Pesquisadores dos Estados Unidos e da China estabeleceram uma conexão direta entre o superfuracão Harvey, que despejou o maior volume de chuva já visto na história americana, e o aquecimento recorde da água do Golfo do México em agosto de 2017, quando a tormenta tocou terra.
Em análise inédida, publicada na quinta-feira (10/05), os cientistas mediram o calor acumulado na superfície do mar antes e depois de Harvey. E descobriram que a energia que ele sugou das águas do golfo foi equivalente à despejada em forma de chuva sobre o estado do Texas.
Harvey foi o primeiro superfuracão da temporada de 2017, a mais intensa de que se tem registro no Caribe em toda a história, com dez furacões. Em 24 de agosto ele se transformou em um furacão de categoria 4, que ficou dias estacionado sobre o Texas e lançou 1.500 milímetros de chuva sobre algumas regiões do estado em menos de uma semana (para comparação, na cidade de São Paulo chove 1.600 milímetros em um ano).
Como a tempestade ocorreu isolada – não havia nenhum outro ciclone na região quando ele se formou –, foi possível obter dados de “antes e depois” e saber como esse monstro mudou o balanço energético de todo o Caribe.
Furacões tiram seu “combustível” da água quente do mar nos trópicos. O ar úmido com a água evaporada forma as nuvens de tempestade que compõem o ciclone tropical. Quanto mais quente a água, maior o poder de um furacão. Daí os cientistas acharem que o aquecimento global está aumentando a intensidade dessas tormentas. Em média, no planeta, a temperatura da superfície do oceano já esquentou 0,6oC, com um aumento de umidade do ar correspondente da ordem de 5% a 15%. O calor contido no oceano, que causa a evaporação, triplicou no planeta desde os anos 1980. Segundo o estudo de Trenberth e colegas, publicado no periódico Earth’s Future, essa tendência é “indubitavelmente” causada pelo aquecimento global.
Para que um ciclone se forme, é preciso que a temperatura da água seja igual ou superior a 26oC. Em agosto de 2017, antes de Harvey nascer, a água do Golfo estava a 30oC, e o teor de calor nos primeiros 160 metros da superfície oceânica era o mais alto da história, afirmam Kevin Trenberth, da Universidade do Colorado, e colegas.
Essa quantidade de combustível foi o que tornou Harvey tão grande. E também explica por que ele não perdeu força imediatamente após atingir o continente, como acontece normalmente com furacões: uma parte do ciclone continuou sobre o mar, sugando vapor da água e despejando-o sobre o Texas, como se fosse uma enorme mangueira.
Uma das coisas que os furacões fazem é resfriar o oceano, já que tragam a água mais quente da superfície e permitem que a mais fria suba à superfície. As medições antes e depois mostram que Harvey também fez isso. Só que o oceano estava tão quente no verão boreal do ano passado que a temperatura da água após a passagem do furacão permaneceu ainda muito quente, a 28,5oC. Isso deu combustível de sobra para os dois furacões de categoria 5 que se sucederam a Harvey, Irma e Maria, que causaram ampla devastação na Flórida e no Caribe.
“O Harvey não poderia ter produzido tanta chuva na ausência de mudança climática induzida pelos humanos”, escreveram os autores.
*Texto publicado originalmente em 11/05/2018 no site do Observatório do Clima
Foto: Jill Carson/Creative Commons/Flickr