Nos 21 dias em que estive a bordo de um barco, navegando pelo rio mais bonito do planeta*, o Negro, não vi só água, não. Vi a diversidade mais exuberante de árvores de toda a minha vida.
Isso aconteceu durante a terceira expedição fotográfica organizada pelo fotógrafo e indigenista Renato Soares, que reuniu onze apaixonados por fotografia, pelos índigenas e pela Amazônia: eu, André Leite, Luciola Zvarick, Doró Cross, Ana Mateucci, Sonia Chaves, Clara Gianelli, o francês Ludovic Seidoux e a chilena Alejandra Faúndez (alguns deles em sua terceira expedição com Renato, como eu).
Claro que quando falamos de Amazônia, sabemos obviamente que se trata de um bioma riquíssimo – e por isso tão visado pela exploração da indústria madeireira e farmacêutica. Mas quando estamos lá, em contato próximo com aquela natureza tão preciosa, é que entendemos um pouco de sua potência.
Vi samaumas gigantes (como a da foto ao lado, no Parque Nacional do Velho Airão; quem aparece com ela é o índio Silvio Tukano, que foi nosso guia em boa parte da viagem), tauaris, bacabas, inajás, buritis, breus, angicos, figueiras, além de árvores menores e arbustos como bromélias, begônias…, tudo junto misturado.
Era período de cheia – foi em julho e agosto -, e a maioria estava parcialmente submersa, o que intensificou ainda mais a beleza da paisagem, vista do barco. A água densa do Negro era a plataforma perfeita para as projeções das árvores aliadas aos movimentos provocados pelo barco nas águas.
Vi isso acontecer também no rio Jaú, a caminho do Parque Nacional do Jaú, e na volta. O vento lambia o rio e o transformava num espelho mágico, perfeito para as árvores se “deitarem”. Me sentia embevecida pelo cenário amazônico a todo momento. Aliás, partilhava dessa sensação com meus companheiros de viagem também. Todo o tempo. Todos muito sensíveis.
Às vezes, nos perdíamos em conversas animadas, nos livros que tínhamos levado, nas fotos que havíamos tirado para organizar o lote que publicaríamos na próxima parada que tivesse conexão (raríssimo na Amazônia). Mas, rapidamente nossa atenção era desviada para a paisagem. E logo saíamos para buscar celulares e máquinas fotográficas para registrar o que víamos.
Quando chegava a noite e o capitão Arlindo decidia atracar para não corrermos o risco de encontrar uma pedra maior pelo caminho, onde ele e seus ajudantes paravam o barco? Próximo às árvores. Elas é que garantiam uma noite de sono segura, além da melhor companhia que se pode ter num lugar como esse. O balançar das folhas, o frescor, sons de bugios e outros bichos… Foram elas também, que nos protegeram de algumas pequenas e rápidas tempestades que encontramos pelo caminho. Na ida à São Gabriel da Cachoeira, cidade próxima da Colômbia e da Venezuela, e na volta a Manaus.
Não lembro em que momento da viagem isso aconteceu, mas lembro do quanto me chamou a atenção. Em conversa divertida com André – que trabalha com Renato -, a chilena Alejandra (na foto ao lado, abraçando a Samauma do Parque Nacional do Velho Airão) nos chamou de “amazonados“. Achei a palavra linda.
Que privilégio estarmos amazonados tantos dias. Apaixonados por aquele lugar, pelos povos que encontramos, pelo roteiro, pelos percalços, pelas descobertas e, claro, pelas árvores. Que também abraçamos (como Alejandra) e com as quais nadamos em Anavilhanas, no Parque Nacional do Jaú e na pequenina Carvoeiro. Nós e elas, amazonados.
Para este Dia da Árvore e começo de Primavera, resolvi selecionar algumas imagens desses seres essencials à nossa existência, que registrei durante esta viagem apaixonante. E convido vocês não só a contemplá-las, mas a imaginar como seria cada foto sem a sua presença. Não consegui. Missão impossível.
Na foto que abre este post, trecho do gigante Parque Nacional de Anavilhanas. Agora delicie-se com as árvores poderosas – não importa o tamanho, a espessura de seu tronco, nada – que vivem próximas do Rio Negro ou imersas nele.
*Não sei se o Rio Negro é o mais bonito do planeta, mas é assim que o chamo desde que fiz esta viagem. Tudo que vi e vivenciei nele e no seu entorno foi tão divino e sua presença tão mágica – suas águas são profundas, densas, escuras, mornas, geladas, sagradas -, que creio não existir melhor definição pra ele. Sigo exagerada.
O rio Cauaburí, que se inicia no Rio Negro, é cheio de pedras e corredeiras (que lá chamam de cachoeiras) e também revela grande exuberância arbórea que se espelha nas águas. Navegamos por ele, em voadeiras, para chegar a uma das aldeias Yanomami da região.
Parque Nacional de Anavilhanas
Parque Nacional do Jaú, a caminho de uma parte desse paraíso, onde fizemos uma trilha maravilhosa e nadamos em um lago lindo com cachoeira. A exuberância que os parques amazônicos guardam é infinita
Trecho de um dos barradões no Rio Negro. Essas ilhas são chamadas assim porque sua constituição é
diferente da dos parques e apresentam enormes paredes de terra para o rio
Rio Negro visto da aldeia dos indígenas Tuyuka, próximo de Manaus
Paramos nesta “ilha”, amarrando o barco às árvores para aguardar a chuva passar
Casinha em Novo Airão. Alguém consegue imaginar esta cena sem árvores? Sem verde?
Em Carvoeiro, as crianças caboclinhas adoram nadar e se jogam das árvores nas águas densas do Rio Negro. Me lembraram as crianças Krahô, no Tocantins, que visitei em 2016
Nesta e na foto de baixo, as árvores de Pedra Preta, última cidadezinha
em que paramos a caminho de Manaus
Fotos: Mônica Nunes
Realmente um paraíso na Terra. Tomara a “turma do mal” esqueça que ele existe e que Deus, seu Criador, o proteja e guarde.
Relato Fantástico! Uma correção: São Gabriel da Cachoeira fica próxima da Colômbia e Venezuela.
Fantástico relato! uma correção: São Gabriel da Cachoeira fica próximo da Colômbia e da Venezuela.
Opa, Rafael! Vc tem toda razão.
Claro, vi a presença de pessoas dos dois países e ouvi algumas histórias muito tristes.
Aquele pedaço do mundo parece esquecido, em alguns momentos.
Muito obrigada pela leitura atenta e pelo elogio.
Abs
Verdadeiro Paraíso as águas do Rio Negro banham.
Lindíssimas fotos, e retornem sempre que possível.
Complementando sua bela e interessante postagem, Airão Velho foi a cidade (hoje apenas ruínas) que antecedeu Novo Airão, hoje conhecida como cidade fantasma de Velho Airão (ou ruínas de Velho Airão) e fica localizada dentro do Parque Nacional do Jaú.
Novo Airão está crescendo bastante, e com isso aumentando seus atrativos… Quando retornarem por aqui, visitem o entorno da cidade (igarapé da Freguesia) e os kilometros iniciais pela estrada AM 352 (de quem sai da cidade rumo à Manacapurú), terão a oportunidade de conhecer a mistura rural/urbana que propicia inesquecíveis experiências com a fauna e a flora local.
E mais uma vez, parabéns pela publicação, muito nos engrandece e nos enaltece.
Obrigada por suas palavras e dicas, Pedro.
Sua terra é maravilhosa e acolhedora.
Grande abraço
Mônica Nunes