Aquele dia nunca mais será esquecido. Era 23 de junho de 2008. Um pescador comenta com Marcos Wasilewski: “Eu vi um guará…”. Parecia algo praticamente impossível. Por 80 anos, a ave de cor vermelho escarlate tinha desaparecido completamente da Baía de Guaratuba, no litoral do Paraná. Havia um plano pronto para a reintrodução da mesma que seria colocado em prática em poucos dias.
Todavia, o pescador tinha razão. Wasilewski, um criador de aves, foi até o local onde o guará teria sido observado, acompanhado do professor Fabiano Cecilio da Silva. “Foi um orgasmo ornitológico! Depois de passar a vida inteira ouvindo histórias sobre os guarás contadas pelos mais velhos, conseguimos assistir ao espetáculo com nossos próprios olhos!”, relembram.
O relato acima foi compartilhado há poucos dias com a equipe do projeto Captain Darwin, que está refazendo a rota realizada por Charles Darwin, naturalista britânico e criador da Teoria da Evolução, publicada em 1859 através do que é provavelmente o livro mais famoso da biologia “A origem das espécies”. Durante cinco anos, a bordo do navio HMS Beagle, o pesquisador percorreu o mundo e fez algumas paradas, entre elas, no Brasil.
Apesar de Darwin não ter estado em Guaratuba, o idealizador do projeto, o documentarista francês Victor Rault, decidiu desembarcar na costa paranaense (após ter estado antes na Bahia e no Rio de Janeiro) para conhecer de perto o trabalho do Instituto Guaju.
Fundada por Wasilewski, Silva e o pesquisador Edgar Fernandez, a organização não-governamental atua no resgate cultural e na preservação dos ecossistemas do litoral do Paraná, e entre seus principais trabalhos, está o monitoramento da população dos guarás e a educação ambiental da comunidade local em relação a essa espécie tão icônica.
O retorno dos guarás
Após aquele primeiro reencontro há 14 anos, hoje a Baía de Guaratuba é habitat de aproximadamente 4 mil guarás. Não se sabe exatamente como e porquê eles retornaram pra lá depois de quase um século. Mas há uma suspeita.
“Acreditamos que alguns indivíduos vieram de uma população localizada perto de São Paulo. Os guarás são aves sedentárias, mas excelentes voadores. Alguns indivíduos vieram primeiro e ano após ano uma nova população foi criada. 4 mil guarás na baía! A chave da história do retorno deles é que eles encontraram uma região muito bem preservada, muito menos impactada pelo desenvolvimento humano do que em outras partes do país”, contou Silva a Rault.
Encontrado em vários países da América do Sul, como Colômbia, Venezuela e Guianas, e também, na ilha caribenha de Trinidad e Tobago, no Brasil o guará (Eudocimus ruber) pode ser avistado ao longo de toda costa, em municípios litorâneos das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul. Todavia, nesse última, ficou quase um século sem ser observado.
O guará é conhecido por diversos nomes populares, como guará-vermelho, ibis-escarlate, guará-rubro, guará-piranga e garça-vermelha. No começo do século passado, essa ave era abatida para a retirada de suas penas vermelhas, levadas para a Europa onde eram usadas como ornamentos em vestidos. Aos poucos, a população da espécie foi sendo reduzida no país.
Medindo entre 50 e 60 cm, o guará possui bico fino, longo e
levemente curvado para baixo
Um projeto de conservação bem-sucedido
Guaratuba, que tem seu nome originado justamente dessa ave – em tupi a palavra significa ajuntamento de guarás -, soube como poucas outras cidades brasileiras investir na preservação ambiental. Fundada em 1782 por colonizadores europeus, dez anos depois já era aprovada a primeira lei de conservação para evitar a pesca excessiva na baía.
Em 1992, toda a Baía de Guaratuba foi declarada área protegida e esse é um dos motivos responsáveis pela volta do guará e sua readaptação tão fácil.
O documentarista francês ficou deslumbrado ao visitar o dormitório da espécie. “Simplesmente fascinante. Fantástico”, diz ele.
Para Rault, o sucesso do retorno do guará é um exemplo que mostra um modelo de conservação que envolve políticas públicas eficientes, o trabalho essencial de organizações da área ambiental e ainda, a resiliência da natureza.
Graças a isso, os moradores de Guaratuba podem, novamente, admirar todos os dias, esse show de cores no ar.
Os ninhos dos guarás são feitos no alto das árvores, na beira de mangues
e lamaçais litorâneos
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Fotos: Edgar Fernandez
Faltou citar o trabalho de anos de restauração de marismas e ecossistemas estuarinos na Baía de Guaratuba realizado pelo projeto Bicudinho do brejo e o Mater Natura.