A queima de todas as reservas de combustíveis fósseis remanescentes no planeta pode elevar os níveis de dióxido de carbono (CO2) nos próximos dois séculos a um patamar jamais visto desde o surgimento das primeiras florestas, quase meio bilhão de anos atrás. A conclusão é de um estudo publicado na última terça-feira (04/04) por um trio de cientistas do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Segundo os pesquisadores, os piores cenários de emissão de gases de efeito estufa podem fazer com que a concentração de CO2 na atmosfera, hoje na casa das 403 ppm (partes do gás por milhão de moléculas de ar), ultrapasse 1.000 ppm no meio deste século – o maior valor em 50 milhões de anos.
Nesse ritmo, no fim do século 23, ela teria atingido as 5.000 ppm. É um valor simplesmente sem paralelo no registro geológico: no período de 420 milhões de anos em que é possível inferir a quantidade de carbono na atmosfera, o nível de CO2 nunca ultrapassou as 3.000 ppm. A última vez que isso aconteceu foi na época em que surgiram os dinossauros.
As mudanças climáticas resultantes de uma concentração de CO2 dessa magnitude hoje são difíceis de estimar. Mas provavelmente elas são incompatíveis com a vida complexa, já que os metazoários, como nós, as vacas e as árvores, não toleram temperaturas maiores que 50oC. Embora o novo estudo não diga isso, o efeito estufa provocado pelos seres humanos tem o potencial de acarretar a maior onda de extinções da história da Terra – e levar junto seus causadores.
“Estados prolongados de aquecimento da Terra pelo efeito estufa ocorreram no passado, mas as taxas de mudança climática no registro geológico como um todo são muito provavelmente mais lentas do que as que estamos vivendo hoje”, escreveram Gavin Foster, da Universidade de Southampton, e seus colegas Dana Royer (Wesleyan University, nos Estados Unidos) e Daniel Lund (Universidade de Bristol) no artigo, publicado no periódico Nature Communications.
Em sua pesquisa, o trio compilou 1.500 estimativas de concentrações de CO2 publicadas em 112 estudos. O objetivo foi responder a uma pergunta que perturba os cientistas: por que as temperaturas da Terra têm se mantido mais ou menos estáveis nos últimos 420 milhões de anos, apesar de o planeta receber cada vez mais radiação solar?
Os cientistas sabem que a quantidade total de energia que o Sol despacha para a Terra cresceu nos últimos 4,6 bilhões de anos. Isso acontece por causa do próprio ciclo de vida da nossa estrela: à medida que envelheceu, o Sol em geral aumentou sua luminosidade. Salvo por variações astronômicas nas eras glaciais, o planeta recebe mais energia.
Tal aumento progressivo deveria ter causado também variações brutais na temperatura de superfície da Terra. Mas isso não ocorreu. Por quê? A resposta, segundo Foster, Royer e Lund, está sobretudo na biosfera. A expansão das florestas, aliada ao processo natural de dissolução de rochas vulcânicas (que forma o carbonato de cálcio que acaba nos oceanos em forma de calcário das conchas dos microrganismos marinhos), retirou CO2 da atmosfera e impediu que um efeito estufa descontrolado se somasse à radiação solar adicional, tornando o planeta inabitável.
Só que, nos últimos 250 anos, a humanidade tem se empenhado em devolver esse carbono estocado para a atmosfera, seja queimando as antigas florestas (que hoje formam o carvão mineral) para gerar eletricidade, seja torrando os microrganismos marinhos (o petróleo) para abastecer carros e aviões.
Dada a conformação atual do planeta e do Sol, os pesquisadores advertem que o risco dessa exumação é alto – e potencialmente inédito na história da vida multicelular. Em parte, o novo estudo se reporta a uma realidade cada vez mais distante: após o Acordo de Paris, há um consenso crescente na sociedade global de que a maior parte das jazidas de combustíveis fósseis terá de ficar no subsolo. Sinal disso foi a decisão da União Europeia, anunciada nesta quarta-feira (05/04), de suspender a construção de novas usinas de energia a carvão a partir de 2020.
No entanto, dados os planos do presidente americano, Donald Trump, de ressuscitar o carvão em seu país, e sua aparente inclinação por explorar até a última gota de petróleo, a prudência manda não descartar o cenário de apocalipse carbônico.
*Texto publicado originalmente em 05/04/2017 no site do Observatório do Clima
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