Um grupo de 199 organizações da sociedade civil brasileira publicou hoje, 6/4, uma carta ao governo americano, alertando sobre o risco que um acordo de cooperação iminente entre os Estados Unidos e o governo Bolsonaro traz para o meio ambiente, os direitos humanos e a democracia.
O governo de Joe Biden vem mantendo há mais de um mês conversas a portas fechadas com a administração de Jair Bolsonaro sobre meio ambiente. Um acordo entre os dois países deverá ser anunciado na cúpula sobre o clima convocada por Biden para os próximos dias 22 e 23. Fontes próximas à negociação afirmam que o acordo deve envolver transferência de recursos para o Brasil — na campanha, Biden chegou a falar em levantar US$ 20 bilhões para a Amazônia.
Segundo a carta, as negociações com Bolsonaro — negacionista da pandemia de Covid-19 que desmontou a política ambiental brasileira e que foi processado por indígenas no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade — colocam sob teste a narrativa de Biden, que prometeu em sua gestão lidar com a pandemia, o racismo, a mudança do clima e o lugar dos EUA na promoção da democracia no mundo.
“O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos”, afirma o texto.
Ainda de acordo com a carta, qualquer negociação com o Brasil sobre a Amazônia deveria envolver a sociedade, os governos subnacionais, a academia e o setor privado. E nenhuma tratativa deveria prosseguir antes de o Brasil reduzir o desmatamento aos níveis determinados pela Política Nacional sobre Mudança do Clima e da retirada dos retrocessos ambientais encaminhados pelo governo ao Congresso.
“Negociações e acordos que não respeitem tais pré-requisitos representam um endosso à tragédia humanitária e ao retrocesso ambiental e civilizatório imposto por Bolsonaro” dizem as ONGs. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo.”
“O governo Bolsonaro tenta a todo custo legalizar a exploração da Amazônia, trazendo prejuízos irreversíveis para nossos territórios, povos e para a vida no planeta. Estamos unidos para mobilizar todo o apoio nacional e internacional que fortaleça as lutas pela defesa das nossas vidas e da mãe Terra.
Seguimos mobilizados contra o projeto genocida que tenta nos eliminar há mais de 520 anos no Brasil e que também destrói a nossa biodiversidade. E é por isso que jamais deixamos de afirmar: Sangue indígena, nenhuma gota a mais”, disse Alberto Terena, coordenador- executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma das organizações signatárias da carta.
“Quando o Cerrado, a Amazônia ou o Pantanal queimam, é o nosso povo que queima. O governo Bolsonaro faz acordos bilaterais de destruição da natureza que não cumprem o que está na Constituição; ele não respeita e não demarca nossos territórios.
Mesmo neste momento de pandemia, em que não podemos enterrar nem chorar nossos mortos, Bolsonaro continua a querer nos derrotar, destruindo nossa biodiversidade”, declarou Biko Rodrigues, articulador nacional da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).
“O Brasil é hoje um país dividido. De um lado, estão os indígenas, quilombolas, cientistas, ambientalistas e pessoas que atuam contra o desmatamento e pela vida. De outro, está o governo Bolsonaro, que ameaça os direitos humanos, a democracia e coloca em risco a Amazônia. Biden precisa escolher de que lado ficará”, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Carta da Sociedade Civil Brasileira ao Governo dos Estados Unidos da América
Em 20 de janeiro, em seu discurso de posse, o presidente Joe Biden elencou como principais desafios de seu governo a luta contra a pandemia, o combate ao racismo estrutural, a mudança climática e o papel dos Estados Unidos no mundo. O país, afirmou Biden, deveria liderar não pelo exemplo da sua força, mas pela força do seu exemplo.
Tal discurso está sob teste agora, enquanto a administração Biden trava conversas com o governo de Jair Bolsonaro, do Brasil, sobre a agenda ambiental. As negociações ocorrem longe dos olhos da sociedade civil, que o presidente brasileiro já comparou a um “câncer”.
O governo brasileiro comemora tais negociações, que envolveriam recursos financeiros. O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos.
O líder extremista do Brasil justificou o putsch de 6 de janeiro nos EUA repetindo as mentiras de Donald Trump sobre fraude na eleição. Dentro de casa, ele ataca os direitos humanos e a democracia. Cooperar com tal governante seria um ato inexplicável. Bolsonaro está promovendo a destruição da floresta amazônica e outros biomas, aumentando as emissões do Brasil. Compromete o Acordo de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira.
Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população. Sua política antiambiental desmontou órgãos de fiscalização, promoveu o enfraquecimento da legislação e incentiva invasões de territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas protegidas.
A presença de invasores leva ao aumento da violência e de doenças como a Covid junto aos habitantes da floresta. Recentemente, Bolsonaro foi denunciado por indígenas ao Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.
Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo. Qualquer projeto para ajudar o Brasil deve ser construído a partir do diálogo com a sociedade civil, os governos subnacionais, a academia e, sobretudo, com as populações locais que até hoje souberam proteger a floresta e todos os bens que ela abriga.
Nenhuma tratativa deve ser considerada antes da redução do desmatamento aos níveis exigidos pela legislação brasileira de clima e o fim da agenda de retrocessos encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional. Negociar com Bolsonaro não é o mesmo que ajudar o Brasil a solucionar seus problemas atuais.
Negociações e acordos que não respeitem tais pré-requisitos representam um endosso à tragédia humanitária e ao retrocesso ambiental e civilizatório imposto por Bolsonaro. A eleição de Joe Biden representou a vontade dos Estados Unidos de estar do lado certo da história.
Fazer a coisa certa pelos brasileiros seria uma grande demonstração disso.
Assinam esta carta:
COLETIVOS NACIONAIS
- Agentes de Pastoral Negros do Brasil – APNs
- Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
- Associação Brasileira de Imprensa – ABI
- Associação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib
- Associação Nacional de Pós-graduandos – ANPG
- Central Única dos Trabalhadores – CUT
- Coalizão Negra por Direitos
- Conselho Nacional de Seringueiros – CNS
- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas – CONAq
- Fórum da Amazônia Oriental – Faor
- Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros – Fonatrans
- Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem-Teto – MTST Brasil
- Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
- Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
- Movimento Negro Unificado – MNU
- Observatório do Clima
- RCA – Rede de Cooperação Amazônica
- Rede GTA
- Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
- Uneafro Brasil
ENTIDADES DA SOCIEDADE CIVIL
- 342Amazonia
- 342Artes
- 350.org Brasil
- Abpes – Associação Brasileira de Pesquisadores de Economia Solidária
- Ação Educativa
- Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade – Afes
- Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica – Aganju
- Articulação Negra de Pernambuco – Anepe
- ASSIBGE-RR
- Associação Alternativa Terrazul
- Associação Brasileira de Imprensa
- Associação Brasileira de Reforma Agrária
- Associação Cultural.Educacional Assistencial Afro Brasileira Ogban
- Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade – MG
- Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente na Amazônia
- Associação de Jovens Engajamundo
- Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo Curiau
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – Apremavi
- Associação dos Moradores e Amigos da Praia Grande (Penha-SC)
- Associação Evangélica Piauíense – AEPI
- Associação Interdenominacional de Pastores – Assip
- Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro – Anga
- Associação Paulista de Cineastas – Apaci
- Atelier Tuim
- Avaaz
- Baía Viva
- BVRio
- Carta da Terra Brasil
- Casa 8 de Março – Organização Feminista do Tocantins
- Casa das Pretas – RJ
- Católicas pelo Direito de Decidir
- Centro de Convivência É de Lei
- Centro de Cultura Negra do Maranhão
- Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – Cedenpa
- Centro de Formação da Negra e do Negro da Transamazônica e Xingu – CFNTX
- Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo
- Centro de Trabalho Indigenista – CTI
- Centro Franciscano de Defesa de Direitos (Belo Horizonte-MG)
- CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço
- Coletiva DIVERSAS
- Coletivo Amazônico LesBiTrans
- Coletivo Cara Preta
- Coletivo de Mulheres Negras Maria-Maria – Comunema
- Coletivo Feminista Classista Maria vai com as Outras – Baixada Santista
- Coletivo Filhas do Vento
- Coletivo Leste Negra
- Coletivo Negro Universitário da UFMT
- Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros (Jaú-SP)
- Coletivo 660
- Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz
- Comissão Justiça e Paz da Diocese de Macapá
- Comissão Pastoral da Terra – CPT-MG
- Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
- Comitê REPAM Xingu
- Comunidade de Roda de Samba Pagode Na Disciplina
- Conectas Direitos Humanos
- Consciência em Movimento – Cooperativa de Saberes
- Conselho Nacional do Laicato do Brasil – Regional Sul 2
- CSP-Conlutas (Roraima)
- Cursinho Popular Risoflora
- Defensores do Planeta
- Elo Mulheres da Rede Sustentabilidade Amapá
- Eugênia Magna Broseguini Keys
- Fase – Solidariedade e Educação
- FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável
- Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
- Fórum Marielles
- Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno – FMNDFE
- Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais
- Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas
- Frente Favela Brasil
- Frente Nacional de Mulheres do Funk
- Fundação Avina
- Fundação SOS Mata Atlântica
- Fundação Tide Setubal
- Gambá
- GEEMA – Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente
- Geledés – Instituto da Mulher Negra
- Gestos
- Greenpeace Brasil
- Grupo de Defesa Ecológica Pequena Semente
- Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Gênero Feminismos e Interseccionalidade
- Grupo de Estudos AFETO
- GT Infraestrutura
- Ile Igbas Axé Oyá Guere Azan
- Iniciativa Sankofa
- Instituto 5 Elementos – Educação para a Sustentabilidade
- Instituto Afro Cultural da Amazônia – MONA
- Instituto Afrolatinas
- Instituto Água e Saneamento – IAS
- Instituto Aldeias
- Instituto Aromeiazero
- Instituto Augusto Carneiro
- Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase
- Instituto Búzios
- Instituto Centro de Vida – ICV
- Instituto ClimaInfo
- Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – Idesam
- Instituto de Energia e Meio Ambiente – Iema
- Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
- Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora
- Instituto de Mulheres Negras do Amapá – Imena
- Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
- Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros – Ipeafro
- Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPÊ
- Instituto de Referência Negra Peregum
- Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
- Instituto Ecológica
- Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental
- Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento – Hivos
- Instituto Internacional de Educação do Brasil – IIEB
- Instituto Mancala
- Instituto Mulheres da Amazônia
- Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável – Insea
- Instituto Nossa Ilhéus
- Instituto Pensamentos e Ações para Defesa da Democracia
- Instituto Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam
- Instituto Pólis
- Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
- Instituto Socioambiental – ISA
- Instituto Soma Brasil
- Instituto SOS Pantanal
- Instituto Talanoa
- Instituto Update
- International Rivers Brasil
- Justiça e Paz Integridade da Criação – Verbo Divino
- Mandata Coletiva Quilombo Periférico de Elaine Mineiro – SP
- Mandata Quilombo – Erica Malunguinho
- Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
- Marcha das Mulheres Negras de São Paulo – MMNSP
- Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
- Movimento Afrodescendente do Pará – Mocambo
- Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – Mama
- Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado
- Movimento Negro Unificado – MNU (Acre)
- Movimento Nossa BH
- Movimento Xingu Vivo Para Sempre
- Núcleo de Educação Popular Raimundo Teis – NEP
- Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas
- Núcleo Estadual de Mulheres Negras do Espírito Santo
- Observatório de Justiça e Conservação
- ONG GHATA – Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá
- PAD – Processo de Articulação e Diálogo Internacional
- Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém
- Ponto de Cultura Brasil dos Buritis
- Pretaria.Org – Coletivo Pretaria
- Projeto Hospitais Saudáveis
- Projeto Meninos e Meninas de Rua
- Projeto Saúde e Alegria
- Recanto Sagrado Ubiratan
- Rede Brasileira de Conselhos -RBdC
- Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco
- Rede de Cooperação Negra e LGBTQI Pretas e Coloridas
- Rede de Educação Ambiental de Rondônia – Rearo
- Rede de Educadores Ambientais da Baixada de Jacarepaguá
- Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica – RMA
- Rede Educafro Minas
- Rede Fulanas Negras da Amazônia Brasileira
- Rede Igrejas e Mineração
- Rede Internacional de Pesquisa em Barragens Amazônicas
- Rede Nacional da Promoção e Controle Social da Saúde, Cultura e Direitos de Lésbicas e Bissexuais Negras – Rede Sapatà
- Rede Pro UC
- Rede Ubuntu de Educação Popular
- Rede Um Grito Pela Vida-CRB
- Renafro Saúde
- RPPN Águas Claras I e II
- Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação – Província Santa Cruz
- Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia – Sinfrajupe,
- Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
- SOS Amazônia
- SOS Mata Atlântica
- Tindari
- Uiala Mukaji – Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco
- Unidos pelos Direitos Humanos Brasil
- Unitransd (SC)
- Vivat International Brasil
*Este texto foi publicado originariamente no site do Observatório do Clima em 6/4/2021