Apenas o cumprimento da promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030 daria ao Brasil a chance de ter uma meta de corte de emissões de gases de efeito estufa quase duas vezes mais ambiciosa que a atual.
Os dados vêm do 11º relatório do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima (OC), lançado hoje (23/11), em Brasília: Análise das Emissões de GEE e suas implicações para as Metas Climáticas do Brasil: 1999 a 2022.
A 11a edição do SEEG mostra que o Brasil teve queda de 8% nas emissões brutas de gases de efeito estufa em 2022. Ela foi puxada pela redução da taxa de desmatamento na Amazônia no ano passado e por chuvas abundantes que causaram uma redução recorde no acionamento de termelétricas fósseis. Com isso, o país sai de 2,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) em 2021 para 2,3 GtCO2e em 2022.
Considerando as emissões líquidas (que levam em conta as remoções de carbono por florestas secundárias, unidades de conservação e terras indígenas), a queda é de 11%, de 1,9 GtCO2e para 1,7 GtCO2e no mesmo período.
O OC prefere falar em emissões brutas, que representam o que o país de fato lança na atmosfera. No entanto, como o governo federal usa as emissões líquidas para reporte à Convenção do Clima da ONU, são estas que embasam as análises do SEEG do cumprimento da NDC, a meta do Brasil no Acordo de Paris.
País pode e precisa liderar
Em 3 de novembro, o governo federal depositou junto à convenção uma aguardada atualização da NDC, desfazendo a “pedalada de carbono” dos anos Bolsonaro e se comprometendo com dois limites absolutos de emissões líquidas: 1,3 GtCO2e em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030 (saiba mais: Conciliação entre jovens e governo encerra embate sobre ‘pedalada’ climática de 2020, ‘herança’ de Bolsonaro).
A equipe do SEEG analisou as perspectivas de cumprimento das metas com base no histórico de emissões de 1990 a 2022 e concluiu que ambas estão ao alcance: a meta de 2025 seria atingida com uma redução de 33% na taxa de desmatamento na Amazônia nos próximos dois anos – num cenário conservador, no qual as emissões dos outros setores permanecem aproximadamente constantes; e a de 2030 poderia ser excedida em muito, caso o governo cumpra a promessa de Lula de zerar o desmatamento.
Neste caso, as emissões líquidas em 2030 seriam de 685 milhões de toneladas, um número 43% menor do que a meta atual, de 1,2 bilhão de toneladas.
“O que os dados do SEEG mostram é que há muito espaço para aumento da ambição climática do Brasil. E, se o governo estiver falando sério sobre ser o grande defensor da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC acima da média pré-industrial, terá de aumentar a ambição da NDC atual já para 2030, como todos os grandes emissores precisam fazer”, disse David Tsai, coordenador do SEEG.
Em 2020, o Observatório do Clima havia lançado uma proposta de NDC para o Brasil que propunha um teto de emissões líquidas em 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente. A proposta incluía, além do desmatamento zero, ações mais ambiciosas de corte de emissões no setor de agropecuária, como a extensão do Programa ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) a todo o Plano Safra e substituição de termelétricas fósseis, além do aumento da recuperação florestal – em parte consequência do fim do desmatamento –, que aumentaria as remoções.
“Os cenários traçados pelo SEEG nesta edição são bastante conservadores. Mas apontam na direção do que o Brasil pode e precisa fazer para liderar pelo exemplo, tanto à frente do G20 quanto como presidente da COP30, em Belém, em2025”, declara Marcio Astrini, secretário-executivo do OC.
“Os extremos catastróficos do ano de 2023 mostraram ao mundo o que é a vida acima de 1,5oC e deixaram claro que ninguém quer isso”, completa.
Subidas e descidas por setor
O SEEG mostrou panorama diversificado das emissões dos diferentes setores da economia em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro.
Na agropecuária houve aumento recorde de 3%, o maior desde 2003, puxado por um aumento do rebanho bovino. “Mesmo com a queda do consumo de fertilizantes, que reduziu as emissões na agricultura, tivemos essa elevação na pecuária que trouxe todo o setor para cima”, afirma Gabriel Quintana, do Imaflora.
A agropecuária foi o segundo setor mais emissor da economia brasileira no ano passado, com 617 MtCO2e, ou 27% das emissões brutas nacionais.
O setor de energia teve queda expressiva de 5%, que resultou principalmente da redução na geração termelétrica por conta das chuvas do ano passado, que levaram à maior queda da geração termelétrica da série histórica – 49% -, enquanto a geração hidrelétrica cresceu 18%.
“Somente essas condições climáticas fizeram com que o Brasil reduzisse o equivalente a 36 milhões de toneladas, ou um Uruguai, na geração de eletricidade. Isso compensou em parte o aumento das emissões dos transportes, que são o maior consumidor de combustíveis fósseis da matriz brasileira”, conta Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, organização responsável pelas contas do setor.
Juntamente com processos industriais e uso de produtos, que também apresentou queda (de 6%), o setor de energia respondeu por 21% das emissões nacionais brutas.
O setor de mudança de uso da terra continua detendo a fatia do leão das emissões nacionais: 48% em 2022, ou 1,12 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente.
A esmagadora maioria desse total, 837 milhões de toneladas, veio do desmatamento na Amazônia, que, apesar da antipolítica ambiental do governo passado, caiu 11% em 2022 (ao todo, o desmatamento entre 2019 e 2022 cresceu 60% em comparação com os quatro anos anteriores, a maior alta percentual em um mandato desde o início das medições). No Cerrado, porém, as emissões por desmatamento cresceram 13%, para 159 milhões de toneladas.
“O desmatamento na Amazônia, infelizmente, ainda é o botão de volume das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. O novo governo tem agido para reduzir esse volume, o que tem surtido efeito na Amazônia, mas vai ser preciso continuar esse esforço de comando e controle e políticas de incentivo à economia sustentável para levá-lo a zero, como prometeu o presidente, assim como incluir outros biomas nessa tendência”, destaca Bárbara Zimbres, do Ipam.
O setor de resíduos, cujas emissões aumentam ano a ano acompanhando a população brasileira, teve uma oscilação para baixo pela primeira vez no ano passado, de quase 1%. Isso se deveu ao aumento da recuperação de metano para gerar energia em aterros sanitários, mas também a um fator prosaico: a queda da população brasileira no último Censo do IBGE. No ano passado, esse setor representou 4% das emissões brutas totais do Brasil.
“Em 2022 tivemos pela primeira vez uma redução nas emissões por resíduos sólidos. É um indicativo de que no Brasil também é possível dispor e destinar de forma ambientalmente adequada o lixo e ainda mitigar as emissões de gases de efeito estufa, como nospaíses desenvolvidos”, disse Iris Coluna, do ICLEI.
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* Este texto foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima em 23/11/2023
Foto: Vinícius Mendonça/Ibama