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Com Bolsonaro, emissões de CO2 dobram na Amazônia, tornando-a mais quente e menos chuvosa, revela estudo inédito

Com Bolsonaro, emissões de CO2 dobram na Amazônia, tornando-a mais quente e menos chuvosa, revela estudo inédito

Por Leila Salim*

O desmonte da fiscalização e da governança ambiental fez as taxas de emissão de carbono mais que dobrarem na Amazônia. Além disso, a temperatura aumentou e as chuvas diminuíram. As consequências são comparáveis às de um evento extremo como um mega-El Niño. Mas, neste caso, resultam de outro tipo de extremo, que tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro

Estudo inédito, realizado por 30 cientistas brasileiros, mostra que os recordes de desmatamento e queimadas nos dois primeiros anos do atual governo causaram um aumento de 89% nas emissões de gás carbônico em 2019 e de 122% em 2020, na comparação com a média anual registrada entre 2010 e 2018.

Em 2019, o aumento das emissões foi resultado da alta de 79% no desmatamento e de 14% na área queimada na Amazônia, na comparação com a média dos nove anos que antecederam o atual governo. No primeiro ano da gestão Bolsonaro, as multas aplicadas caíram 30%.

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A queda nas multas pagas foi ainda maior, de 74%. Em 2020, quando as emissões de CO2  mais que dobraram na comparação com a média anual de 2010 a 2018, o desmatamento subiu 74% e a área queimada teve alta de 42%. Já as multas aplicadas despencaram 54%, e as pagas, 89%.

O estudo é coordenado por Luciana Gatti, pesquisadora do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Ele foi submetido a um periódico científico de alto impacto mas, neste momento, está em fase de preprint, disponível na internet e aguardando a revisão de outros cientistas para a publicação definitiva.

A pesquisa é um desdobramento de outra, também liderada por Gatti e publicada na revista Nature, no ano passado, que já trazia dados preocupantes: entre 2010 e 2018, a Amazônia emitiu mais carbono do que absorveu, principalmente por conta das altas taxas de desmatamento na parte leste do bioma, sobretudo no Pará e em Mato Grosso.

“Mas, naquele período, o lado oeste da Amazônia ainda conseguia promover algum equilíbrio, com a floresta absorvendo o carbono resultante das ações humanas”, explicou Gatti ao Observatório do Clima.

“Na nova pesquisa, a primeira coisa que nos chocou foi constatar que o lado oeste também passou a ser fonte de carbono, emitindo mais gás do que é capaz de absorver”, destacou.

Os autores, vinculados ao próprio Inpe e a outras instituições, compararam os dados de 2010 a 2018 com os de 2019 e 2020. Foram monitorados quatro diferentes pontos da Amazônia, a partir dos quais se traçou os chamados perfis verticais de concentração de gás carbônico — uma metodologia que permite identificar as taxas de emissão e de absorção de CO2 e determinar se uma região é uma fonte ou um “sumidouro” desse gás de efeito estufa.

Quando o monitoramento acusou a disparada das emissões no oeste amazônico em 2019 e 2020, os pesquisadores cruzaram esses dados com as regiões mais afetadas pelas novas fronteiras de desmatamento:

“Nosso objetivo era georreferenciar as fontes emissoras de carbono. Iniciamos a produção de mapas e os dados confirmaram: as emissões estavam aumentando nos locais em que o desmatamento vinha avançando nesses dois anos, como o sul do Amazonas, Rondônia e o Acre”, explica Gatti.

A pesquisa contou, ainda, com avaliação das chuvas e temperaturas.

“Foi a nossa segunda péssima notícia”, diz Gatti. Os dados mostraram que, no acumulado de 2020, a Amazônia perdeu 12% das chuvas. Na estação chuvosa, nos meses de janeiro, fevereiro e março, a redução de chuvas foi ainda maior, chegando a 26% — quando as temperaturas subiram 0,6ºC.

“É como se entrasse menos água no sistema para atravessar a estação seca. Quando a chuva começa a rarear, o solo já está mais seco, o que significa um ano de mais estresse climático para a floresta.” Todos os dados se referem às comparações com a média anual do período de 2010 a 2018, analisados no estudo anterior.

Infrações ambientais e desmatamento

Outro cruzamento de dados buscou incorporar políticas públicas à análise: o grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) levantou dados públicos sobre fiscalização ambiental, comparando as taxas de desmatamento e áreas queimadas de 2019 e 2020 com as multas aplicadas e pagas por infratores ambientais.

“O título de nosso artigo – ‘Emissões de carbono na Amazônia dobram e causa principal é desmantelamento da aplicação das leis, em tradução livre – menciona o desmantelamento da governança ambiental porque essa é a causa do aumento do desmatamento e das áreas queimadas. As políticas de controle do desmatamento foram destruídas e essas são as consequências”, pontua a cientista do Inpe.

O primeiro gráfico (abaixo) compara a queda de notificações por infrações ambientais (linha azul) e o aumento da taxa de desmatamento (linha vermelha). O segundo mostra a queda de multas pagas (linha verde) em contraste ao aumento do desmatamento (colunas cinzas).

Com Bolsonaro, emissões de CO2 dobram na Amazônia, tornando-a mais quente e menos chuvosa, revela estudo inédito
Aplicação da lei ambiental e responsabilização por crimes contra a Floresta Amazônica / Imagem:a reprodução do artigo publicado na Research Square

Estresse climático e reequilíbrio do bioma

Para os autores do estudo, apenas o desmatamento zero e a restauração florestal (conheça o projeto Arco da Restauração) serão capazes de reduzir o estresse climático na Amazônia e conduzir a um reequilíbrio do bioma — assim como sua capacidade de atuar como sumidouro de carbono e colaborar com a regulação do clima não apenas no Brasil, mas no mundo.

“O pico nas taxas de desmatamento, junto ao aumento das emissões de carbono, acompanha o desmantelamento dos órgãos ambientais federais responsáveis pela aplicação da lei na região, especialmente após 2018, quando as notificações por infrações ambientais e as multas pagas atingiram o menor número registrado na última década”, destaca o artigo.

O trabalho de Gatti e colegas é o mais recente de uma safra de análises que vêm mostrando o impacto do governo Bolsonaro – e sua cada vez menos improvável continuação – sobre a floresta e as emissões do Brasil.

Em 23 de setembro, antes do primeiro turno das eleições, a pesquisadora do Inpe e do IIASA – Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas, Aline Soterroni, fez um cálculo a pedido do site The Carbon Brief, estimando que a reeleição do presidente manteria as taxas de desmatamento em torno de 10.000 km2 por ano até 2030.

Trata-se de uma perspectiva otimista, que leva em conta apenas o descumprimento do Código Florestal. Em 2018, a mesma pesquisadora havia estimado que o desmatamento poderia chegar a 25 mil quilômetros quadrados por ano num cenário com Bolsonaro, sem controle. No primeiro mandato do presidente, o desmatamento subiu por três anos consecutivos, algo inédito no país.

Brasil pode ser empecilho para meta do Acordo de Paris

Na semana seguinte, o grupo liderado pelo pesquisador Emílio La Rovere, da Coppe-UFRJ, publicou um cenário de emissões do Brasil até 2030 caso as políticas ambientais atuais – ou seja, o desmonte delas – prossiga. Os modelos computacionais usados no estudo indicam que, em 2030, o Brasil poderá chegar às 3 bilhões de toneladas de CO2, mais do que o dobro do limite da NDC (a meta brasileira no Acordo de Paris).

Neste caso, o Brasil sozinho tornaria muito mais difícil para o mundo inteiro cumprir a meta do acordo do clima de limitar o aquecimento global em 1,5ºC: segundo o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o mundo inteiro precisará emitir no máximo 25 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em 2030 se quiser cumprir a meta.

Hoje o Brasil responde por cerca de 3,2% das emissões mundiais. No cenário aventado por La Rovere e colegas, responderia por 12%.

Leia também:
Arco da Restauração: projeto liderado pelo cientista Carlos Nobre prevê replantio de uma área de mais de um milhão de Km2 na Amazônia

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*Este texto foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima em 5/10/2022 e adaptado para publicação, aqui, no Conexão Planeta, por Mônica Nunes

Foto: Claudio Angelo/OC

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