Por Jaqueline Sordi para Observatório do Clima*
Eventos climáticos extremos atingiram praticamente todas as regiões da América Latina e Caribe ao longo de 2021, levando ecossistemas a condições “críticas” e colocando milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar.
Enquanto a floresta amazônica sofreu aumento de 22% na perda de vegetação no último ano (as taxas mais elevadas desde 2009), as geleiras andinas consolidaram uma perda de mais de 30% de sua superfície em menos de 50 anos e a “megaseca” que atinge o centro do Chile foi classificada como a mais persistente do último milênio.
Essas são algumas das preocupantes conclusões do mais recente relatório anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre a situação do clima na América Latina e no Caribe, lançado na última semana.
O documento, que sintetiza os principais efeitos das mudanças no clima registrados no último ano, apontou que a tendência de aumento da temperatura já observada em anos anteriores continua, seguindo uma taxa de crescimento de 0,2°C por década, entre 1991 e 2021, o dobro da taxa registrada a cada dez anos entre 1961 e 1990.
“Se continuarmos neste ritmo, vamos chegar a um ponto irreversível em alguns locais. A preocupação com a Amazônia é grande, mas não só com o ecossistema como também com o fato de ela ser uma fonte de umidade para outras regiões. Com menos chuvas e mais desmatamento, temos uma situação que pode, por exemplo, afetar a segurança alimentar em vários locais”, alerta o climatologista José Marengo, principal autor do relatório.
Em março deste ano, estudo publicado no periódico Nature Climate Change já havia mostrado que a floresta amazônica está perdendo a capacidade de se recuperar de períodos de seca cada vez mais longos por causa das mudanças climáticas, e do desmatamento. Como resultado, o bioma estaria cada vez mais próximo de seu “ponto de virada” (tipping point), após o qual a floresta começa a morrer maciçamente. No relatório da OMM, especialistas afirmam que a degradação da floresta amazônica é uma grande preocupação para todo o mundo também pelo seu papel no ciclo do carbono.
O documento destacou ainda a intensificação das tempestades tropicais no último ano. A temporada 2021 de furacões no Atlântico foi a terceira mais ativa já registrada na região caribenha e na América Central, com 21 tempestades nomeadas (incluindo sete furacões), sendo considerada a sexta temporada consecutiva acima do normal. Chuvas extremas também atingiram níveis históricos em várias regiões, causando centenas de mortes e obrigando milhares de pessoas a abandonarem suas casas. No Brasil, foram citadas a cheia do Rio Negro, em Manaus, que atingiu o maior nível em mais de 100 anos em 2021, e as inundações na Bahia e em Minas Gerais devido às fortes chuvas de dezembro, que deixaram um prejuízo de U$ 3,1 bilhões.
O relatório apontou também que o nível do mar aumentou a um ritmo mais rápido do que no restante do mundo, com destaque para a costa atlântica da América do Sul, o Atlântico Norte e o Golfo do México, ameaçando populações costeiras, contaminando aquíferos de água doce e inundando áreas baixas.
Por outro lado, 2021 foi um ano em que a estiagem trouxe prejuízos importantes para produtores agrícolas. Chuvas abaixo da média em regiões do Chile, Brasil, Uruguai e Paraguai levaram a um declínio de 2,6% na safra de cereais da América do Sul. O relatório aponta que a mudança nos padrões de precipitação foi parcialmente relacionada ao La Niña, mas que “as mudanças climáticas provavelmente desempenharam um papel importante em alguns dos eventos climáticos extremos na região”.
A seca que atinge há anos a bacia do rio da Prata, que se estende pelo Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, e que está levando os níveis das águas para os mais baixos desde 1944, também se intensificou no último ano, “prejudicando a produção agrícola, reduzindo a produção de soja e milho e impactando os mercados globais de alimentos”, afirma o relatório.
No Chile, a crise hídrica se intensificou em 2021 pela “megaseca” que seguiu na região pelo 13° ano consecutivo, se tornando a seca mais longa em mil anos. No relatório, a OMM prevê que as secas se intensificarão no nordeste do Brasil, na Amazônia, na América Central, no Caribe e em partes do México nos próximos anos.
Regiões da América do Sul também ficaram em alerta devido ao encolhimento das geleiras, que estão perdendo gelo de forma mais acelerada por conta do aquecimento global, ameaçando a segurança hídrica de milhões de sul-americanos. Em comparação com 1980, foi registrada uma perda total de mais de 30% de área glacial nos Andes tropicais e de 50% no Peru.
“Extremos que eram esperados para as próximas décadas estão acontecendo agora. As mudanças estão acontecendo muito rápido”, alerta Marengo. De acordo com o climatologista, o relatório aponta para a necessidade de medidas urgentes tanto de mitigação como de adaptação ao clima atual. “Se nada for feito nos próximos anos, a mitigação vai chegar tarde demais, a adaptação não será mais possível e as cidades não alcançarão o grau de resiliência que todos gostaríamos de ter”, concluiu.
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*Este texto foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima em 25/7/2022
Foto (destaque): Claudio Angelo/Observatório do Clima
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