
A maior parte de nossos rios – pelo Brasil afora, principalmente nas grandes cidades – está enterrada, coberta pelo asfalto. Corre em galerias muitas vezes transformadas em esgotos e no caminho para resíduos jogados nas ruas, que poluem suas águas e chegam aos oceanos.
Iniciativas como Rios e Ruas, em São Paulo – que está completando 11 anos! – ajudam nessa conscientização e são vitais para a transformação de hábitos e a educação ambiental, e precisam ser replicadas pelo país. Escrevi sobre eles
Mas é inacreditável que, com tanta informação disponível, ainda hoje se descarte resíduos nas ruas sem nenhuma responsabilidade.
Projeto inspirador
Com base nessa realidade e visando a proteção do rio Formoso e seus afluentes – que é um dos principais atrativos turísticos da cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul -, o Instituto das Águas da Serra da Bodoquena (IASB) lançou, no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o piloto do projeto Bueiro Ecológico, que pode inspirar outras cidades pelo Brasil.
Vale destacar aqui que Bonito é conhecida mundialmente como polo do ecoturismo em Mato Grosso do Sul e já recebeu diversos prêmios por isso. O rio Formoso, famoso por favorecer a prática da canoagem, integra o parque ecológico que leva seu nome, está inserido em região próxima do centro da cidade.
O projeto Bueiro Ecológico tem por objetivo não só ajudar a preservar o rio Formoso e seus afluentes, como também conscientizar a população a respeito do descarte de resíduos.
Tornou-se possível graças ao apoio da prefeitura (representada por suas secretarias de meio ambiente e obras) e às parcerias de artistas e de empresas locais.
O rio como sinal de vida
O bueiro escolhido para o lançamento do projeto fica na região central da cidade – onde há bastante visibilidade – e ganhou três cestos de metal para conter os resíduos (foto abaixo), além de uma sinalização especial que chama a atenção de quem por ali passa.
Os cestos foram produzidos a partir da reciclagem de resíduos de uma empresa de mineração, que já se comprometeu em continuar fornecendo os cestos para os próximos bueiros.

O bueiro recebeu a interferência criativa de uma dupla de artistas (pai e filho, da empresa Duudoor), em tons de azul – que remetem a água – e exibe a frase O rio Formoso começa aqui.
E, por isso, o bueiro já virou atração na cidade: “Ele chama muito a atenção. Muitos moradores gostaram tanto da iniciativa e do resultado visual que fotografaram o bueiro para publicar em suas redes sociais”, conta Liliane Lacerda, diretora executiva da organização.

Liliane explica que “a nascente do Formoso obviamente não fica no local onde está o bueiro, mas “a frase de impacto foi propositalmente colocada como forma de educação ambiental“. E acrescenta:
“Qualquer pessoa que passa por aqui e lê essa frase pode adquirir consciência de que a água que passa pelas grades do bueiro vai parar no rio. Acreditamos que ela vai ter um bom efeito e muita gente vai pensar duas vezes antes de jogar lixo no chão”.
A executiva destaca que boa parte da população não tem noção de seu impacto ao descartar resíduos indevidamente, por isso, o “cunho educativo do projeto” é seu fio condutor.
Próximos passos

Em três dias, já foi possível sentir o impacto da iniciativa, não só pela reação dos moradores, como contei acima, mas também pelo resultado prático – “choveu e os cestos já impediram que resíduos fossem enviados para o rio” (foto acima), conta a diretora do instituto.
Ontem, segunda-feira, diversas empresas procuraram o instituto interessadas em apoiar o Bueiro Ecológico financeiramente, o que pode ajudar a acelerar a instalação dos próximos pela cidade, mais rápido do que pensado inicialmente.
“Já listamos seis empresas que querem pagar os custos do projeto, o que pode viabilizar a instalação de mais bueiros”, conta Liliane entusiasmada com a repercussão. “Como a empresa de mineração doará os cestos, o custo, na verdade, se refere à instalação, à tinta e ao trabalho dos artistas”, explica Liliane.
Ela acrescenta que a escolha deste primeiro bueiro também se deve à facilidade de instalação dos cestos, contemplados pelo projeto original. Mas que será necessário adaptar a ideia a outros bueiros.
“Não existe uma padronização dos bueiros na cidade. Alguns tiveram suas tampas lacradas pela invasão do asfalto nas bordas, outros são muito profundos, outros mais rasos… Pedimos à prefeitura que faça um levantamento de todos os bueiros para identificarmos os que têm características parecidas com este primeiro, para prosseguirmos, e depois adaptaremos o projeto aos demais”, destaca.
Tomara que a iniciativa seja bem sucedida, ajude as pessoas a compreenderem melhor como deve ser feito o descarte de qualquer resíduo – que não existe “jogar fora” – e seja copiada pelo país. A julgar pela repercussão alcançada em apenas três dias, creio que não tem como não dar certo.
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Foto (destaque): Liliane Lacerda, Divulgação/IASB