplicação de sanções previstas na legislação ambiental, incluindo medidas reparatórias e compensatórias pelos danos causados;
– a revisão do processo de licenciamento ambiental, com reavaliação dos estudos espeleológicos e arqueológicos anexados; e
– a garantia de proteção e preservação de outras cavidades e patrimônios naturaisexistentes na região.
Na verdade, o pedido da SBE indica o que diz a legislação e que deveria ter sido respeitado pelos órgãos ambientais do governo.
Denúncias
De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais, a denúncia sobre o crime cometido pela Patrimônio Mineradora – enviada pela SBE por meio de ofício a órgãos federais e estaduais – está sendo analisada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Ouro Preto, que declarou ter se reunido com representantes da empresa para esclarecimentos.
O MP ainda revelou que a Promotoria de Justiça acompanha a situação envolvendo a mineradora na Serra de Botafogo desde fevereiro, tendo se reunido com os moradores nesse mês e cobrado esclarecimentos da empresa.
“Ao verificar as atividades iniciais da Patrimônio Mineração às margens da BR-356, a Promotoria de Justiça de Ouro Preto, imediatamente, requisitou e está analisando cópia da Licença Ambiental obtida pelo empreendimento, para verificar a veracidade das informações passadas à Feam, órgão responsável pela liberação da licença, ou se houve eventual omissão, por parte da empresa, na apresentação dos estudos técnicos”, afirma o MP.
Em resposta à denúncia da SBE, a Semad diz que a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) compareceu ao local e também identificou que a cavidade não foi prevista nos estudos autorizados e que, após o licenciamento, a empresa não comunicou o fato ao órgão ambiental – o que é previsto por lei.
Devido ao “impacto irreversível” da destruição da gruta, a Patrimônio foi multada, mas o valor não foi revelado. “Ressaltamos que todas as medidas adotadas respeitam o direito à ampla defesa e ao contraditório, assegurando ao empreendedor a possibilidade de se manifestar e apresentar sua defesa de acordo com a legislação vigente”, declara a fundação em nota.
“A Feam permanece atenta à fiscalização e ao cumprimento das normas ambientais, garantindo a preservação do meio ambiente e o cumprimento das obrigações por parte dos empreendedores”, completa.
A destruição da gruta responde bem a essas declarações.

Foto: reprodução de imagem aérea feita com drone
Falta de água é ameaça real
O engenheiro civil e ativista ambiental Du Evangelista, membro da Associação de Proteção Ambiental de Ouro Preto (APAOP), contou ao site O Tempo que o município de Ouro Preto é muito importante para a região por seu potencial hídrico porque está localizado na cabeceira de duas grandes bacias mineiras: dos rios Doce e das Velhas.
“O local onde está a Serra de Botafogo é considerado o topo da cadeia de montanhas, onde a água infiltra e vai abastecer os lençóis freáticos. A região que está sendo afetada pelas mineradoras é uma zona de recarga de aquífero muito importante”, explica.
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Com informações da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), do G1 (aqui e aqui) e de O Tempo.
Foto (destaque): SBE / divulgação (a entrada da gruta na Serra do Botafogo, em Ouro Preto, MG