
Nunca se viu um período tão longo de aumento da desigualdade social na história do país. No segundo trimestre deste ano, ela continuou sua escalada ascendente e tornou-se o 17o. trimestre em que a concentração de renda e a quantidade de pobres só aumentam.
Resumindo: no Brasil, há quatro anos e três meses, os pobres ficaram mais pobres e os ricos mais ricos, de acordo com estudo do economista Marcelo Neri, da FGV Social – A Escalada da Desigualdade: Qual foi o Impacto da Crise sobre Distribuição de Renda e Pobreza?, lançado em 15 de agosto, com dados da PNAD Contínua do IBGE.
De abril de 2015 a junho de 2019, a renda da metade mais pobre da população caiu 17,1% – como a da classe média : 4,16% -, mas a renda dos 1% mais ricos subiu 10,11%.
Segundo o especialista, tal cenário é resultado do aumento do desemprego no país, que ainda aflige 12 milhões de pessoas. “O principal fator que influencia o aumento da desigualdade é o desemprego, que, embora apresente sinais de alguma recuperação, ainda é grande no país”.
Neri destaca que, quando o desemprego aumenta, o mercado de trabalho passa a diferenciar ainda mais os trabalhadores pelo grau de instrução. Quem é mais capacitado tem mais chance do que quem tem baixo grau de escolaridade.
Hoje, emprego com carteira assinada é quase um sonho: um em cada quatro desempregados busca uma vaga há, pelo menos, dois anos. O mercado não consegue absorver o contingente de brasileiros disponíveis que existem e, quando o faz, oferece condições injustas ou desiguais. E, certamente, esse cenário pode se manter ou se intensificar com as novas leis trabalhistas e a MP da Liberdade Econômica, aprovada na semana passada, e que deverá ser votada pelo Senado nesta semana.
Para Neri, nem o ano de 1989 – considerado o pico histórico da desigualdade brasileira, com inflação em alta constante – teve um cenário assim tão terrível, com “um movimento de concentração de renda por tantos períodos consecutivos”.
O índice Gini, que mede a desigualdade e dá base ao estudo da FGV, revelando a concentração de renda, vai de zero a 1: quanto mais próximo de 1, mais desigual é a distribuição. No Brasil, o indicador aumenta a partir do final de 2014, mais precisamente desde o quarto trimestre desse ano, quando o índice marcava 0,6003 e se manteve assim até que, ao chegar no segundo trimestre deste ano, revelou novo aumento e registrou 0,6291.
O período analisado pelo estudo teve três presidentes, mas é importante salientar que o estudo destaca os últimos 17 trimestres, o que equivale a 51 meses ou 4 anos e três meses, portanto, considera os dados a partir de abril de 2015 até junho de 2019. Em resumo, os pobres ficaram mais pobres e os ricos mais ricos.
A concentração de renda começou a avançar no final de 2014, quando aconteceram as eleições presidenciais, se estendeu pelo segundo mandato de Dilma Roussef (em meio às turbulências politicas provocadas pela ameaça de impeachment – anunciado no final de 2015 por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara de Deputados, e executado em abril de 2016), atravessou o governo de Michel Temer (junho desse ano até dezembro de 2018) e manteve-se igual no primeiro trimestre da gestão de Bolsonaro, elevando-se já a partir de abril, como reflexo de suas políticas anti-sociais.
Pobres cada vez mais pobres
Nos últimos 4 anos e três meses, a renda da metade dos brasileiros mais pobres foi reduzida em 17,1%, enquanto que a dos mais ricos aumentou 10,11%. Mas os mais pobres tiveram a companhia de quem tem pouca experiência e de quem não tem instrução nesse cenário: os salários de trabalhadores com idade entre 20 e 24 anos tiveram queda de 17,7%, e dos pouco qualificados, 15%.
E, assim, com o desemprego em alta, obviamente o poder de compra das famílias caiu. Quem não tem emprego, não compra, mas quem tem reprime gastos para não se endividar ou para guardar dinheiro com receio do futuro.
O estudo coordenado por Neri aponta que, entre 2015 e 2017, a população pobre – que vive com menos de R$ 233 por mês – aumentou 2,8%, indo de 8,3% para 11,1% e somando 23,3 milhões de brasileiros. Ou seja, em apenas dois anos, o país ganhou 6,2 milhões de pobres.
Entre as causas está a falta de expansão de programas sociais, que foram mantidos até a entrada de Temer no governo. O número de desempregados aumentou, mas as políticas públicas existentes não conseguiram atendê-los.
Foto: Peter Bauza/divulgação The Alfred Fried Photography Award