Na crença popular, sexta-feira, 13, é dia de azar. Acredita quem quer! Mas a próxima, que acontece esta semana, não terá nada a ver com superstição e será de muito alto astral para quem for à exposição de arte promovida pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas (por intermédio da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira) na UMAPAZ, no Parque Ibirapuera, das 19h às 23h. O evento reunirá 38 telas pintadas por sete antas – isso, mesmo, antas! – que vivem em cinco zoológicos norte-americanos, parceiros da INCAB-IPÊ, e ainda oferecerá interações artísticas palestra sobre o status da espécie e projetos conservacionistas e apresentação de dados sobre as antas no município de São Paulo.
Também integram a exposição 14 fotos de autoria de quatro fotógrafos de natureza brasileiros – a jornalista Liana John (in memoriam), Luciano Candisani, Luiz Claudio Marigo (in memoriam), e Daniel de Granville –, além de duas ilustrações do artista Luccas Longo.
Durante o evento, o artivista paulistano Fernando Berg pintará mural de grandes dimensões sobre tema relacionado à conservação da anta brasileira, que estará à venda nessa noite.
As obras ficarão expostas apenas durante as quatro horas do evento, do qual só poderá participar quem se inscreveu. E quem doar para a INCAB a fim de apoiar a pesquisa e a conservação da anta em vida livre, ganhará uma tela da exposição.
Anta é elogio!
O principal objetivo desse encontro – além da apresentação de uma arte exclusiva e de uma espécie tão única – é desmistificar a ideia mentirosa de que a anta é um animal com pouca ou nenhuma inteligência, tão disseminada por brasileiros, diariamente, também por pessoas com alto nível de escolaridade e conhecimento.
Um exemplo: há cerca de dois anos, mais ou menos, questionei um famoso historiador, professor e escritor brasileiro – considerado um dos principais pensadores contemporâneos –, no Facebook, sobre o uso da palavra anta num post escrito por ele (não lembro qual era o assunto). Comentei também: expliquei que a atribuição era errônea e que não combinava com sua trajetória, além de prejudicar a conservação da espécie, já tão ameaçada. O resultado? Ele me bloqueou, sem conversar.
Aliás, o Brasil é o único país do mundo no qual se utiliza o nome da “anta” de maneira pejorativa, para ofender alguém. Esta é uma visão tacanha e limitada, que, infelizmente, vitimiza outras espécies.
Patrícia Medici, uma das maiores especialistas em anta, coordenadora da INCAB-IPÊ e idealizadora deste projeto lindo, explica: “Antas Pintoras é uma incrível e inusitada exposição de arte que visa disseminar e promover a causa da conservação da anta brasileira, a nossa Jardineira das Florestas, um animal enormemente responsável pela formação e manutenção da biodiversidade!”.
“O público brasileiro tem a percepção errônea de que a anta é um animal desprovido de inteligência e isso predispõe as pessoas a não se envolverem com a sua conservação”, acrescenta ela, que completa: “A anta é uma espécie ameaçada de extinção e precisamos engajar as pessoas para que se importem com sua sobrevivência e se sintam motivadas a ajudar para a conservação do maior mamífero terrestre da América do Sul, que tem papel fundamental na conservação da biodiversidade das florestas”.
Lutar contra a discriminação da anta está no DNA da pesquisadora e da INCAB, coordenada por ela. Tanto que, em 2015, no Dia Mundial da Anta (27 de abril), lançou a campanha Anta é Elogio! para que os brasileiros conhecessem melhor a espécie e pudessem ter orgulho dela, parando de usar seu nome em vão e de forma pejorativa.
A propósito, a efeméride foi criada por conservacionistas para chamar a atenção para a espécie, alertar para os riscos de sua extinção em todo o mundo e sensibilizar o público sobre a importância de sua proteção.
“Há inúmeros estudos que mostram que a espécie tem uma quantidade imensa de neurônios, o que confirma que ela é um animal extremamente inteligente”, conta a pesquisadora Patrícia, uma de suas “ferozes” defensoras. “Portanto, a cultura brasileira de usar o nome da anta como xingamento, com conotação pejorativa, é completamente injusta e absolutamente infundada. Ser chamado de anta, portanto, é um elogio!”.
Como as antas pintaram as telas?
As 38 obras foram produzidas por sete antas em meio a diferentes técnicas de enriquecimento ambiental – comumente utilizadas com animais sob cuidados humanos para estimular comportamentos naturais, como se alimentar, por exemplo.
As tintas são orgânicas e comestíveis e colocadas na tela no chão onde estão pedaços de frutas apreciadas pela anta. Enquanto tenta comer, ela também pinta.
As artistas – quatro fêmeas e três machos – vivem em cinco zoológicos norte-americanos, parceiros da conservação da anta na natureza: Zoo Brevard (Melbourne, Flórida), Brookfield (Chicago, Illinois), Houston (Houston, Texas), John Ball (Grand Rapids, Michigan) e Woodland Park (Seattle, Washington).
Das sete antas, quatro são centro-americanas (Tapirus bairdii); duas, asiáticas (Tapirus indicus); e uma é da espécie brasileira (Tapirus terrestris). Conheça todas as artistas e uma de suas obras, a seguir.
SLEDGE
A anta brasileira macho tem 22 anos e vive no Zoológico de John Ball, no Michigan. Foi morar nesse zoo em maio de 2005, transferido do Zoológico de Alexandria, Louisiana, onde nasceu em março de 2002.
Quando chegou a John Ball – pouco antes da passagem do Furacão Katrina por New Orleans, em Louisiana, que sorte! –, Sledge tinha pouco mais de três anos. Muito rapidamente, acostumou-se aos invernos extremamente frios de Michigan, escolhendo ficar na parte interna e quentinha de seu recinto nos dias mais frios.
Ele tem certa tendência a causar confusão com seus companheiros quando está no recinto. Na companhia dos humanos, ele é doce e adora ser coçado, especialmente na barriga e debaixo do queixo. Os cuidadores se utilizam dessa estratégia durante check-ups e procedimentos médicos. Durante o verão, adora tomar sol em seu recinto privado com piscina. Abaixo, sua obra-prima.
BINTANG (ou BINNY)
A anta asiática ou malaia macho tem 24 anos (abril de 2000) e vive no Zoo Woodland Park, em Seatlle, no estado de Washington, onde nasceu. Muitos dizem que ele tem a personalidade tranquila da mãe Rayai e o charme do pai Kelang.
Aos dois anos, foi transferido para o Zoológico Ellen Trout, no Texas, e, depois, para o Zoológico de Sedgwick, no Kansas. Mas, em 2014, quando identificado como um bom par reprodutivo para Ulan, fêmea do Woodland Park, voltou às origens!
Binny é muito doce e querido. Curioso, costuma ser tímido com quem não conhece. Quando retornou ao Woodland Park, seus cuidadores criaram protocolo de checagem das almofadas de suas patas (uma delas precisa ser analisada com frequência) para facilitar o exame: coçam pescoço, queixo e barriga fazendo-o deitar tranquilo. Um milongueiro!
ULAN
A anta asiática ou malaia fêmea tem 12 anos (1/1/2012) e nasceu no Zoológico Lowry Park na Flórida. Com um ano e três meses foi transferida para o Zoológico Woodland Park, demonstrando muita energia: subia nos tocos de árvores e nas pedras, nadava e espirrava água na piscina, experimentava tudo que lhe era oferecido de plantas diferentes e pisoteava toda a comida que não tinha comido.
Na primavera de 2015, Ulan e Bintang (Binny) foram colocados no mesmo recinto, visando a reprodução. Até hoje vivem juntos e produzem filhotes regularmente.
Ulan é brincalhona, curiosa e muito social. Uma ‘princesinha’ que adora comer e sempre chega primeiro nos horários de alimentação. Muito persistente e gulosa, não deixa sobrar nem um tiquinho de comida. Adora ter companhia e pede atenção tanto de seus cuidadores quanto de seu companheiro.
JOSEPHINE (ou JOSIE)
A anta centro-americana fêmea tem 31 anos (24/4/1993) e vive no Zoo de Brevard, na Flórida. Nasceu em um criadouro de animais silvestres no estado da Virgínia e chegou a Brevard em 1994. Já reproduziu ‘muitas melancias’ (como são chamados os filhotes por causa de suas pintas), mas atualmente não tem um companheiro.
Muito doce, Josie adora ser escovada por seus cuidadores. Em sua barriga, tem um certo ponto que, quando escovado, a faz se deitar no chão de tanta felicidade. Ela adora comer melancia e folhas e talos de certas plantas e está sempre pronta para petiscos.
JEZABEL (JEZ)
A anta centro-americana fêmea tem 35 anos (18/2/1989) e vive no Zoológico de Brookfield, em Illinois.
Jez passou por uma série de zoológicos até se fixar no Zoo de Brookfield em outubro de 2012. Sempre foi muito saudável, mas com a idade, começou a sofrer com artrite, que está controlada devido a medicações anti-inflamatórias e a alterações em seu recinto. Uma cama d’água, na qual adora se deitar, ajudou muito suas articulações.
Calma, pode tornar-se impaciente se seu café da manhã atrasa. E ‘parece uma formiguinha’: adora alimentos doces e, para agradá-la seus cuidadores fazem picolés de melaço de cana ou mel. Também adora comer amendoins em alimentadores de quebra-cabeças, técnica de enriquecimento ambiental.
MOLI
A anta centro-americana fêmea tem 11 anos (8/6/2013) e vive no Zoológico de Houston, no Texas, onde chegou em junho de 2015, transferida do Zoo de Franklin Park em Boston, Massachusetts, onde nasceu (é ela na foto que abre este post).
Moli adora comer, em especial os petiscos deliciosos que recebe de seus tratadores. Por isso, ama as sessões de treinamento, divertindo-se muito com os alimentadores de quebra-cabeças. Uma de suas atividades favoritas é passar a tarde na piscina.
Bastante vocal, fala muito. Aliás, ela e Noah, seu companheiro: os dois podem ser ouvidos de longe em longas vocalizações que soam como passarinhos assobiando.
NOAH
A anta centro-americana macho tem 14 anos (2/5/2010) e vive no Zoológico de Houston, no Texas, onde chegou em maio de 2011, com um ano de idade, transferido do Zoo de Nashiville, no estado do Tennessee.
Como contei acima, Noah compartilha o recinto com Moli. Ele gosta muito de dormir na areia geladinha do recinto e ama comer talos e folhas de plantas.
Como surgiram as antas pintoras
A ideia do projeto de animais artistas como embaixadores da conservação surgiu em zoológicos norte-americanos, há algumas décadas, como parte das atividades de enriquecimento ambiental.
Como expliquei acima, essas atividades são realizadas para estimular os comportamentos naturais de cada espécie sob cuidados humanos. E esses estímulos podem ter como alvo o enriquecimento social, alimentar, físico, sensorial ou ocupacional do animal, auxiliando no bem-estar animal.
Inicialmente, as espécies-alvo de tais programas eram primatas, sobretudo orangotangos, além de elefantes. De conversas entre Patrícia Médici e o Zoológico de Houston, no Texas (que é um grande parceiro da INCAB-IPÊ nos Estados Unidos), surgiu a ideia de inserir antas no programa, colocando-as para pintar.
Foi assim que nasceu a primeira exposição das Antas Pintoras, realizada em 2011 no Zoológico de São Paulo, numa parceria entre o IPÊ, o grupo especialista de antas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), o Zoo de Houston e o Zoo de São Paulo. Durante o evento, foram leiloadas 29 pinturas.
“Eventos similares já foram realizados no passado por zoológicos americanos em parceria com projetos de conservação de orangotangos e elefantes. Mas, em 2011, foi a primeira vez em que as antas se tornaram artistas”, conta Patrícia Médici.
“Esta é uma maneira criativa de fazer com que os animais sob cuidados humanos contribuam para a sobrevivência e conservação de indivíduos da mesma espécie na natureza. Em inglês, o programa se chama Tapir Helsing Tapir. Em português, Antas Ajudando Antas“, completa.
A nossa anta
A anta brasileira é o maior mamífero terrestre da América do Sul, que pode pesar entre 180 e 300 kg. A espécie é vital para a biodiversidade por ser importante dispersora de sementes, por isso recebe o título de jardineira da floresta.
Por ocupar extensas áreas, é uma espécie guarda-chuva, ou seja, garantir sua conservação também influencia a existência de outras espécies que compartilham o mesmo habitat.
A anta também é uma espécie sentinela, ou seja, serve como indicadora da saúde dos ecossistemas e dos seres que ali habitam. Mas, apesar de sua importância, a espécie está listada como vulnerável à extinção na Lista Vermelha da IUCN.
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Foto: INCAB-IPÊ (divulgação)