Para felicidade dos usuários do trecho entre Aquidauana e Corumbá da BR-262, no Mato Grosso do Sul, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) anunciou a aprovação da implementação do Plano de Mitigação de Atropelamentos de Fauna e Incremento de Conectividade, que além de proteger os animais, promove a segurança de motoristas e passageiros.
Conhecida como ‘rodovia da morte’ devido à frequência de acidentes com animais e vítimas fatais, a BR-262 é uma estrada com alto número de colisões veiculares porque cruza o Pantanal numa área de rica biodiversidade.
Em três anos de monitoramento (2017 a 2020), o ICAS – Instituto de Conservacao de Animais Silvestres registrou 6.650 animais mortos por colisões veiculares, ou seja, uma média de 2,3 mil/ano. E Arnaud Desbiez, presidente do ICAS, acrescenta: “No ano passado, realizamos mais um monitoramento que chegou a mais de três mil animais mortos por atropelamento. Esse aumento se deveu à seca do rio Paraguai, que provocou o deslocamento dos animais, e o maior fluxo de caminhões”.
“Essa rodovia é histórica! O ecólogo Wagner Fischer realizou um dos primeiros trabalhos de ecologia de estradas nessa rodovia. Desde os anos 90 são registradas mortes de animais na BR-262! E os números não param de crescer”, completa.
Desenvolvido pela Via Fauna, empresa de consultoria técnica especializada em ecologia de estradas e contratada pelo DNIT, o plano contou com a colaboração do ICAS, que, como contei acima, já realizou outros monitoramentos, mas, desde 2013, atua no trecho Aquidauana-Corumbá com o Projeto Bandeiras & Rodovias.
Durante um ano – entre dezembro de 2020 e novembro de 2021 -, a Via Fauna monitorou, de forma intensiva, a fauna atropelada da BR-262, incluindo levantamento detalhado dos hotspots ou áreas com maior concentração de acidentes envolvendo animais. Para incrementar as análises dos pontos críticos da rodovia, também utilizou dados do ICAS.
A consultoria, então, elaborou o plano apresentado, que propõe o cercamento de trechos estratégicos da estrada e a adaptação ou instalação de passagens de fauna nos pontos de maior risco para a travessia dos animais.
Essas passagens serão subterrâneas ou aéreas como as pontes de dossel do Projeto Reconecta, da bióloga premiada Fernanda Abra, sobre as quais contei aqui, recentemente.
Segundo o pesquisador do ICAS, tais intervenções ajudam a minimizar a “interação” direta entre fauna e veículos, preservando a biodiversidade local e reduzindo o risco de acidentes“. A adaptação de estruturas já existentes na rodovia, como pontes e passagens de gado, e a instalação de novas passagens exclusivas para animais arborícolas” [como tamanduá-mirim e preguiça] “e de grande porte como tamanduá-bandeira, anta e cervo-do-Pantanal, são essenciais para reduzir o impacto da rodovia na fauna local”.
Entre as medidas mitigatórias propostas, ele destaca o cercamento para conduzir os animais a usarem passagens de fauna. “Nossos dados mostram que, os tamanduás-bandeira, por exemplo, mesmo quando há passagens de fauna, as utilizam apenas para 1% de suas travessias. Se não tem uma cerca que os leve até lá, eles acabam não usando e podem morrer. Então, o cercamento é muito importante para guiar os animais”, completa o pesquisador.
Rodovia perigosa
O trabalho de monitoramento realizado pelo ICAS no ano passado incluiu entrevistas com caminhoneiros. E eles foram unanimes: a BR-262 é uma rodovia que dá muito medo, que é perigosa, eles têm consciência disso. “Mas, uma vez que o animal passa na sua frente, não há muito o que fazer”, explica Desbiez. “Os motoristas podem segurar o volante e esperar pra não morrer, mas frear ou desviar pode ser ainda mais perigoso”.
Não é só perigoso para os animais – a maior parte deles está sob ameaça de extinção – como para as pessoas que circulam por essa rodovia. Imagine atropelar animais de grande porte como um cervo-do-Pantanal, uma anta, uma capivara, um tamanduá-bandeira ou um tatu-canastra!
“Infelizmente, durante nossos monitoramentos, registramos animais extremamente raros: gato palheiro, cachorro vinagre, lontras, iraras. São animais que muita gente nunca viu na vida! Eu nunca vi em vida livre, só atropelados”, lamenta.
Marco para a conservação e a segurança viária
A comunidade local e os usuários da rodovia também têm papel crucial para o sucesso do plano de mitigação da Via Fauna, encomendado pelo DNIT. “É importante que todos compreendam o propósito das estruturas e colaborem com sua preservação”, ressalta Desbiez.
A aprovação do Plano de Mitigação representa um marco significativo para a proteção da fauna e a segurança viária no Pantanal, sinalizando avanços na gestão responsável de rodovias, integrando ciência e conservação ambiental em projetos de infraestrutura. No mínimo, esta iniciativa deveria servir de modelo para outras rodovias federais e estaduais que cruzam áreas de relevância para a biodiversidade.
“O plano é supercompleto, super bem-feito. Estamos muito felizes com essa notícia. Traz um pouco de esperança. Mas a felicidade, mesmo, vai ser quando a gente vir a obra começar, de verdade”, finaliza Desbiez.
E quando começam as obras?
A partir da aprovação do plano anunciada, a próxima fase de trabalho do DNIT envolve o lançamento de editais específicos para a instalação das estruturas. Nessa fase, empresas especializadas se inscreverão para concorrer à execução dos serviços e, assim que os contratos forem assinados, devem ser iniciadas as obras.
Procurei o DNIT para saber detalhes da implantação do plano, mas preciso aguardar. “Está na área técnica. Em breve enviaremos uma resposta”, escreveu sua assessoria de imprensa por e-mail. Assim que tiver retorno das minhas questões, complementarei esta reportagem.
E assim que tiver retorno da Via Fauna, incluirei mais informações sobre o plano também.
A seguir, assista à entrevista que Arnaud Desbiez deu para a TV Morena sobre o plano de mitigação da Via Fauna, aprovado pelo DNIT:
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Foto: Mario Alves/ICAS/divulgação