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Garimpo ilegal ameaça segunda maior árvore da Amazônia

Garimpo ilegal ameaça segunda maior árvore da Amazônia

Por Fernanda Wenzel*

Desde 2019, pesquisadores têm utilizado laser e realizado incursões na Amazônia brasileira para identificar árvores gigantes, que se elevam muito acima do dossel da floresta. Além de serem um patrimônio natural e científico, essas árvores desempenham um papel importante como reguladoras do clima, abrigam diversas outras plantas e animais e podem revelar segredos sobre o passado da floresta tropical.

A maior árvore conhecida na Amazônia até o momento é um angelim-vermelho (Dinizia excelsa) de 88,5 metros de altura, com idade estimada entre 400 e 600 anos – capaz de absorver tanto dióxido de carbono quanto 1 hectare da floresta ao seu redor, segundo os cientistas. Ela está localizada no estado do Pará, onde o governo designou uma unidade de conservação para proteger esse santuário de gigantes.

No vizinho Amapá, no entanto, a espécie tem sofrido ameaças crescentes. O estado abriga seis árvores gigantes, incluindo a segunda maior da Amazônia, um angelim-vermelho de 85 metros localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, gerida pelo governo estadual. O status de proteção da área, contudo, não impediu que garimpeiros ilegais operassem a 1 quilômetro desse tesouro amazônico.

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O Ministério Público do Amapá (MP-AP) fez o alerta no final de março. Em outubro de 2024, o órgão já havia recomendado ao governo estadual a proteção das árvores gigantes e a criação de áreas de preservação permanente em um raio de 1 quilômetro ao redor de cada espécime.

“A resposta do governo ainda é vaga”, disse Marcelo Moreira, o promotor que escreveu a recomendação, à Mongabay. A reportagem procurou a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá para comentar o assunto, mas não obteve resposta.

Garimpo ilegal ameaça segunda maior árvore da Amazônia
Mapa: Andrés Alegría/Mongabay

A exploração ilegal de ouro no Amapá não é tão intensa quanto em outros estados da Amazônia, como o Pará. Nos últimos anos, no entanto, a chegada de garimpeiros ilegais de outras partes do Brasil tem preocupado as autoridades locais. “A expansão dos garimpos nessa velocidade é uma novidade”, disse Moreira.

Segundo a Polícia Federal e o Ibama, alguns dos garimpeiros ilegais expulsos da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, fugiram para o Amapá para retomar as atividades. As operações de retirada dos garimpeiros do território começaram em 2023, desencadeadas pela crise de saúde pública que a mineração ilegal provocou entre os Yanomami. Segundo o governo federal, mais de 20 mil garimpeiros deixaram a área desde então.

“As operações no [território] Yanomami tiveram um efeito espanta-barata”, disse à Mongabay Luiz Jardim de Moraes Wanderley, professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Você não mata a barata; você espanta, e ela vai para outro lugar. A política pública que funcionaria seria criar outras economias que possam competir com o garimpo”.

O Amapá também é destino de garimpeiros vindos do Pará, onde o governo federal tem realizado operações na bacia do Rio Tapajós. Essa região abriga o município de Itaituba, conhecido como a capital do ouro ilegal na Amazônia, e a Terra Indígena Munduruku, onde forças federais combatem garimpeiros ilegais desde novembro de 2024 .

Garimpo ilegal ameaça segunda maior árvore da Amazônia
Forças federais têm expulsado garimpeiros ilegais de áreas protegidas como a
Terra Indígena Munduruku, no Pará
Foto cedida pela Polícia Federal

“[Os garimpeiros] perceberam que no Amapá a fiscalização ainda não estava batendo tão pesado e correram para cá”, disse ao Mongabay um empresário do ramo do ouro atualmente radicado no estado. “Um veio para cá e achou bom. Convidou outro, que também convidou outro. E assim vai indo. Todo dia chegam retroescavadeiras aqui. O negócio aqui é grande. Vai ser o próximo Tapajós”, disse o homem, que pediu para permanecer anônimo por medo de represálias de garimpeiros ilegais.

A chegada dos forasteiros também mudou a dinâmica da mineração no Amapá, uma área com histórico de garimpo artesanal. Os garimpeiros que chegam ao estado agora têm mais dinheiro e trazem máquinas mais pesadas, resultando em maior impacto ambiental. “Cada uma dessas máquinas degrada pelo menos 100 metros por dia. Eles também usam muito mais mercúrio”, disse o promotor Moreira.

Em fevereiro, a barragem de uma dessas minas desabou sob a forte chuva, na região dos rios Cupixi e Araguari — a mesma onde está localizada a segunda maior árvore da Amazônia. Os rejeitos do garimpo contaminaram a água e afetaram as comunidades.

“São locais de mineração que existem há muitos anos, mas não movimentavam a quantidade de terra que movimentam hoje”, disse à Mongabay o empresário do ouro. “Então não duvido que aconteça de novo”.

Aumento do preço do ouro leva garimpo floresta adentro

A alta do preço do ouro, impulsionada pela instabilidade internacional e pela guerra comercial do presidente dos EUA Donald Trump, também desempenha um papel fundamental no avanço dos garimpos para novas áreas da Amazônia. No Amapá, áreas de mineração tradicionais cresceram repentinamente. É o caso da região do Lourenço, onde se encontram algumas das minas mais antigas do Brasil.

A atividade é permitida no Lourenço, mas se expandiu ilegalmente para dentro do Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, a maior unidade de conservação de proteção integral do Brasil. Segundo o Instituto Iepé, que defende os direitos indígenas, o desmatamento ligado à abertura de novos garimpos aumentou 304% no parque entre 2022 e 2023, totalizando 107 hectares.

“Há regiões onde você teria que produzir 300, 400 gramas de ouro em uma frente de lavra para poder trabalhar, pagar as despesas e ter alguma sobra. Agora com 100 gramas você já consegue fazer isso”, disse o empresário do ouro. “Há um incentivo enorme.”

A alta do preço do metal também permite que os garimpeiros corram mais riscos e explorem novas áreas floresta adentro, onde a logística é muito mais cara. É o caso da mina localizada perto do angelim gigante do Amapá, acessível apenas por helicóptero ou uma viagem de três dias de barco. “Mesmo assim, eles levam toda uma estrutura para lá”, disse Moreira. “É incrível: eles desmontam o trator de esteira, levam pelo rio e a remontam no garimpo”.

O avanço da mineração ilegal de ouro sobre áreas intocadas também ameaça grupos tradicionais que vivem longe das autoridades públicas. Habitantes da Terra Indígena Rio Paru d’Este, no Pará, foram surpreendidos no ano passado pela chegada de garimpeiros ilegais.

Garimpo ilegal ameaça segunda maior árvore da Amazônia
Mapa: Andrés Alegría/Mongabay

Segundo Aventino Nakai Kaxuyana Tiriyó, presidente da Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana, a mina está localizada perto de uma das aldeias. Os moradores frequentemente veem aviões sobrevoando a região e escutam barulhos de tiros. “Eles sabem que, apesar de ser um território isolado, está havendo um avanço do garimpo”, ele disse à Mongabay.

Localizado no norte do Pará, o território Rio Paru d’Este faz parte de um enorme bloco de áreas protegidas que se estende até o Amapá e abriga as árvores gigantes do Brasil. Grande parte dessa proteção se deve à falta de rodovias nesta área. Os garimpeiros, no entanto, conseguiram construir uma pista de pouso na terra indígena e então começaram a garimpar, como mostram imagens de satélite analisadas pela Mongabay.

“Os altos preços [do ouro] significam que o excedente ganho com a mineração é investido em novas áreas, máquinas, aviões e helicópteros”, disse Wanderley, da UFF. Segundo Aventino, o garimpo ilegal também está aumentando no país vizinho do Suriname. “Nosso medo agora é que piore cada vez mais e comece a contaminar nossos rios e a ter invasões”.

Segundo o líder indígena, as autoridades brasileiras foram alertadas sobre o garimpo ilegal, mas até agora nada foi feito. Em um e-mail à Mongabay, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) informou que a Polícia Federal e o Ibama foram acionados para apoiar as ações de proteção territorial na terra indígena Rio Paru d’Este. A Polícia Federal confirmou que há uma investigação em andamento, mas que está sob sigilo. O Ibama não respondeu aos e-mails da Mongabay.

*Texto publicado originalmente no site da Mongabay Brasil em 05/05/25

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Foto de abertura: Havita Rigamonti/Imazon-Ideflor

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