Hoje, foram eleitos os presidentes de 25 comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Cinco são inéditas, entre elas a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, que ficou com a deputada federal indígena Célia Xakriabá, como contamos aqui. Essa é uma grande vitória!
Mas uma das notícias menos animadoras dessas eleições diz respeito à escolha de José Priante, do MDB do Pará, para presidir a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Ele é primo do governador do Pará, Helder Barbalho, que conquistou o apoio de Lula para a candidatura de Belém do Pará para sediar a COP 2030, Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas da ONU, em 2025.
Nem Salles, nem Duda, nem PT!
No início de fevereiro, a notícia que o ex-antiministro Ricardo Salles poderia ficar com a pasta se espalhou rapidamente. O repúdio e a mobilização da sociedade foram instantâneos, e uma petição online foi lançada para tentar impedir sua candidatura, além de clamar pela eleição de um ambientalista. Obteve 75 mil subscrições.
Atualizei o mesmo link no dia seguinte à publicação para contar que o PDT havia indicado a deputada mineira Duda Salabert para o cargo, logo que a polêmica sobre Salles veio à tona.
Na primeira semana deste mês, o site Brasil de Fato afirmou que negociações partidárias afastavam a possibilidade de um ruralista comandar a pasta, que ficaria com deputado do PT ligado à causa do meio ambiente, o que seria essencial para a implementação da política ambiental e climática do governo Lula.
Mas nem Duda, nem o tal deputado do PT foram eleitos! E José Priante ficou com uma das comissões mais importantes da Câmara dos Deputados, tirando o sono dos ambientalistas.
Aguerrida, hoje, Duda Salabert comunicou – em seu Instagram – que é membro da comissão (como também as de Educação, Segurança Pública e Amazônia e dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais). Menos mal. Duda é ambientalista engajada em seu estado e tem tido atuação brilhante, desde quando era vereadora, contra a destruição da Serra do Curral (como contamos aqui).
Apoio a ruralistas, garimpeiros e projetos antiambientais
O currículo extenso de Priante vai contra as exigências do cargo. Durante a gestão de Bolsonaro, apoiou muitas das decisões da base de seu governo. Votou a favor da urgência na tramitação do Projeto de Lei 191/2020, que autorizava a mineração em terras indígenas, por exemplo.
Em 2017, foi relator da MP 756 e apoiou a proposição para a redução de unidades de conservação na Flona do Jamanxim.
O deputado também foi autor de projeto de lei que defendia uma das principais bandeiras de Bolsonaro: impedir a destruição de bens apreendidos pelo Ibama nas atuações contra crimes ambientais. A prática está prevista na Constituição, mas durante a gestão do ex-presidente foi ignorada. Logo no início desse governo, quem a cumpriu foi exonerado, sinalizando como a questão seria tratada por ele.
Ainda em 2017, Priante foi incluído em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investigava esquema de corrupção no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração. Indicou servidores que depois foram acusados (e presos) de cobrar propina para favorecer mineradoras do Pará.
O deputado sempre foi muito atuante em projetos de lei que discutem o setor da mineração, com mais um detalhe: somente nas eleições de 2014, 35% das doações que recebeu (mais de R$ 462 mil) era de mineradoras. Era conhecido como “integrante” da ‘bancada da lama’, chamada assim em referência ao crime da Samarco/Vale/BHP, em Mariana (MG), que completou cinco anos.
Como se não bastasse, em fevereiro do ano passado, defendeu os garimpeiros do Pará contra ações policiais de combate à mineração ilegal no Estado. O deputado esteve no Palácio do Planalto, para solicitar ao então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o fim dessas operações que já haviam destruído equipamentos.
Mas tem mais: José Priante também defende os interesses de ruralistas.
Portanto, não é à toa que o deputado figura entre os 50 parlamentares que mais atuaram contra os direitos indígenas no levantamento Congresso Anti-Indígena, produzido pelo Cimi – Conselho Indigenista Missionário.
Por outro lado, a seu favor há a fama de o deputado ser um sujeito “aberto ao diálogo”. Para o Observatório do Clima (OC), essa é a postura desejada “na nova legislatura, depois de tantos desmandos na área ambiental nos últimos anos e dos desafios da recondução do país para uma agenda positiva em meio ambiente e clima“. Quem sabe…
Vale destacar que a Comissão de Meio Ambiente – criada em 2004 – debate e analisa propostas sobre política ambiental, direito ambiental, recursos naturais renováveis, flora, fauna, uso do solo e desenvolvimento sustentável.
Durante o governo de Bolsonaro, essa comissão esteve nas mãos da deputada bolsonarista Carla Zambelli, que chegou a lutar contra os direitos dos animais. A diferença agora é que o governo Lula se comprometeu com o meio ambiente e o combate à crise climática. A briga vai ser boa.
Repercussão
A seguir, estão declarações de quatro representantes de organizações que compõem o Observatório do Clima e também de seu secretário-executivo (colhidas pela organização), que estão bastante apreensivos com a escolha de Priante para a presidência da CMADS:
– Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica
“A Comissão de Meio Ambiente precisa refletir as necessidades reais do Brasil. É fundamental que volte a ser o espaço de diálogo, de pautas e agendas positivas para o meio ambiente, de participação da sociedade civil e comunidade científica.
Precisamos enfrentar a emergência climática, cumprir os compromissos brasileiros com o Acordo de Paris, com a COP 15, com o desmatamento zero e com agenda de ação pela água da ONU, que começa ser escrita neste mês de março. E precisamos que esses pontos estejam em vista e se efetivem como políticas públicas.
Esperamos que os momentos de resistência e enfrentamento da legislatura passada, quando as propostas eram voltadas a acabar, por exemplo, com a Lei da Mata Atlântica, com unidades de conservação, além de outros enormes retrocessos da legislação ambiental tenham ficado para trás.
Estaremos presentes, propondo pautas, mas também fazendo a resistência sempre que necessário”.
– Marcos Woortmann, coordenador de advocacy do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade)
“A sociedade espera que as Comissões do Congresso Nacional, cuja missão é debater o conteúdo de propostas que poderão virar leis para todos os brasileiros, sejam presididas pelos expoentes em cada área de atuação. A Comissão de Meio Ambiente, portanto, requer de seus membros e, principalmente, da presidência, compromisso com a agenda ambiental.
Nossa preocupação é que, num futuro imediato, em que o mundo estará avaliando a mudança de rumo do governo brasileiro na COP30 em Belém, a CMADS mantenha o rumo antiambiental que marcou a legislatura passada. Será desastroso para o Brasil, legal e politicamente”.
– Mariana Belmont, diretora de clima e cidade do Instituto de Referência Negra Peregum
“A Comissão de Meio Ambiente deve ser presidida por quem se preocupa e responsabiliza pelo presente e pelo futuro da agenda socioambiental brasileira. Fazemos questão de mencionar o social, pois a nova gestão precisa ter no centro de sua atuação o combate ao racismo ambiental, uma vez que estamos falando da vida, em especial, das pessoas negras e periféricas.
O racismo ambiental mata milhares de pessoas negras, indígenas, mulheres e crianças no Brasil. Mata os nossos biomas. Que a participação social e os direitos humanos deixem de ser apenas um discurso e se transformem em realidade”.
– Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental)
“No momento em que a crise climática exige do Congresso Nacional a promoção de avanços na proteção socioambiental, causa preocupação que a presidência da comissão não esteja com um parlamentar com histórico de atuação no tema. Esperamos que sua gestão seja marcada pela prevalência dos consensos e pela contenção dos graves retrocessos em tramitação”.
– Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima
“Temos, de novo, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, um presidente cujo histórico é ligado à agenda ruralista e de apoio a projetos antiambientais. A perspectiva é muito preocupante. Cabe agora ao deputado provar o contrário, com ações práticas. Nosso país não aguenta mais tantos ataques e tanta destruição na agenda ambiental”.
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Com informações da Agência Câmara de Notícias e do Observatório do Clima
Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados