Na década de 70, belos periquitos-monge (Myiopsitta monachus), nativos da América do Sul, começaram a ser importados por criadores da Espanha. Com o passar do tempo eles foram se reproduzindo em grande número e ganhando a liberdade (não se sabe se fugiram de seus cativeiros ou foram soltos de forma intencional). Podiam ser vistos em grandes bandos nas copas das árvores das praças de Madrid. Em 2005, já eram cerca de 1.700 mil deles. Onze anos depois, o número pulou para 9 mil. Em 2019, aproximadamente 12 mil. Para conter a superpopulação da espécie exótica e invasora, a prefeitura teve que abater e esterilizar as aves.
Um relatório que acaba de ser divulgado pela Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês) revela que apesar de ser um tema subestimado, a presença de espécies invasoras causa um prejuízo econômico global de U$ 423 bilhões, por ano, e em 85% dos casos o impacto desses animais ou plantas, introduzidos pelas atividades humanas, fora de seus habitats originais, é negativo para o meio ambiente.
“As espécies exóticas invasoras são uma grande ameaça à biodiversidade e podem causar danos irreversíveis à natureza, incluindo extinções de espécies locais e globais, e também ameaçar o bem-estar humano”, afirma Helen Roy, uma das especialistas envolvidas na elaboração do relatório.
O levantamento apontou que 60% das extinções de animais ou plantas no planeta foram provocadas exclusivamente ou em parte por espécies invasoras.
Endêmicas, exóticas e invasoras
Mas você sabe o que significam estes termos acima? Vamos abrir um parênteses rapidamente e explicar.
Também chamadas de nativas, as espécies endêmicas são animais, plantas ou outros organismos que, por suas próprias características, são encontradas naturalmente apenas em uma determinada área ou região, e em nenhum outro lugar do mundo. É o caso do canguru ou do coala, na Austrália, e da jabuticaba, que só existe no Brasil.
Já “exótica” é definida pela Convenção sobre Diversidade Biológica como toda espécie que se encontra fora de sua área de distribuição natural, isto é, que não é originária de um determinado local. E muitas vezes, como não tem predadores naquele novo ambiente, acaba se tornando invasora. É o que acontece com o peixe-leão no litoral brasileiro (leia mais aqui).
Segundo o novo relatório do IPBES, mais de 37 mil espécies exóticas foram introduzidas por atividades humanas em regiões e biomas ao redor do mundo. “Esta estimativa conservadora está agora a aumentar a taxas sem precedentes. Mais de 3.500 destas são espécies exóticas invasoras nocivas – ameaçando gravemente a natureza, as contribuições da natureza para as pessoas e a boa qualidade de vida. Muitas vezes ignoradas até que seja tarde demais, elas constituem um desafio significativo para as pessoas em todas as regiões e em todos os países”, alerta o documento.
Se nada for feito, como legislações locais específicas sobre o problema, especialistas advertem que até 2050 o número de espécies invasoras pode ser 1/3 maior do que aquele registrado no começo deste século.
“A ameaça futura de espécies exóticas invasoras é uma grande preocupação. 37% das 37 mil espécies exóticas conhecidas hoje foram relatadas desde 1970 – em grande parte causadas pelos níveis crescentes de comércio global e viagens humanas. Sob condições normais, projetamos que o número total de espécies exóticas continuará a aumentar desta forma”, diz Helen Roy.
“Seria um erro extremamente caro considerar as invasões biológicas apenas como um problema alheio. Embora as espécies específicas que causam danos variem de local para local, estes são riscos e desafios com raízes globais, mas impactos muito locais, enfrentados por pessoas em todos os países, de todas as origens e em todas as comunidades – até a Antártica está sendo afetada”, destaca Anibal Pauchard, outro pesquisador que assina o estudo.
Gráfico acima mostra o aumento das ameaças de diferentes espécie ao redor do mundo
(Imagem: reprodução relatório IPBES)
As piores espécies invasoras
O levantamento mostra que 34% dos impactos das invasões biológicas foram relatados nas Américas, 31% na Europa e Ásia Central, 25% na Ásia e no Pacífico e cerca de 7% na África. A maioria dos impactos negativos são relatados em terra (cerca de 75%) – especialmente em florestas, bosques e áreas cultivadas – com consideravelmente menos relatados em habitats de água doce (14%) e marinhos (10%) .
Todavia, em ilhas, o impacto pode ser bastante grave. Em territórios insulares, o número de plantas exóticas excedem em mais de 25% o das nativas.
Entre aquelas observadas como mais prejudiciais estão o aguapé, planta aquática nativa da América do Sul, que bloqueia cursos de água e prejudica a pesca em outros países, o arbusto florido lantana e o rato preto. São citadas ainda espécies de mosquitos, como Aedes albopictus e Aedes aegypti, que espalham o vírus do Nilo Ocidental e a Zika.
Os pesquisadores afirmam que em muitos casos a erradicação dessas espécies invasoras é possível e há exemplos bem sucedidos disso. E esclarecem ainda que nem toda espécie exótica se torna invasora.
A água tomada pelas plantas, prejudicando o trabalho de pescadores
(Foto: divulgação IPBES)
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Foto de abertura: divulgação IPBES