PUBLICIDADE

Em defesa das faixas exclusivas para pedestres acelerados

faixa exclusiva de pedestres

Quando morava perto da Avenida Paulista até o começo deste ano, preciso admitir que uma coisa me irritava: ter pressa e não conseguir avançar com rapidez pelas calçadas. Não vale a pena colocar isso em debate durante as festas de final de ano, mas, fosse na hora do rush ou nos movimentados finais de semana, simplesmente caminhar de ponto “A” para ponto “B” não era das tarefas mais fáceis. Veja bem, enquanto pedestre, usuário de transporte público, sem carta de motorista nem pretensão de ter uma no futuro, eu até preferia quando a rua era fechada por protestos. Dependendo da manifestação, era um alívio ter mais espaço para cortar caminho entre hippies vendendo artesanato, alunos da Cásper Líbero, camelôs de DVDs piratas, estátuas vivas, saxofonistas, guitarristas, tocadores de acordeão, imitadores do Elvis e, especialmente, outros pedestres mais lentos, imersos no celular ou nos seus mundinhos particulares.

Congestionamentos humanos eram sempre o atrito entre eu e o banheiro de casa, um pão quentinho para um café da tarde, um item de farmácia em falta. Até hoje, no entanto, nunca reclamei, pois sempre pensei “antes nas calçadas do que dentro de carros”. Pensar assim é a base para o meu templo interior de paciência. Não soa um tanto contraditório combater um estilo de vida carrocêntrico e ao mesmo tempo reclamar do excesso de gente andando da calçada, vivendo a cidade em escala humana? E o fenômeno se dá em todo tipo de lugar. Nos shoppings e supermercados, nos restaurantes self-service ou no metrô, onde alguns se recusam ou não parecem entender que deixar a esquerda livre é um ato de misericórdia comigo, o “Senhor sempre atrasado para todos os seus compromissos”!

Sei que não estou sozinho, qualquer metrópole é assim. Reclamar disso é tão paulistano quanto comer pastel de feira com caldo de cana na frente do Pacaembu. Mas esta semana fiquei em bons termos com o problema ao descobrir que na Inglaterra a loja de departamentos Argos decidiu investir em pesquisa sobre a questão. Eles descobriram que 31% dos entrevistados acham frustrante ficar preso atrás de pedestres mais lentos e 27% realmente encontram nisso um motivo de estresse. São nada menos que 28,8 milhões de ingleses que ficam tão putos quanto eu, minhas senhoras e caras com grupos de Whatsapp que devem ser mais interessantes que os meus. Please, hurry up!

PUBLICIDADE

Esse aspecto da vida urbana não é inteiramente novo, um estudo, realizado em 1976 pela universidade de Princeton e o Instituto Max Plancke em 15 cidades na Europa, Ásia e EUA, mostra que de fato o ritmo das pessoas está associado com tamanhos de população e aspectos culturais. Nos grandes centros urbanos, caminhamos até 30% mais rápido que os habitantes de áreas rurais e cidades pequenas ou médias, afinal temos uma gama maior de opções de lugares para ir, distâncias maiores a percorrer e mais pessoas com quem interagir.

Com os dados em mãos,  a Argos decidiu fazer um teste por uma semana com a criação de faixas expressas para pedestres com pressa, uma iniciativa que os entrevistados para o estudo apontaram como uma solução viável. Não é, todavia, a primeira vez que a ideia é colocada em prática no Reino Unido. A BBC, por exemplo, já testou a solução em 2010 na movimentada Oxford Street de Londres, onde um grupo formado por donos de lojas locais sugeriu à prefeitura a adoção dessas faixas. Segundo eles, o espaço para turistas e passantes com menos pressa se colocados próximos às vitrines atrairia mais consumidores, menos preocupados em parar o fluxo olhando produtos e atrações.

pedestrian-fast-la_3491377b

Um tanto menos séria, mas ainda assim abordando o tema, a cidade da Philadelphia, nos EUA, anunciou em 2012 a criação de uma “e-lane” para usuários crônicos de smartphones nas calçadas. A iniciativa não passava de uma brincadeira de 1º de abril, criada para alertar para um questão de segurança emergente ali. As pessoas andavam tão distraídas em seus aparelhos que sofriam acidentes, dando de cara em postes, torcendo os pés em buracos nas ruas ou até sendo atropeladas ao atravessar.

Don't_jay_walk_1937

Em 2013, a Universidade Estadual de Ohio revelou que o número de acidentes envolvendo pedestres distraídos nos EUA, aumentou de 256 em 2005 para 1.506 em 2010. Esse andar distraído, fora de sintonia com o ritmo metropolitano, é o que os americanos chamam de “jay walking”. Em alguns estados do país isso é até motivo de multa, caso de Utah que penaliza em 50 dólares pedestres que são flagrados andando distraídos próximos de linhas férreas. Em Nova York, onde não faltam ativistas da celeridade urbana, há campanhas e até placas alertando os potenciais “jay walkers” para os riscos da prática desde a década de 1930.

Mas será que multas, placas e faixas ajudam? Em Washington D.C., no ano passado, a National Geographic em um documentário sobre comportamento de massas colocou as faixas em uma das ruas e sinais para ver como as pessoas se comportavam. Conclusão: a maioria nem notou. Na pressa, também desrespeitamos as regras de convivência.

Agora multiplique por milhões de “jay walkers” e temos o problema em escala chinesa. Desde setembro de 2014, Chongqing é a primeira cidade do mundo a realmente implantar a pista para pedestres que estão conectados aos smartphones ou simplesmente aproveitando a vida. Por enquanto, nenhum resultado da experiência oficial saiu, se foram reduzidos os acidentes ou se a população aprovou a nova regra de conduta. De todo modo, nós, os coelhos de Alice no País das Maravilhas, agradecemos e estamos ansiosos pelos resultados.

Fotos: Argos/ Digulgação e Federal Art Project

Comentários
guest

1 Comentário
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Notícias Relacionadas
Sobre o autor