PUBLICIDADE

Ararinhas-azuis em vida livre são capturadas para testagem de circovírus

Ararinhas-azuis em vida livre são capturadas para testagem de circovírus

O surto de circovírus identificado este ano no Criadouro Ararinha-azul em Curaçá, na Bahia, vem preocupando especialistas e autoridades ambientais no Brasil. O vírus, oriundo da Austrália, causa a doença do bico e das penas em psitacídeos – grupo de aves que inclui araras, papagaios e periquitos – podendo ser letal, além de não ter cura.

Para combater a disseminação do circovírus, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vem implementando uma série de medidas, incluindo a adoção de protocolos de biossegurança dentro do criadouro, a testagem dos animais em cativeiro e a coleta de amostras do ambiente para investigar a disseminação do vírus. Uma etapa fundamental no enfrentamento à crise sanitária é, também, a captura das onze ararinhas-azuis em vida livre para a realização de uma bateria de testes.

Contudo, conforme contamos nesta outra matéria, a equipe do ICMBio vem enfrentando resistência por parte do criadouro em seguir as orientações encaminhadas, principalmente no que se refere à captura dos animais de vida livre.

O criadouro é administrado pela empresa brasileira Criadouro Conservacionista Ararinha Azul (anteriormente identificada como BlueSky Caatinga), em parceria com a Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP, na sigla em inglês) com sede na Alemanha. Inicialmente, o ICMBio determinou a recaptura das ararinhas-azuis em vida livre, porém, o criadouro entrou com uma ação na justiça para suspender a determinação do órgão. Mas a decisão judicial foi favorável ao ICMBio, obrigando a empresa a realizar a captura.

PUBLICIDADE

Desde então, o ICMBio esteve presente no criadouro acompanhado de médicos-veterinários e ornitólogos, com o objetivo de disponibilizar assessoria técnica especializada.

Segundo Cláudia Sacramento, coordenadora da Coordenação de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio, “a todo momento tentamos o diálogo com os funcionários da empresa a fim de estabelecer um processo colaborativo e participativo. Desde a nossa chegada, ao final de todas as nossas visitas, reunimos os funcionários responsáveis pelo manejo dos animais, juntamente com nossos servidores e instituições parceiras, para construirmos de forma coletiva o planejamento técnico e operacional de captura e testagem dos indivíduos, sempre prezando pelo bem-estar animal e com vistas a garantir o cumprimento da decisão judicial”.

Ararinhas-azuis em vida livre são capturadas para testagem de circovírus
Um dos principais sintomas do circovírus são as penas brancas
Foto: Miguel Monteiro

Como resultado, no último domingo, 02/11, a recaptura das ararinhas-azuis em vida livre foi realizada com sucesso, com apoio do ICMBio, que acompanhou todas as etapas do procedimento. As aves, que têm o hábito de ficar próximo às estruturas do criadouro e são alimentadas diariamente, passaram a receber alimentação dentro de um dos recintos. No momento em que todas adentraram o local, as janelas foram fechadas. Já na terça-feira, 04/11, a equipe conseguiu realizar a coleta de amostras de todos os animais capturados.

“Todos os exames foram feitos da forma mais eficiente possível, minimizando ao máximo o tempo de contenção e estresse sobre os animais, com cada exame durando cerca de 7 minutos. Nós coletamos amostras de penas e de sangue e fizemos um swab cloacal, para ter certeza que, se houver infecção por circovírus, ela será detectada”, relata Caio Vinícius, veterinário do ICMBio que acompanhou a captura e testagem das ararinhas-azuis. “Apesar das circunstâncias, chamou a atenção que as ararinhas não demonstraram comportamento de estresse e nem tiveram complicações durante os exames, exibindo características de animais familiarizados ao contato humano e manejo”, complementa o veterinário.

Ararinhas-azuis em vida livre são capturadas para testagem de circovírus
Ararinha-azul passa por testagem: o circovírus é altamente contagioso e pode ser letal
Foto: Miguel Monteiro

Acusações e falsas alegações

Apesar do êxito na captura e testagem das ararinhas de vida livre, a equipe do Criadouro e da ACTP, aparentemente, não enxerga a situação da mesma forma. Em matéria publicada no site UOL, funcionários do criadouro afirmam que a proposta de captura, que envolveu oferecer alimento somente dentro do recinto onde os animais foram capturados, “deixou as ararinhas famintas, o que poderia expô-las a riscos, como predação.”

Entretanto, contesta Caio Vinícius, “afirmar que as ararinhas estavam famintas não faz sentido. A retirada da alimentação fora do recinto e consequente oferta de alimento exclusivamente dentro do recinto foi realizada pela primeira vez na tarde do dia 31 de outubro. Nesse momento, quatro animais já adentraram o recinto e se alimentaram. No dia seguinte, ao longo do dia, todas as onze ararinhas de vida livre entraram no recinto e se alimentaram normalmente. A captura foi realizada em 2/11 e, durante os exames, todos os animais estavam fisicamente bem, com bom escore corporal, compatível com a espécie, alguns ‘gordinhos’ até. É importante ressaltar que o recinto permanecia com os acessos abertos e água disponível na parte externa e, em nenhum momento, foi orientado ou executado o corte das refeições oferecidas, sendo inclusive implementado o aumento no número de comedouros disponíveis para as aves”.

Apesar das acusações feitas pela equipe da BlueSky/ACTP quanto ao tratamento do ICMBio e da estratégia de captura implementada, Cláudia Sacramento, que esteve à frente da emergência, reforça que “todas as tratativas com a equipe do criadouro foram realizadas de forma extremamente profissional e cordial, e as estratégias de captura e manejo das ararinhas foram traçadas em reuniões colaborativas. Inclusive, foi o próprio tratador do criadouro quem confirmou que todas as ararinhas se encontravam dentro do recinto no momento da captura, levando ao fechamento das janelas”. As informações foram corroboradas pelo restante da equipe que estava no momento da captura, entre eles servidores do ICMBio, peritos da Polícia Federal, ornitólogos e médicos-veterinários.

Ararinhas-azuis em vida livre são capturadas para testagem de circovírus
Ao fundo, o recinto para onde as aves foram atraídas para que fossem capturadas
Foto: Miguel Monteiro

Outro ponto levantado por funcionários do criadouro foi sobre uma fêmea de ararinha-azul que, supostamente, estava com um ovo durante os exames. Em entrevista ao UOL, um funcionário afirmou, “o ovo vai cair no chão porque não tem caixa-ninho dentro do aviário. Ou a ararinha vai correr sério risco de vida se não soltar o ovo”.

A matéria foi publicada em 05/11, coincidentemente, no dia seguinte, o perfil no Instagram do Criadouro Ararinha-azul publicou um vídeo que mostra um ovo quebrado no recinto onde se encontram as ararinhas-azuis capturadas, alegando ser o ovo da ararinha em questão. Todavia, no momento em que a equipe do ICMBio chegou ao local, apenas horas depois do vídeo publicado, a equipe do criadouro informou que os restos do ovo já haviam sido incinerados. “Tecnicamente, nós não realizamos um exame para verificar se a fêmea estava, de fato, com um ovo. Nós fizemos uma rápida palpação na região abdominal e havia um aumento de volume, que pode representar outras situações clínicas. Para ter certeza, seria necessário uma radiografia do animal, inclusive para ter certeza que, se houvesse um ovo, seria um ovo viável, embrionado”, comenta o médico-veterinário Caio Vinícius.

Ainda segundo Cláudia, “no momento em que levantou-se a hipótese de que a fêmea poderia estar com um ovo, a equipe técnica do criadouro foi orientada a disponibilizar uma caixa-ninho no interior do recinto, tendo em vista a possível necessidade fisiológica deste indivíduo. Porém, isso não foi feito e, dadas as circunstâncias, não houve possibilidade de coleta de amostras biológicas do ovo, nem mesmo avaliação do material por parte dos especialistas e dos peritos criminais”.

Ararinhas-azuis voando, antes da captura: ICMBio quer garantir que aves estejam saudáveis
Foto: Miguel Monteiro

Ararinhas-azuis continuam classificadas como extintas pela IUCN

Por repetidas vezes, inclusive através de postagens em suas redes sociais, representantes do criadouro e da ACTP vêm afirmando que a captura das ararinhas de vida livre representaria sua segunda extinção. Em 2019, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) declarou a espécie, a Cyanopsitta spixii, oficialmente extinta na natureza. E ela nunca deixou de ser classificada como tal, mesmo com a reintrodução ocorrida nos últimos anos.

De acordo com Cláudia, “segundo a IUCN, o sucesso de um projeto de reintrodução envolve o estabelecimento de uma população viável, em vida livre, que se mantenha de forma autossustentável, com o mínimo de intervenção humana. Portanto, a ararinha-azul ainda não atende a esses critérios e não deixou de ser considerada extinta na natureza pela comunidade acadêmica”, esclarece. “O nosso objetivo é justamente assegurar a viabilidade do projeto de reintrodução a longo prazo – a testagem dos animais se fez necessária para verificarmos se estão saudáveis, se estão apresentando risco para as outras espécies da fauna nativa e para a própria espécie. Por isso, foi fundamental realizar os testes nos indivíduos de vida livre”.

Apesar das discordâncias, uma coisa é certa: o futuro das ararinhas-azuis na natureza depende do controle e monitoramento quanto à disseminação do circovírus que acomete a região, com vistas a assegurar a saúde e o bem-estar tanto desta espécie, quanto das demais de psitacídeos.

Somente após constatação da equipe técnica especializada de que a crise sanitária foi controlada e que o ambiente é seguro para esses animais, é que as ararinhas-azuis poderão voar novamente pelos céus da Caatinga, livres da ameaça de um vírus estrangeiro.

Segundo os critérios da IUCN, a ararinha-azul nunca deixou de ser classificada como extinta na natureza
Foto: Miguel Monteiro

———————–

Acompanhe o Conexão Planeta também pelo WhatsApp. Acesse este link, inscreva-se, ative o sininho e receba as novidades direto no celular

Leia também:
Programa de reintrodução das ararinhas-azuis é alvo de denúncias por omissão e manejo inadequado 
Vírus que infectou ararinhas-azuis de programa de reintrodução na Bahia nunca foi registrado antes em vida livre no Brasil

Foto de abertura: Miguel Monteiro

Comentários
guest

0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Notícias Relacionadas
Sobre o autor