Não podemos nos iludir com a aparente calmaria. Fake news e notícias apelativas, criadas para gerar reações emocionais nos eleitores, continuam se espalhando rapidamente nos espaços ocultos do WhatsApp e outros aplicativos.
A alteração por deepfake de uma pesquisa eleitoral divulgada recentemente pelo Jornal Nacional foi apenas mais uma ponta visível deste iceberg submerso. Modificar o movimento dos lábios e o conteúdo das palavras, artifício usado pelo deepfake, vai além da mentira ou da distorção da informação. Ele nos desnorteia ao ameaçar nosso sentido mais elementar. Não podemos mais acreditar em nossos próprios olhos.
Sabemos que a disseminação proposital de mentiras com objetivo político, que sempre existiu, ganhou uma escala inédita no universo digital. A manipulação de dados, a comunicação dirigida por interesses e as mensagens em grupos fechados tornaram muito mais difícil controlar o que está sendo difundido.
Mas o mal-estar que experimentamos diante dos ataques à verdade vai muito além das redes e meios digitais. Para resistir a eles precisamos compreender o sistema mais amplo de comunicação criado para nos dividir e enfraquecer.
Como funciona o ataque à informação
O processo de perda de referências, fragmentação e confusão que cresce no mundo digital alimenta e é alimentado pelo mundo real. E, na maioria das vezes, tem objetivos econômicos e políticos.
No livro “A Morte da Verdade”, publicado em 2018, Michiko Kakutani detalha a estratégia usada por grupos políticos de extrema-direita em várias partes do mundo.
Ela inclui o descaso com o conhecimento especializado, a substituição da razão pela emoção, a corrosão da linguagem para distorcer a realidade, o discurso beligerante e contraditório que gera medo e desconfiança.
Para ampliar essa estratégia a ponto de influenciar um país inteiro, os algoritmos não bastam. É preciso atacar qualquer estrutura externa capaz de balizar as consciências e atitudes a partir de dados objetivos. Isso inclui a escola, a ciência, a justiça, a imprensa e os mecanismos que buscam regular o sistema político e social.
As informações falsas, as chamadas fake news, veiculadas como verdade não buscam apenas criar uma versão distorcida dos fatos.
O objetivo deste caos proposital é justamente a confusão. Ao inundar o ambiente de contradições, eles reforçam um estado permanente de dúvida e temores.
A incerteza nos mantém em alerta permanente, criando inimigos por todos os lados. O medo insuflado pode ser subjetivo, como a perda de valores ou crenças, mas também é bem objetivo, com uso de armas e violência.
Ter medo de ser morto apenas por declarar o voto é a falência completa da sociedade baseada no consenso e na cooperação.
Cercadinhos e armas
O medo e o receio nos dividem e nos fragilizam. Diante deles tendemos a recuar, aceitando sem questionar qualquer mensagem que prometa segurança, por mais irreal que seja.
Na arena política, a apreensão nos mantém numa bolha de supostas certezas, na ilusão de que assim estamos protegidos dos perigos do lado de fora. Não estamos.
Em plena era da inteligência artificial, os cercadinhos alimentados com desinformação e violência se parecem muito com os velhos “currais eleitorais”, a expressão usada para designar as regiões controladas politicamente pelos chamados coronéis da República Velha. Nada representa mais esse período que o medo de votar diante dos jagunços armados em volta das urnas.
Confiança e esperança
O primeiro passo para recuperar a confiança é não ceder ao cansaço e à apatia diante do caos provocado.
Voltar a acreditar numa sociedade que resolva seus problemas através do consenso, do debate e das regras democráticas pode parecer utopia nestes dias em que o ódio e a violência ganham espaço. Mas sonhar e projetar um futuro melhor é o que nos faz resistentes e perseverantes no presente.
As utopias renascem em tempos de desencanto não porque são perfeitas, ou porque temos a certeza de que vamos alcançá-las. Elas surgem porque renovam a confiança no que fez a humanidade chegar até aqui: a capacidade de resistir à barbárie e transformar o medo em esperança.
Como agir diante do caos provocado pelas fake news
A experiência de isolamento e pânico que vivemos na pandemia nos lembrou o essencial: não existe indivíduo em equilíbrio e segurança fora da convivência em sociedade.
Para que ela exista é preciso aprender a navegar nas águas turvas da desinformação, da confusão e da provocação constante, e buscar referências sólidas.
Escola, ciência, imprensa, justiça e outras instituições são criações em constante processo de transformação, que devem e podem ser aperfeiçoadas. Mas destruir completamente a confiança nesses alicerces é o mesmo que derrubar o edifício inteiro.
Já existem instrumentos criados por instituições sérias para checar informações. Listo aqui alguns sites recomendados pelo Conselho Nacional de Justiça.
E lembre-se: muitas vezes a informação falsa vem se pessoas que você considera confiáveis. Cheque sempre antes de compartilhar:
Aos Fatos
Agência Lupa
Boatos.org
Estadão Verifica
Fato ou Fake
UOL confere
Foto de abertura: Nijwam Swargiary on Unsplash