A aventura de Tico poderia virar um filme! É realmente inacreditável a jornada que esse peixe-boi realizou nas últimas semanas. Após ser solto em 6 de julho nas imediações da Praia de Peroba, em Icapuí, no Ceará, ele percorreu mais do que 4 mil km até ser localizado na ilha de Tobago, no Caribe.
Mas na verdade, a história de Tico começou em 2014. Naquele ano, ele e outro peixe-boi, ainda filhotes, foram encontrados encalhados na Praia das Agulhas, a pouco mais de 100 km de Fortaleza. Bastante desidratados, eles foram levados ao Centro de Reabilitação do Programa de Conservação de Mamíferos Marinhos da organização Aquasis.
Exames posteriores revelaram que Tico e Teco*, como foram batizados, eram irmãos gêmeos, algo muito raro entre essa espécie de peixe-boi marinho, a Trichechus manatus, ameaçada de extinção.
Durante os próximos sete anos seguintes, Tico recebeu cuidados humanos. Ao longo desse período passou por um processo de reabilitação e finalmente, em 2021, foi transferido para um recinto localizado no mar, em Icapuí, justamente para ser preparado para a soltura na vida selvagem.
Tico quando foi encontrado, recém-nascido, em 2014
No começo de julho, finalmente, chegou o momento da tão esperada reintrodução na natureza. Foi instalada um transmissor GPS na cauda do animal para que ele pudesse ser rastreado e assim, a equipe da Aquasis acompanhasse sua adaptação.
Todavia, alguns dias após a soltura, Tico se deslocou para uma área de águas mais profundas, ainda no Ceará, o que fez a organização decidir trazê-lo de volta. “Peixes-bois são animais costeiros, que se alimentam de plantas encontradas em águas rasas, e sua sobrevivência estaria ameaçada”, diz a Aquasis.
Mas a cada dia Tico nadava mais e mais, tornando seu resgate inviável. No final de julho os sinais de GPS mostravam que ele já estava em águas internacionais, na altura da Guiana Francesa. Havia um temor cada vez maior que ele morresse devido às condições inóspitas no oceano para a espécie.
Por volta de 22 de agosto descobriu-se que Tico tinha passado pelo Suriname e pela Guiana e chegado próximo à costa de Tobago. Para surpresa de todos, ele ainda estava vivo. Foram feitos contatos com pesquisadores locais para que fosse planejado um resgate urgente: “foram muitos dias sem se alimentar, sem beber água doce e num intenso desgaste muscular”, ressaltou a ONG.
No dia 29 de agosto, Camila Carvalho, técnica de monitoramento de peixes-bois da Aquasis, chegou em Tobago para juntar-se ao time de colaboradores locais em busca de Tico. Houve uma primeira tentativa de encontrá-lo, mas sem sucesso.
Entretanto, com a colaboração de uma rede imensa de parceiros, entre eles, a Rede Caribenha de Encalhes, finalmente, o peixe-boi que saiu do Ceará e percorreu mais de 4 mil km foi localizado na Venezuela.
Em suas redes sociais a Aquasi chamou a viagem de “épica”.
“Tico foi levado para um aquário para animais marinhos na Ilha Margarita, na Venezuela, onde está sendo cuidado após essa longa jornada. Agora, a Aquasis está mediando com as autoridades venezuelanas para trazer Tico de volta ao Brasil. Apesar de toda apreensão que foi causada nesse deslocamento de Tico, isso também permitiu que a Aquasis conhecesse outras instituições que trabalham com conservação no Caribe, estreitando laços de cooperação técnica e de amizade. Agradecemos a todas instituições que colaboraram no monitoramento e resgate”.
Tico: são e salvo, ao lado da equipe que o resgatou na Venezuela
Os biólogos da ONG explicam que Tico precisa voltar ao Brasil porque as populações mais próximas de onde ele está possuem características genéticas diferentes e possivelmente pertencem a outra espécie, diferente da encontrada por aqui. “Dessa forma, uma reprodução entre estes animais de populações ou até mesmo espécies diferentes poderia acarretar em efeitos deletérios a médio prazo para os peixes-bois locais”.
Os especialistas dizem ainda que o que eles chamam de deslocamento errático e atípico de Tico, provavelmente o mais longo já realizado por um peixe-boi, mostra que ele necessita passar por um novo processo de adaptação antes de retornar para a natureza.
*Teco, o irmão gêmeo de Tico, faleceu ao longo da reabilitação, não chegando nem ao processo de aclimatação.
Fotos: Aquasis