O beija-flor preto de cauda branca (Florisuga fusca) é comum em áreas montanhosas da Mata Atlântica (Brasil), no Uruguai e na Argentina e o único a apresentar uma peculiaridade que encanta e intriga pesquisadores: seu canto extremamente agudo – ultrassónico – atinge frequências sonoras que superam a voz humana mais aguda (soprano) e não pode ser ouvido por outras espécies de aves.
É interessante notar que, tal frequência sonora, é comum em mamíferos como morcegos, baleias e golfinhos, mas não em aves.
Essa característica foi observada nessa espécie de beija-flor, pela primeira vez e meio por acaso, nos anos 70, na reserva do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), em Santa Teresa, no Espírito Santo – conhecida como terra dos colibris devido à abundância de beija-flores -, pelo naturalista Augusto Ruschi (1915-1986), fundador do parque e estudioso dessas aves e de orquídeas.
Ao observar a ave cantando, o cientista pensou que não era capaz de ouvi-la devido à perda de audição que o acometia, e foi assim que registrou o encontro com a espécie em suas anotações de campo. O que ele não imaginava é que, na verdade, era impossível escutar seu canto.
Depois disso, vieram relatos esporádicos de cientistas que observaram o Florisuga ao produzir sons muito agudos ou fazer movimentos típicos de vocalização com as mandíbulas, sem (aparentemente) produzir som.
Desde 2015, pesquisadores de instituições americanas e brasileiras – Rockfeller University, Universidade do Arizona, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte (PUC-BH) -, liderados pelo neurocientista brasileiro Claudio Vianna Mello, professor da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon (EUA), se dedicam a estudar a espécie.

Em 2018, eles observaram cerca de 50 indivíduos nas matas de Santa Teresa e fizeram 887 registros sonoros. A conclusão das pesquisas foi divulgada em artigo publicado na revista científica Current Biology.
O beija-flor preto produz sons acima de 10 kHz (até 14 kHz), o que é considerado bastante elevado, e pode escutar na mesma frequência. A maioria das aves canta na frequência que vai de 0,5 a 6 kHz, sendo a média de 2 a 3 kHz. E vai de 0,2 a 20 kHz a frequência considerada audível para o ouvido humano.
Os indivíduos observados durante a pesquisa cantaram numa frequência média de 11,8 kHz. Deu pra entender a potência do canto do Florisuga?
Pesquisas recentes
A continuidade das pesquisas foi interrompida pela pandemia. Mello contou à reportagem da Folha de SP que recebeu uma bolsa da National Geographic Society para realizar uma nova expedição ao Brasil em 2020, que só foi possível em outubro de 2022.
Após observarem 40 aves, puderam confirmar que a frequência sonora ultrassônica é rara entre as aves e apresentada, no país, apenas pelo beija-flor preto. E ainda suspeitam que a espécie adote essa técnica para fugir das “competições sinfônicas” de outras aves.
“Quando voltamos com equipamentos especializados para captar ultrassom, comprovamos o que já havíamos constatado: que eles cantam em uma faixa que, em geral, outras aves não vão ouvir. E isso pode ser interessante, eles podem ocupar uma faixa em que a comunicação deles não é interrompida”, contou o neurocientista.
Outra informação obtida com essa nova investigação foi que a frequência mais alta (14 khz), “viaja” em ondas mais curtas, o que indica que os indivíduos dessa espécie se comunicam em curtas distâncias.
“Estamos analisando agora os dados coletados para obter a resposta de qual a distância em que o canto chega e, também, se os filhotes conseguem ouvir os pais”. E ele acrescenta: “O aprendizado vocal implica que o filhote de dentro do ninho ouça o canto do adulto e imite o canto, então é extremamente importante entender se eles conseguem ouvir os pais”.
Mello explicou à reportagem da Folha que há poucos dados na literatura científica sobre o aprendizado em beija-flores, por isso, a pesquisa ainda deve ser testada, o que inclui tocar as gravações feitas em outras matas onde vive a espécie, para identificar se esse ensinamento – referente à vocalização – é passado adiante, de geração em geração.
Parcerias
A pesquisa do grupo liderado pelo neurocientista ainda contempla o estudo da anatomia interna do Florisuga: o objetivo é analisar possíveis adaptações nas cordas vocais do beija-flor e em seu ouvido interno.
Os pesquisadores ainda querem focar em projetos de longo prazo e aguardam uma parceria com o INMA (Instituto Nacional da Mata Atlântica) para dar início ao estudo da ecologia da espécie, “que é realmente única”, enfatiza Mello.
Ele ainda destaca que, a pesquisa sobre o beija-flor preto, conhecemos minimamente a biodiversidade brasileira, em especial, a da Mata Atlântica, que tem sido um dos biomas mais afetados pela devastação nos últimos 40 anos.
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Fontes: Folha de SP e Revista Fapesp
Foto (destaque): Dario Sanches/Wikipedia (sob licença CC BY-SA 2.0)
Já pensou ter um desses beija-flor perto de sua casa? E acordar com um soprano? Divino!
Amei a reportagem. Amo beija-flor. Tenho a anos bebedouros e estes me visitam bem sedo. Com um chamado único. São menos medrosos do que de outras espécies. Não são intimidados com minha presença. As visitas mais frequentes em meados de maio. Meses mais frescos acredito.