Texto atualizado em 6/2/2021 para incluir mais títulos de livros, contar sobre a volta do artista ao mural para finalizá-lo, entre outras informações
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Logo que 2021 começou, em 8 de janeiro, Eduardo Kobra já se pendurou em uma parede de 22 metros de altura por 11 metros de largura para começar a produzir um novo mural, desta vez em Sorocaba, no interior de São Paulo, em uma escola (Colégio Ser), à Rua Dr. José Aleixo Irmão (quadra 2, lote A).
“Pesquiso muitos as biografias dos ‘personagens’ que destaco em minhas obras e, também, sobre as cidades que visito: busco imagens, fotografias e textos. Por isso, tenho procurado trazer em meus murais a importância dos livros para a cultura do País e para a formação e crescimento das pessoas”, diz o artista urbano, que tem murais em 35 países e já fez outras 16 obras com temas ligados à literatura e livros em geral.
Nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter), Kobra contou sobre seu novo trabalho, revelando o tema – a importância da leitura e de obras literárias brasileiras. Mas antes de começar a desenhar o mural – que foi batizado de Escadateca e realizado em cerca de 30 dias, com grandes dificuldades devido às chuvas intensas -, fez um alerta e um convite para seus seguidores.
“O país perdeu 4,6 milhões de leitores nos últimos quatro anos (2015 a 2019), de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (realizada pelos institutos Pró-Livro e Itaú Cultural), contou ele, no post. “Isso não é nada bom: já somos um povo que lê pouco e os números indicam que esse hábito está diminuindo. Atualmente, apenas 52% da população brasileira tem o costume de ler (100,1 milhões de pessoas). Estou preparando um painel para destacar a importância dos livros, das obras da literatura brasileira”.
E prosseguiu: “Quero sua ajuda para saber quais livros devo destacar. Comente aqui: qual seu livro brasileiro favorito? Qual obra mais marcou sua infância? Vamos fazer esse mural juntos?”.

“A literatura nos ajuda a chegar a lugares mais altos”
O retorno dos fãs foi bárbaro! Kobra recebeu mais de 4 mil comentários (alguns com mais de uma sugestão), dos quais selecionou 100 títulos, que se juntaram a outros 100 escolhidos por ele, entre biografias – “que são livros fundamentais para meu trabalho e cronistas como Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Luís Fernando Veríssimo, que lemos tanto na escola”, conta. Ele também incluiu o best-seller da pandemia Ideias para Adiar o Fim do Mundo, do líder indígena Ailton Krenak.
Assim, entre as obras eternizadas nas seis prateleiras da Escadateca de Kobra, destaco Iracema (José de Alencar), Grande Sertão: Veredas e Sagarana (Guimarães Rosa), Dom Casmurro (Machado de Assis), Os Sertões (Euclides da Cunha), Vidas Secas e Angústia (Graciliano Ramos), Morte e Vida Severina (João Cabral de Melo Neto), Capitães de Areia (Jorge Amado), O Quinze (Rachel de Queiroz), O Tempo e o Vento (Érico Veríssimo), Nova Reunião (com 23 livros de poesia de Carlos Drummond de Andrade), O Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), Flicts e O Menino Maluquinho (Ziraldo), Marcelo, marmelo, martelo (Ruth Rocha); O fantástico mistério de feiurinha (Pedro Bandeira), O
Karaíba – Uma história do Pré-Brasil (Daniel Munduruku; Capão Pecado (Ferréz); Flores de Alvenaria (Sérgio Vaz) e Cem dias entre céu e mar e Paratii – Entre Dois Polos (Amyr Klink).
Metade dos livros já está com título, mas o artista volta ao mural em 11 de fevereiro para incluir os demais.

Assim, ele imprime, na nova obra, seu estilo inconfundível – com detalhes que lembram a geometria da roupa do Arlequim, com domínio das cores intensas e usando diferentes técnicas (pincel, aerógrafo e spray) -, em um desenho lindo, que apresenta um menino nos degraus de uma escada pegando o livro escolhido na estante.
Para o artista, esse gesto “simboliza o esforço pelo conhecimento — e os degraus vencidos o caminho dos sonhos, dos objetivos de vida. Inauguro aqui, em Sorocaba, este mural com o qual quero passar a mensagem da importância da leitura“.
No post publicado em suas redes sociais, ilustrado por um vídeo em que, ele mesmo, aparece subindo uma escada para dar o último acabamento à lombada de um dos livros, Kobra dirige uma pergunta a seus seguidores:
“A literatura nos ajuda a chegar a lugares mais altos. Qual o próximo livro que você vai ler?“.

Obra brasileiríssima
O artista não tem formação acadêmica. É autodidata. Começou a desenhar aos 12 anos e não parou mais. O que o moveu foi vivenciar as adversidades da vida ainda tão menino. Viu amigos vencidos pelas drogas, pelo crime ao serem presos ou mortos. Por isso, ele sempre diz que o que o salvou dessa crua realidade foi seu olhar. E que olhar!
Até hoje, Eduardo Kobra espalhou seu talento e suas mensagens em mais de três mil murais em cinco continentes, 35 países e diversas cidades estrangeiras e brasileiras. E ele não para!
O artista utiliza suas obras para conscientizar os transeuntes sobre questões atuais ou lembra-las de figuras inesquecíveis e importantes da história da humanidade.
Em 2017, o primeiro mural do artista em Portugal foi um alerta para o problema das populações indígenas “no Brasil e no mundo inteiro”e a valorização das etnias: o retrato do Cacique Raoni, da etnia Kayapó, na empena de um edifício de cinco andares em Lisboa. A obra integra outro projeto seu – Greenpincel – criado para denunciar a destruição da natureza pelo homem, suas intervenções no planeta e as terríveis consequências.

“Todas as tragédias naturais que têm acontecido em nosso planeta mostram que proteger os animais e a natureza como um todo é também uma forma de protegermos o ser humano. Decidi que já era hora de colocar este tema dentro do meu trabalho como artista”. Sem dúvida, essa preocupação não poderia estar melhor representada: Raoni é uma voz importante sempre.
No Museu de Arte Moderna de Nova York, em maio de 2019, ele fez uma releitura de um famoso quadro de Salvador Dali para chamar a atenção para o aquecimento global (abaixo), como contamos aqui, no site.

Em abril de 2019, falou da pandemia do novo coronavírus num mural que mostra cinco crianças, de diferentes raças e etnias, vestindo máscaras de proteção com diversos símbolos religiosos (também contamos aqui).

Em dezembro do ano passado, dedicou-se a duas obras diferentes no Brasil. A primeira foi o mural A Linha da Vida, com 600 metros quadrados, instalado na altura do km 44 da rodovia Presidente Castelo Branco, em Araçariguama, São Paulo, que apresenta oito personagens: de um bebê até uma senhora de cerca de 80 anos.

Cultura regional
Também em dezembro de 2020, Kobra desenhou o compositor Zacarias Mourão, em Coxim, na região norte do Mato Grosso do Sul, dando início ao seu projeto de resgate, manutenção e valorização das culturas regionais: “um antigo sonho”. A obra – que virou atração rapidamente – tem seis metros de altura por 19,6 metros de largura e está localizada na praça que homenageia o compositor.

O artista explica esse projeto, que ainda não tem nome:
“Dizia o escritor russo Leon Tolstói que ‘universal é o homem que escreve sobre a própria aldeia’. Por isso, ao mesmo tempo em que faço murais para destacar grandes nomes que contribuíram para a história do país, como o arquiteto Oscar Niemeyer e os compositores Chico Buarque e Adoniran Barbosa, e nomes que contribuíram para a paz, liberdade, arte e humanismo no mundo, como Nelson Mandela, Martin Luther King, Malala Yousafzai, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e John Lennon, sempre quis criar um projeto que falasse sobre nomes que contribuíram para a cultura de suas regiões”.
E justifica: “Já pintei em cinco continentes, mas não conheço a maioria dos estados do meu próprio país. Será uma grande realização conseguir pintar em cada estado do Brasil”.
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Maranhão, Pernambuco e, agora, Mato Grosso do Sul estão entre os estados que já exibem murais de Kobra. Qual será o próximo?
O amor pelos livros

Escadateca é o 17º trabalho de Kobra com temática ligada à literatura e livros. Cito alguns, aqui, para dar ideia da dimensão dessa grande influência:
– O Menino na Biblioteca: realizado em 2011 em Sarassota Chalk Festival, Estados Unidos, considerado o maior evento de pintura em 3D do mundo;
– Descanse na Palavra: de 2014, realizada na Rua Clélia, em São Paulo, mostra um homem descansando sobre uma Bíblia. Segundo Kobra, a obra foi inspirada em um Salmo;
– Alfred Nobel: também de 2014, realizado na cidade de Boras, na Suécia, destaca o químico que venceu o Prêmio Nobel de Literatura, que incentiva diversas áreas da arte e do conhecimento;
– Paz: neste mural realizado em Roma, na Itália, Kobra homenageou a jovem paquistanesa Malala Yousafzai por sua luta em prol dos direitos das mulheres, especialmente em regiões comandadas por grupos extremistas como o Talibã, que impede as garotas de irem à escola. Em parceria com Christina Lamb, ela escreveu o livro Eu Sou Malala, sobre sua trajetória;
– O Condicionado: o mural de 2015 revela a história de superação de Raimundo Arruda Sobrinho, icônico morador de São Paulo, que viveu durante 33 anos como sem-teto, na rua Pedroso de Morais, em Pinheiros. Diariamente, ele escrevia poemas e outros textos e Kobra pinçou um poema de sua obra: “Desgraçado é o Homem que se Abandona”;
– Tesouros de São Luís (foto de destaque, acima): Kobra conta que este mural, realizado em 2017, foi um dos mais difíceis de sua trajetória. Antes de ir a São Luís, no Maranhão, ele mergulhou durante semanas na rica cultura do estado, criou dez projetos e ficou entre duas opções. Mas, ao chegar à cidade e visitar seus museus e o Centro Histórico, resolveu mudar tudo que tinha planejado e transformou o muro em uma prateleira de livros, onde destacou Ferreira Gullar, Graça Aranha, Nauro Machado, Aluísio Azevedo, Bandeira Tribuzi, Josué Montello e Gonçalves Dias, além de um brincante de boi – como reverência à cultura e ao folclore tão marcante nos cantadores de toadas – e os azulejos presentes na arquitetura do Centro Histórico de São Luís.
Tudo lindo demais!
O leitor no Brasil

A pesquisa que inspirou Kobra a desenvolver seu último mural, em Sorocaba – Retratos da Leitura no Brasil -, foi realizada no ano passado pelo Instituto Pró-Livro, com o apoio do Instituto Itau Cultural.
É a única pesquisa, em âmbito nacional, que avalia o comportamento leitor do brasileiro, mas não é anual. A primeira foi feita em 2001, a segunda em 2007, a quarta em 2015 e a quinta e última em 2020.
O último levantamento foi feito em 208 municípios de 26 estados entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, portanto, antes da pandemia.
O resultado – apenas 52% dos brasileiros têm hábito de ler! – revelou redução de 4% no hábito de leitura em quatro anos. Por outro lado, a média de livros inteiros lidos em um ano se manteve estável: 4,2 livros/pessoa. Ou seja, tem gente que começa a ler e não vai adiante.
Se as pessoas das classes A e B são as que mais lêem (em comparação com as classe C, D e E), também são as que mais abandonaram a leitura nesse período: na classe A, o número de leitores diminuiu 12%; na classe B, 10%, mas nas classes D e E a queda foi de 5%.
Considerando a idade dos leitores, a única faixa etária que aumentou a quantidade de leitores foi a de crianças entre 5 e 10 anos. Mas a que mais lê é a dos pré-adolescentes – entre 11 e 13 anos: 81%. Adolescentes, jovens e adultos leram muito menos entre 2015 e 2019.
Repetindo a provocação de Eduardo Kobra, ao apresentar seu novo mural: “Qual o próximo livro que você vai ler?“.
Próximo passo

Hoje, ao consultar seu Twitter para capturar o endereço e incluir neste post, encontrei uma boa notícia divulgado em 30/1, sobre a qual o artista disse pouco: a criação do Instituto Kobra.
Ao pesquisar rapidamente na internet, descobri que, em 23 de dezembro do ano passado, Eduardo Kobra se reuniu com o secretario da Cultura, Alexandre Youssef.
O instituto foi tema do encontro, suponho, então, é bem possível que este projeto conte com a apoio da prefeitura. Assim que tivermos mais informações, contaremos aqui.
Fotos do mural Escadateca: Ricardo Cyrillo (@drone.cyrillo no Instagram) / As demais: divulgação
Otima materia gostei
muito bom mesmo