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Em Coari, no Amazonas, já foram encontrados 75 botos mortos, parte deles com sinais de mutilação

A seca histórica que assola o Amazonas (seus 62 municípios estão em estado de emergência!) segue impactando a vida de golfinhos de rio, símbolos da biodiversidade na região. Após a morte de mais de 150 (entre 155 e 159) botos-vermelhos ou cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e tucuxis (Sotalia fluviatilis) em lago de Tefé, no interior do estado Amazonas, entre setembro e outubro deste ano, integrantes da Operação que envolve ICMBio, Ibama, universidades e diferentes organizações e órgãos de governo observaram outra grande mortalidade no maior lago do município de Coari, a cerca de 200 km de Tefé e 360 km de Manaus, no Médio Solimões. 

Importante destacar que ambas as espécies – botos vermelhos e tucuxis – são classificadas como ameaçadas de extinção e integram as listas vermelhas da IUCN (internacional) e do ICMBio (brasileira).

Em 22 de outubro, pesquisadores do Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), da Sea Shepherd Brasil, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e agentes da Prefeitura de Coari encontraram 52 botos sem vida no Lago Coari. E, desde os primeiros registros, todos os dias são encontradas novas carcaças.

Em 23/10, foram 17, no dia seguinte mais 23 e assim por diante. No último sábado, foram mais quatro, totalizando 75 carcaças até então – entre botos e tucuxis, dois terços dos quais correspondem a tucuxis -, de acordo com a Sea Shepherd Brasil.

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Pesquisadores registram coordenadas e coletam informações e a carcaça de tucuxi sem vida / Foto: Sea Sheperd Brasil

Semelhanças e diferenças entre Tefé e Coari

Segundo a bióloga Waleska Gravena, professora da UFAM que liderou a operação em Coari até 8 de novembro, o foco da operação é entender o contexto abrangente da ameaça a estas e outras espécies na Amazônia: “Estamos trabalhando para identificar as similaridades da situação emergencial de Coari com o que ocorreu em Tefé, mas também verificar se há diferenças a serem consideradas. Nosso foco é entender o que está acontecendo de fato, para podermos agir para a proteção da rica biodiversidade nesta região”. 

O lago Coari e o lago de Tefé possuem características geomorfológicas similares, com grandes lagos (os chamados Lagos de Ria) se afunilando em um canal estreito até desembocar no rio Solimões. Também como em Tefé, no lago em Coari também foi observada proliferação de algas da espécie Euglena sanguinea, que pode produzir toxina chamada Euglena sanguinea (euglenoficina), potencialmente tóxica para peixes, “mas não há estudos comprovando que é tóxica para mamíferos”, salienta Gravena.

“O que aumenta o mistério e as dúvidas é que a proliferação desse tipo de alga se dá devido à incidência de radiação solar durante dias seguidos”, destaca a pesquisadora.

Tucuxi morto na margem do Lago Coari / Foto: Sea Sheperd Brasil

Tanto em Tefé como em Coari foi observado nível de água muito baixo, muito próximo do recorde histórico observado em 2010. Mas a alta temperatura de até 41ºC registrada no lago Tefé não foi registrada no lago Coari, “que atingiu, no máximo, 34ºC desde o início das medições, na semana retrasada”, destacou Gravena. “Você vê que é um rio ainda cheio de vida, muitos tucuxis, muitos botos nadando, muitos peixes-boi”, ela acrescentou.

As análises da água, realizadas pela UFAM, pelo INPA e IDSM, também indicam que não houve alteração significativa em sua composição físico-química, assim como observado em Tefé. 

Miriam Marmontel, pesquisadora titular do Instituto Mamirauáque coordenou a Sessão de Operações em Tefé e também está atuando com sua equipe em Coari para estudar a situação -, diz que ainda é muito cedo para chegar a conclusões, porém, o alto volume de mortandade em Coari revela que os motivos da morte destes animais certamente não estão isolados em somente um ponto da Amazônia. Ou seja, esse evento pode estar acontecendo em outros lugares. Por isso, a equipe já planeja visitar regiões próximas para verificar se há mortandades que não estão sendo monitoradas.

Pesquisadora analisa carcaça de boto em avançado estado de decomposição / Foto: Caio Rodriguez/Sea Sheperd Brasil

Sinais de ação humana 

Amostras dos animais mortos em Coari estão sendo coletadas para análise para se compreender a causa dos óbitos. Em Tefé, a alta temperatura da água é apontada como a principal hipótese. “E, embora em Tefé a causa dos óbitos não tenha sido contaminação da água, estamos colhendo amostras para análises laboratoriais para avaliar o nível de toxicidade.

Além disso, as carcaças serão necropsiadas”, salienta Waleska Gravena, da UFAM. Há um fato que chama a atenção dos pesquisadores em Coari (e que, segundo a Sea Sheperd, também foi observado em Tefé): algumas carcaças de golfinhos de rio apresentam sinais de interação com atividade humana, como ferimentos por objeto cortante ou trauma, e marcas de redes de pesca.

Boto sem vida, com marcas de redes que indicam interação com atividade humana / Foto: Caio Rodriguez/Sea Sheperd Brasil

Também foram encontradas partes de peixes-bois (Trichechus inunguis), animais que, assim como botos e tucuxis, são protegidos no Brasil em relação à caça. Mas a região é conhecida pela atuação de caçadores ilegais de peixes-boi.

Nathalie Gil, presidente da Sea Shepherd Brasil, confirma que a situação é alarmante, particularmente para os peixes-boi: “O rio mais seco deixa muitos animais mais acessíveis e expostos à atividade humana, e estimula comportamentos ilegais, como a caça do peixe-boi. Encontramos diariamente indícios de animais que, mesmo que estejam sobrevivendo à seca a todo custo, não conseguem se proteger da morte intencional”. 

Sob nova direção

Devido a essas particularidades e ao crescimento do número de mortes de botos no Lago Coari, em 3/11, foi instaurado o Sistema de Comando de Incidente na região de Coari, e agentes do ICMBio se direcionaram à cidade, cinco dias depois para instalar o Posto de Comando e compor com as equipes já presentes.

Desde 8/11, a liderança da operação em Coari está a cargo de Cláudia Sacramento, que também liderou a operação de emergência em Tefé. Ela diz que este cenário pode ser somente o primeiro de muitos, e pode se tornar o novo normal.

“Esta situação emergencial pode servir de aprendizado para os órgãos públicos locais e federais chegarem a soluções mais eficazes para a conservação a longo prazo destes animais”. 

Com a mudança de liderança, novo protocolo de monitoramento poderá ser estabelecido para identificar a causa dos óbitos. 

Carcaça de boto em avançado estado de decomposição / Foto: Caio Rodriguez/Sea Sheperd Brasil

Instituições e profissionais envolvidos

Hoje comandada pelo ICMBio, a operação em Coari é coordenada pelo Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) da UFAM em Coari, Sea Shepherd Brasil e IDSM, com o apoio de diferentes instituições:

– Aiuká Consultoria em Soluções Ambientais, 
– Aqua Viridi, 
– Aquasis, 
– Conselho Regional de Medicina Veterinária do Amazonas, 
– European Association for Aquatic Mammals, 
– Nuremberg Zoo, 
– Friends of Nuremberg Zoo Association, 
– Fundação Mamíferos Aquáticos, 
– Fundación Mundo Marino, 
– GRAD – Grupo de Resgate de Animais em Desastres, 
– Greenpeace, 
– IDSM – Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá,
– INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 
– Instituto Aqualie, 
– Instituto Baleia Jubarte, 
– Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), 
– International Fund for Animal Welfare, 
– IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, 
– Lapcom/USP, 
– Loro Parque Fundación, 
– National Marine Mammal Foundation, 
– Oceanogràfic València, 
– Planète Sauvage, 
– R3 Animal, 
– Rancho Texas, 
– Sea Shepherd Brasil, 
– Sea Shepherd France, 
– SeaWorld & Busch Gardens Conservation Fund, 
– UFAM
– Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, 
– WWF-Alemanha, 
– WWF-Áustria, 
– WWF-Brasil, 
– WWF-Reino Unido, 
– YAQU PACHA e 
– Zoomarine Portugal.

Destaco, aqui, também, a atuação do IBAMA, do Corpo de Bombeiros de Tefé, do Exército Brasileiro, da Marinha do Brasil, da Base Fluvial Arpão SSP-AM, da Polícia Militar do Amazonas, do Colégio Militar do Estado do Tocantins Professora Antonina Milhomem, prefeituras de Tefé e Coari, Secretaria do Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente de Coari, SEMMAC/Tefé e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Conservação (Tefé). E o apoio da Transpetro (Petrobras Transportes) e das companhias aéreas Azul, LATAM e VoePass.

Entre outras pessoas decisivas em Tefé, que também reforçaram o time em Coari, estão três profissionais do IDSM (a oceanógrafa Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos, e os pesquisadores Ayan Fleischmann e André Zumak, do Grupo de Pesquisa em Geociências e Dinâmicas Ambientais na Amazônia), além de Mariana Paschoalini Frias, analista de Conservação do WWF-Brasil e coordenadora do SARDI – Iniciativa Sul-Americana dos Golfinhos Fluviais

_________________

Fontes: Sea Sheperd Brasil, WWF-Brasil, G1, ICMBio, CBN

Foto: Caio Rodriguez/Sea Shepherd Brasil (necropsia sendo feita em um tucuxi filhote para tentativa de identificação da causa-mortis)

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