Ontem, 27/5, Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, Marina Silva e Rubens Ricupero – todos ex-ministros do meio ambiente – enviaram carta para Temer, repudiando a indicação de Cairo Tavares – assessor legislativo do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) na Câmara dos Deputados – para a vaga de presidente do ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (leia sobre essa indicação).
Os cinco pedem que ele reconsidere a nomeação, que acreditam ser fruto de barganha política, principalmente devido à total inexperiência do indicado na área ambiental.
Eles frisam que seu interesse está apenas relacionado à proteção ambiental, não havendo qualquer intenção política neste ato. A pluralidade partidária e ideológica que os caracteriza é destacada no texto. “Esta carta é assinada por pessoas de linhas partidárias e posições políticas e ideológicas distintas. O que nos une é o entendimento de que proteção ambiental é uma política de Estado indissociável das outras dimensões econômicas, sociais e culturais que compõem nossa identidade e nosso potencial de crescimento sustentável. O patrimônio natural do Brasil é maior do que qualquer partido ou governo”. E ressaltam, ainda, que, nos doze anos de atividade do órgão, jamais tal cargo foi ocupado “por pessoas estranhas à agenda da conservação. Seria trágico se isso acontecesse agora”.
Os cinco ministros destacam o momento pelo qual passa a conservação ambiental no Brasil, com a pressão de políticos empresários e seus interesses privados que têm proposto e votado leis que só fragilizam nosso meio ambiente. “Este é um momento, em que as áreas protegidas se encontram sob forte pressão de interesses privados. Tais interesses são em tudo desconectados dos da sociedade brasileira e do setor produtivo responsável. Eles se apresentam na forma de projetos de lei no Congresso Nacional e em Assembleias Legislativas estaduais que visam enfraquecer o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, além de invasões patrocinadas pelo crime organizado”. E continuam: “Em ano de eleição, tais pressões se multiplicam. E a primeira barreira contra elas é um ICMBio íntegro e atuante”.
Eles ainda destacam a péssima que imagem do país no exterior a partir da falta de protagonismo do governo nas questões ambientais. Ao mesmo tempo, lembraram as ações acertadas do governo de Temer “como a criação das áreas marinhas protegidas de São Pedro e de Trindade e Martim Vaz, que fez o Brasil cumprir e ultrapassar uma das Metas de Aichi – a proteção de 10% de sua área marinha e costeira”.
Parques Nacionais fecham os portões
A carta dos ex-ministros foi enviada a Temer neste domingo, mesmo dia em que os servidores do ICMBio mantiveram parques nacionais fechados. Todos foram trabalhar normalmente, mas não abriram os portões para o público, por uma razão simples: querem que a sociedade tome conhecimento do que está acontecendo e apoie o movimento.
Essa decisão foi tomada na sexta-feira, 26/5, após reunião com Romeu Mendes do Carmo, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, que disse que a indicação “foi uma imposição de cima”. O site O Eco informou, também, que, “segundo relatos de servidores que estavam na reunião, o Ministério do Meio Ambiente queria indicar o engenheiro florestal Paulo Carneiro, atual diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio”.
Caso o governo mantenha a decisão ou não se manifeste, os servidores consideram a possibilidade de manter a paralisação durante o feriado de Corpus Christi (30/5), quando os parques teriam seu movimento aumentado.
(A foto de destaque deste post não é de ontem, mas da mobilização dos servidores do Parque Estadual de Fernando de Noronha, realizada na sexta-feira, 25/6).
O ICMBio controla 9% do território nacional e 24% do marinho, onde estão localizadas cerca de 330 Unidades de Conservação. São mais de 1,6 mil servidores concursados e centenas de comissionados. Ou seja, não é qualquer um que pode assumir a presidência do órgão. Tem que entender não só de gestão, mas de conservação e proteção ambientais. Não é à toa que servidores e ambientalistas estão mobilizados para evitar a nomeação de Tavares. Nós, do Conexão Planeta, apoiamos sua decisão.
Agora, leia a carta na íntegra:
Brasília, 27 de maio de 2018
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil Michel Miguel Elias Temer Lulia
cc. Sr. Carlos Marun, ministro-chefe da Secretaria de Governo
Ref.: Carta de ex-ministros do Meio Ambiente sobre a sucessão no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Exmo. Sr. Presidente da República,
Vimos manifestar nossa extrema preocupação com a indicação de nomes alheios à gestão socioambiental para ocupar a presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Em seus 12 anos de história, o ICMBio tem sido o esteio da bem-sucedida política de áreas protegidas do Brasil. A autarquia gere hoje 9% do território continental e 24% do território marinho nacionais, distribuídos em 333 unidades de conservação. O Instituto apoia ainda a implementação do maior programa de conservação de florestas tropicais no mundo, o Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Essas áreas não apenas conservam o maior ativo de nosso País – a diversidade biológica, paisagística e cultural – como também são barreiras eficazes contra a grilagem de terras públicas e o desmatamento.
O ICMBio cuida desse patrimônio com recursos materiais e humanos escassos, amparado na dedicação e na competência de seus quadros. Jamais, nesses 12 anos, a presidência do Instituto foi ocupada por pessoas estranhas à agenda da conservação. Seria trágico se isso acontecesse agora.
Este é um momento, sr. Presidente, em que as áreas protegidas se encontram sob forte pressão de interesses privados. Tais interesses são em tudo desconectados dos da sociedade brasileira e do setor produtivo responsável. Eles se apresentam na forma de projetos de lei no Congresso Nacional e em Assembleias Legislativas estaduais que visam enfraquecer o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, além de invasões patrocinadas pelo crime organizado. O objetivo é um só: abrir vastas extensões de patrimônio da União ao esbulho. Em ano de eleição tais pressões se multiplicam. E a primeira barreira contra elas é um ICMBio íntegro e atuante.
Uma sucessão mal conduzida no Instituto também seria ruim para a imagem internacional do Brasil. Nosso País, o mais biodiverso do mundo, tem tido papel protagonista em fóruns como a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança do Clima. Graças a esse protagonismo, temos captado centenas de milhões de dólares, decorrentes de cooperação com outras nações e com organismos internacionais, para apoiar o governo brasileiro na implementação e na gestão de áreas protegidas. A execução desses recursos pelo ICMBio, com profissionalismo e competência, é condição para a manutenção desse apoio.
No seu governo, houve ações acertadas, como a criação das áreas marinhas protegidas de São Pedro e São Paulo e de Trindade e Martim Vaz, que fez o Brasil cumprir e ultrapassar uma das Metas de Aichi – a proteção de 10% de sua área marinha e costeira. A decorrência natural desse ato é oferecer ao ICMBio a capacidade de gestão, com competência técnica e conceitual. Isso é imprescindível para que a população reconheça e valorize a importância da existência de áreas protegidas como um patrimônio estratégico do País e de seu povo, um ativo fundamental para garantir a existência de um ambiente natural capaz de reproduzir as condições necessárias para a boa qualidade de vida de todos nós.
Sr. Presidente, esta carta é assinada por pessoas de linhas partidárias e posições políticas e ideológicas distintas. O que nos une é o entendimento de que proteção ambiental é uma política de Estado, indissociável das outras dimensões econômicas, sociais e culturais que compõem nossa identidade e nosso potencial de crescimento sustentável. O patrimônio natural do Brasil é maior do que qualquer partido ou governo. O ICMBio, instituição guardiã desse patrimônio, precisa ser apoiado, qualificado, valorizado, resguardado, pelo bem da sociedade. Seu presidente, caso não venha do próprio Instituto, deve ter conhecimento técnico, experiência e formação na área socioambiental.
Qualquer iniciativa orientada em sentido contrário há de ter perverso impacto sobre a gestão do Instituto e sobre o ânimo de seus quadros, com repercussões nacionais e internacionais negativas, dada a enorme expectativa que a comunidade das nações tem sobre o País. O Brasil, com sua enorme e diferenciada riqueza ambiental, é visto como liderança natural nessa área e, como todos sabemos, esse é um componente inseparável do papel que exercemos ou venhamos a exercer em âmbito global.
Respeitosamente,
Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, Marina Silva e Rubens Ricupero
Com informações de O Eco, Folha e da divulgação do movimento dos servidores nas redes sociais
Foto: Divulgação