PUBLICIDADE

Adaptação às mudanças climáticas valoriza patrimônio, não pessoas

adaptação às mudanças climáticas em cidades grandes, como nova york, que aparece na foto, prioriza patrimônio, não pessoas

*Por Claudio Angelo 

Surpresa, surpresa: as megacidades de países desenvolvidos gastam mais em adaptação às mudanças climáticas do que as dos países em desenvolvimento. Esse gasto é, na média, duas vezes maior em relação ao PIB e, em um caso, 79 vezes maior per capita. Como as cidades grandes dos países ricos têm bem menos gente vulnerável a desastres climáticos que as dos países pobres, conclui-se que a maior parte do dinheiro para adaptação no mundo está sendo gasto para proteger o capital, não para salvar vidas. Pode fingir espanto agora.

O veredicto é de um estudo publicado por quatro pesquisadores britânicos na última edição do periódico Nature Climate Change. O quarteto, liderado por Lucien Georgeson, do University College de Londres, destrinchou o destino dos gastos em adaptação em dez megacidades: Nova York, Londres e Paris, no mundo desenvolvido; Pequim, Cidade do México, São Paulo, Mumbai, Jacarta, Lagos e Adis Abeba no mundo em desenvolvimento. E constatou, nesses gastos, a repetição do padrão de desigualdade que determina a vulnerabilidade dos despossuídos desta Terra às mudanças do clima.

PUBLICIDADE

O grupo afirma que os investimentos em adaptação têm crescido no mundo, e já constituem uma espécie de economia própria. Isso é uma boa notícia. Apenas em 2014/2015, os investimentos em adaptação e resiliência chegaram a US$ 311 bilhões (R$ 1,2 trilhão) no mundo todo. O dinheiro foi aplicado em ações que vão de proteção e melhora da infraestrutura de água e energia até agricultura, plantação de florestas, conservação de áreas naturais (como mangues e matas ciliares), infraestrutura de transportes, prédios, serviços e defesa civil.

O problema é que esse gasto foi extremamente desigual nas dez cidades estudadas. Enquanto Nova York gastou US$ 2,2 bilhões no biênio, Adis Abeba despendeu US$ 21 milhões. Nova York tem bons motivos para gastar com adaptação: a metrópole americana é um dos lugares da Terra onde o nível do mar mais subirá neste século, e em 2012 teve uma amostra do que isso poderá significar: entubou um prejuízo de US$ 30 bilhões com o furacão Sandy. Mas a capital da Etiópia, com 3,4 milhões de habitantes – grande parte em favelas –, é extremamente vulnerável a secas e enfrenta desafios que a metrópole americana não tem de desenvolvimento e população vulnerável.

O gasto em relação ao PIB também é desigual: na média, as cidades do mundo rico gastaram 0,22% de sua riqueza em 2012/2015 em resiliência, enquanto no mundo em desenvolvimento esse gasto foi de 0,14% (Adis mais uma vez) a 0,16% (São Paulo). A exceção foi Pequim, que teve o maior gasto por PIB das dez cidades analisadas, 0,33% – algo que os autores atribuem ao dirigismo do governo central, que em 2007 baixou uma diretiva para incluir adaptação como política pública a cargo das prefeituras. O investimento per capita mostrou outro abismo: Paris gastou mais por habitante em adaptação do que todas as outras – duas vezes mais do que Nova York, oito vezes mais que São Paulo e 99 vezes mais que a pobre Adis.

gastos

Desigual: gráfico mostra gasto per capita em adaptação nas cidades analisadas

“Embora as cidades de países em desenvolvimento certamente tenham necessidades orçamentárias mais prementes, isso dá mais peso à sugestão de que as respostas de adaptação seguem capital a ser protegido em vez de pessoas a serem protegidas”, escreveram os autores. Para eles, isso segue uma lógica de mercado – de alocar recursos onde há possibilidade de negócio, não necessariamente onde há mais necessidade.

Georgeson e colegas resolveram, então, esmiuçar o investimento por categoria em cada cidade. Como esperado, as metrópoles pobres e remediadas gastaram mais em ações relacionadas a florestas e agricultura e menos em preparação para desastres (defesa civil) do que as ricas.

“O gasto em defesa civil para a mudança climática é muito baixo em cidades que, devido à sua população presente e futura e à sua localização, tendem a ser vulneráveis a uma gama de riscos decorrentes da mudança do clima”, afirmam os cientistas. Segundo os britânicos, as contas mostram uma lacuna a ser atacada urgentemente por governos, doadores e agências internacionais.

*Texto publicado originalmente em 01/03/2016 no site do Observatório do Clima

Leia também:
Concentração de CO2 bate novo recorde, de novo
Extremos climáticas marcam final de 2015 nos Hemisférios Norte e Sul
2016 pode ser o ano mais quente da história
O Acordo de Paris e os desafios para reduzir as emissões de CO2

Foto: domínio público/pixabay

Comentários
guest

4 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Notícias Relacionadas
Sobre o autor