Durante os quase sete meses de exibição da novela Pantanal, na TV, o bioma e sua rica biodiversidade conquistaram espaço na vida e no coração dos brasileiros. Animais icônicos como a onça-pintada e a sucuri protagonizaram lendas. A primeira com Maria e Juma Marruá, e a segunda com o ‘véio do rio’.
Neste caso, ficou claro – apesar do final trágico do vilão da trama – que sucuri não come gente, como se teme ainda. Ela vê o ser humano como predador, não como presa. Claro que, numa situação em que o animal se sinta muito ameaçado, pode acontecer um ataque, mas é muito raro.
O que essa serpente gosta mesmo de comer, em específico no Pantanal, são peixes, aves e répteis – entre estes, os jacarés -, e alguns mamíferos. Mas não é muito comum avistar sucuris em expedições por aquelas bandas, imagina então, predando um animal.
Pois foi uma cena rara assim que o biólogo e guia Fábio Paschoal presenciou, na companhia de um grupo de fotógrafos, enquanto fazia uma caminhada pelos arredores da sede principal do Refúgio Ecológico Caimann. Passando pela Ponte do Paizinho, eles avistaram a “luta” entre uma sucuri e um peixe cascudo, que já era motivo de observação de outro grupo, há algum tempo.
Um dia de sorte para os visitantes, mas não para os dois animais.
“Ficamos cerca de trinta minutos observando [fotografando e filmando] a sucuri, que insistia em engolir o enorme cascudo. Ele era muito grande!”, explicou Paschoal.
No vídeo sensacional feito pelo biólogo – que você pode assistir no final deste post – parecia óbvio que ela não conseguiria. Segurando o peixe com a grande boca, ela tentava empurrá-lo mais para dentro da “garganta”, ao mesmo tempo em que mexia e enroscava o corpo longo.
“Quem acompanhou a cena desde o princípio, disse que a tentativa da sucuri durou horas”, contou Fábio. “Foram horas de esforço”, revelou a pousada em seu Instagram: “Mas a cabeça do animal era muito grande e a sucuri-amarela acabou desistindo. Espetáculo!”.
Quando isso aconteceu, já era tarde demais para o peixe, que não resistiu à investida da sucuri e logo morreu. E depois de muita insistência, a sucuri o soltou para não morrer. “Serpentes muitas vezes ‘erram’ ao dimensionar suas presas. Daí acabam regurgitando para não morrer”, explica José Sabino, biólogo, doutor em Ecologia e mestre em Zoologia, especialista em peixes, que acrescenta:
“Seria incorreto dizer que ela morreria asfixiada porque as cobras têm a traqueia adaptada para respirar enquanto se alimentam. O órgão permite a passagem de ar de uma forma muito especial. O que pode matar é o risco de ferimentos pelos acúleos (espinhos) ou de intoxicação por substâncias liberadas pela presa recém-ingerida”.
Para Fábio foi bom ela soltar a presa: “Perdeu a comida, mas o cascudo era muito grande e tinha um ferrão na barbatana que poderia machucá-la por dentro”. Sabino explica:
“O cascudo é coberto por placas ósseas (que formam uma espécie de escudo protetor). Além disso, tem espinhos fortes e serrilhados nas nadadeiras que ajudam na proteção contra predadores, mas iIsso não deixa o cascudo imune à predação. Quando os espinhos ficam “armados” (eriçados é o termo correto) fica ainda mais difícil de engolir o peixe”.
E o especialista continua: “Repare que a sucuri tenta engolir o peixe pela cabeça e esse sentido faz com que os espinhos sejam abaixados, uma vez que eles se articulam na base e se abaixam quando pressionados da frente para trás”.
O episódio aconteceu em 16 de outubro, “no início da temporada de chuvas, que, este ano, começaram mais cedo, em meados de setembro”, finaliza o guia. “Ainda bem! Estávamos passando por uma seca bem severa. E, por isso, já tinha muita água correndo por baixo da ponte e pudemos avistar a sucuri”. E acrescentou: “Foi um clássico caso de olho maior que a boca”.
A seguir, assista à gravação. Depois, dê uma espiada em outro flagra bacana e raro que o biólogo – e também um super fotógrafo = registrou em agosto deste ano, também no Pantanal.
Foto (destaque): reprodução do vídeo de autoria de Fábio Paschoal