O sociólogo mineiro Herbert de Souza, o Betinho, tornou-se um símbolo de cidadania por seu compromisso em prol de causas de impacto social e nacional durante as décadas de 70 a 90.
Ele esteve à frente da Campanha Nacional pela Reforma Agrária. Lutou pela conscientização e combate contra a Aids – era hemofílico e morreu da doença, que contraiu durante sessão de hemodiálise -, e fundou a ABIA – Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids.
Também coordenou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, uma organização não-governamental fundada em 1993 a partir do Movimento pela Ética na Política, que se transformou num dos movimentos sociais mais reconhecidos do país.
É de Betinho a frase cortante que entrou para a nossa história: “Quem tem fome tem pressa”. Naquela época, o país tinha um contingente de 32 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Hoje, sob o governo de Bolsonaro, temos 33 milhões de famintos e 116 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar.
Com certeza, a presença de Betinho neste momento nos ajudaria na recuperação social da qual tanto o país precisa. Mas ele deixou um legado imenso e muitas sementes.
É o que revela o documentário Betinho: 70 anos, dirigido por César Mendes e produzido pela TV Senado, que será exibido em 28 de agosto, às 23h, pelo SescTV, online e gratuito, neste link.
O filme celebra a trajetória do sociólogo por meio dos depoimentos carinhosos e emocionados de amigos, artistas e companheiros de lutas que mantêm seu legado vivo. Lá estão a Maria Nakana, a viúva de Betinho, a atriz Letícia Sabatella, o ator Paulo Betti, o pintor Siron Franco, o cantor e compositor Gilberto Gil, além de Cândido Gryzibowski e Dulce Pandolfi, diretores do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), que ele ajudou a fundar em 1981, dois anos após voltar do exílio, ainda sob a ditadura.
Betinho nasceu em 3 de novembro de 1935 na cidade mineira de Bocaiúva. Formou-se em Sociologia e Política de Administração Pública pela Universidade de Minas Gerais. Entre seus grandes legados está o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), instituição criada para analisar as realidades sociais, econômicas e políticas do Brasil.
“Ele era puro amor. Compreensão e amor”
A seguir, destaco trechos de alguns depoimentos que fazem parte do documentário e vale muito ouvir e anotar:
“Pra mim, Betinho era um ídolo, assim como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso”, declara Paulo Betti logo no início da obra. “Ele simboliza na sua própria dimensão física as fragilidades do homem para as quais deveríamos dar atenção até porque, muitas delas eram resultado dos grandes déficits sociais e políticos”, destaca Gil.
“Betinho era puro amor no primeiro contato, no contato pessoal. Compreensão e amor”, define Leticia Sabatella. “Ele tinha uma dimensão mística, mesmo, no exercício da cidadania”. E pelo coração ele pegava todo mundo”, arremata a publicitária ativista Nádia Rebouças.
“Ele viveu no fio da navalha, mas certamente viveu mais do que nós todos porque viveu intensamente cada momento da sua vida. Pra ele não havia um momento mais importante e outro menos”, conta Cândido Gryzibowski.
“A convivência que ele tinha com a dor e com a morte, o conhecimento disso, ele falava assim: ‘A única diferença entre eu e quem não passa pelo que eu to passando é que eu sei que eu vou morrer. A gente esquece, mas eu não tenho como esquecer'”, lembra Sabatella.
“Em vez de se colocar como vítima, ele se colocava como uma pessoa que vai morrer e que tem pressa. Tem pressa pra que? Pra mudar o mundo, pra melhorar sua vida, pra ajudar os outros, pra lutar, que o Brasil consiga combater a Aids”, explica Dulce Pandolfi
“Hoje se nós temos um dos programas mais avançados no mundo de apoio aos portadores de HIV/Aids, considerado exemplar – estamos em declínio da doença – se deve à luta do Betinho. Ele deu a imagem dele para a causa!”, destaca Gryzibowski. E Ayrton Fausto, diretor da FLACSO Brasil, acrescenta: “Betinho reciclou a convivência permanente dele com a morte”.
“A Aids deixou de ser a morte e passou a ser algo com o que a gente pode conviver. Que nao encerra o ciclo da vida e não inaugura necessariamente o ciclo da morte. A Aids é uma doença que deve e pode ser tratada”, esclareceu Betinho.
“A sociedade perdeu a noção de si mesma
O filme é muito comovente e amoroso. A vida de Betinho, uma lição, inspiração para o que vivemos neste país com o governo de Bolsonaro. É muita sincronicidade – também um presente – ele ser exibido agora, de forma tão democrática.
Se Betinho estivesse aqui, com certeza estaria lutando para tirar as pessoas da rua, da miséria e ajudando a aliviar sua dor e fome. E veja! Até parece que ele fez esta declaração hoje:
“O escândalo maior que o Brasil vive nos dias de hoje, é a existência de crianças dormindo nas ruas. Isso é a prova maior de que a sociedade perdeu a noção de si mesma e do que significa a vida humana. Por outro lado, deixar uma criança dormindo na rua é a prova maior de covardia de que esta sociedade é capaz. E o incrível é o seguinte: ninguém, neste caso, está isento de culpa. Nós deixamos estas crianças dormindo nas ruas”.
Termino este texto com uma outra frase contundente dita por Betinho, da qual a amiga Nádia Rebouças lembrou bem, em seu depoimento: “Quando falta comida é porque falta todo o resto”.
Não deixe de assistir e de compartilhar com familiares e amigos:
‘BETINHO, 70 ANOS’
28 de agosto, às 23h
no SescTV.
Foto: Reprodução do filme