Por Diego Freire*
A localização exata de grupos de oito espécies de árvores nativas da Mata Atlântica foi mapeada na reserva florestal de Santa Genebra, na região de Campinas (SP), por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para determinar a distribuição espacial de todas as 273 árvores mapeadas, os pesquisadores analisaram imagens aéreas feitas com tecnologia de sensoriamento remoto hiperespectral, que utiliza equipamentos capazes de “enxergar” além da luz visível ao olho humano e de formar imagens em alta resolução de todo o espectro eletromagnético, provendo detalhes sobre as propriedades físico-químicas dos materiais presentes na superfície observada, incluindo sua composição química ou bioquímica e sua morfologia.
“O levantamento de espécies arbóreas para mensuração da biodiversidade em florestas tropicais costuma ser feito por meio de trabalhos de campo, que são excessivamente dispendiosos e morosos. O mapeamento por meio de sensoriamento remoto reduz drasticamente os custos e o tempo do processo sem prejuízos à acurácia da identificação das espécies, facilitando o trabalho de conservação das árvores e da biodiversidade de toda a floresta, a começar pelo dossel florestal”, disse Matheus Pinheiro Ferreira, do Inpe, responsável pelo trabalho “Estudo da diversidade química e espectral de espécies arbóreas da Floresta Atlântica: implicações para o monitoramento por sensoriamento remoto“, realizado com apoio da FAPESP.
O dossel florestal é o estrato superior das florestas, formado pela copa das árvores e que guarda a maior biodiversidade do planeta, contendo até 65% das formas de vida das florestas tropicais, onde atinge de 30 a 60 m de altura.
A precisão do mapeamento da distribuição espacial de espécies arbóreas fornece informações valiosas para ecologistas e gestores florestais, que as utilizam, entre outros propósitos, para localização de árvores matrizes, em torno das quais são recolhidas sementes para o trabalho de restauração florestal. Das oito espécies mapeadas, três estão em risco de extinção: Aspidosperma polyneuron, a peroba-comum, muito utilizada em carpintaria, na fabricação, entre outros objetos, de vigas, tacos e móveis pesados;Cariniana legalis, a jequitibá-rosa, considerado a maior árvore nativa do Brasil, podendo atingir até 50 m de altura e um tronco com diâmetro de até 7 m; e Hymenaea courbaril, o jatobá, cuja madeira é, junto ao ipê e ao mogno, uma das mais valiosas e negociadas do mundo.
“São árvores de grande porte e ameaçadas de extinção principalmente por terem sido muito exploradas durante a ocupação desordenada da Mata Atlântica. Além disso, a diversidade genética dessas e de outras espécies está bastante comprometida porque, no passado, os indivíduos mais robustos, com maior diâmetro, foram os mais explorados, sobrando apenas os mais frágeis”, explica Ferreira.
Também foram mapeadas as espécies Astronium graveolens, conhecida como guaritá; Cecropia hololeuca, a embaúba-prateada, que cresce em locais já alterados, como clareiras, e é uma indicadora de alteração da floresta, ajudando na elaboração de índices de degradação da área; Diatenopteryx sorbifolia, a maria-preta, que forma maciços no interior da floresta; Croton piptocalyx, a caixeta, que apresenta rápido crescimento e, por isso, pode ser usada na restauração florestal, propiciando condições de sombreamento e biomassa necessários ao desenvolvimento de outras espécies; e Pachystroma longifolium, do tipo evergreen –que tem folhas durante todo o ano, sempre verdes.
De acordo com Ferreira, todas as espécies carecem de proteção porque a Mata de Santa Genebra, com área de 252 hectares, é uma das maiores matas urbanas do país. “Trata-se de uma importante ilha de vegetação para as cidades da região, mas vulnerável ao impacto da expansão urbana”, conta. Por conta disso, a mata foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc).
Variabilidade espectral da amostra
Os dados utilizados para identificar e mapear as espécies vieram de equipamentos que, durante sobrevoos de aeronaves onde são embarcados, medem a reflectância das folhas das árvores – a porcentagem de luz que atinge a superfície e é refletida por ela.
Um dos desafios, conta Ferreira, foi lidar com a variabilidade espectral das amostras, já que árvores de uma mesma espécie apresentam folhas em diferentes estágios do crescimento.
“O grau de exatidão da identificação de indivíduos está relacionado à variabilidade entre eles – quanto maiores as diferenças, menor é a acurácia ao se identificar uma árvore como sendo de determinada espécie. Como se trata de uma floresta estacional semidecidual – que ocupa ambientes que transitam entre a zona úmida costeira e o semiárido –, existem indivíduos que perdem as folhas totalmente, outros que perdem parte e, ainda, alguns que não as perdem. Dessa forma, dentro de uma mesma área pode haver diferentes proporções de folhas nas copas”, diz o pesquisador.
Dessa forma, um indivíduo que cresça na área com maior disponibilidade de água terá mais folhas, enquanto outro da mesma espécie, mas que cresceu na região mais seca, tende a perder as suas para poupar a água. Também a variabilidade entre as espécies teve impacto nos resultados do mapeamento: inicialmente, o nível de acurácia foi mais elevado entre indivíduos do jequitibá-rosa do que entre os da caixeta, que apresentam diferentes níveis de queda de folhas.
Para minimizar o prejuízo causado pela variabilidade entre espécies e indivíduos os pesquisadores utilizaram dados do infravermelho de ondas curtas, cuja sensibilidade é tão alta que possibilita a detecção de outros componentes das áreas observadas, como a concentração de água, nitrogênio e fósforo.
Os resultados da pesquisa são apresentados no artigo Mapping tree species in tropical seasonal semi-deciduous forests with hyperspectral and multispectral data, de Ferreira, Maciel Zortea, Daniel Capella Zanotta, Yosio Edemir Shimabukuro e Carlos Roberto de Souza Filho, publicado na revista Remote Sensing of Environment.
* Este texto foi publicado originalmente no site da Agência Fapesp em 6/7/2016
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Fotos: Domínio Público e Divulgação