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A crise de abastecimento no Brasil sob a ótica ambiental

Não pretendo discursar sobre o delicado momento político, econômico e social do Brasil, nem mesmo me aprofundar em pormenores sobre toda a complexa conjuntura que nos conduziu a tal situação. Muitos especialistas, bem mais capacitados no assunto, já estão debatendo o tema de forma sensata e completa em diversos meios de comunicação. Como geralmente faço aqui, no Conexão Planeta, meu intuito é trazer uma visão sobre a crise de abastecimento que assola o país neste momento sob o ponto de vista ambiental.

Como os leitores devem saber bem, o cenário das ruas brasileiras nos últimos dez dias chegou muito perto de algo apocalíptico digno de séries hollywoodianas, como na série The Walking Dead (foto que ilustra este post) e nos filmes de Mad Max. Há meras duas semanas, não imaginávamos o que estávamos prestes a presenciar. O corte no abastecimento de provisões básicas, como combustível e alimentos, instaurou o caos em todo o país nos primeiros dias de greve dos caminhoneiros, que protestam contra os altos preços do diesel.

Com a paralisação geral, toda a cadeia produtiva foi rapidamente interrompida. Sem o transporte, a produção no campo não pôde ser escoada, gerando perdas catastróficas para o setor agropecuário. Além disso, o fornecimento insumos agrícolas, peças de reposição e manutenção pararam de chegar. Sem a matéria prima, as indústrias também pararam a linha de produção, o que obviamente acarretou nas prateleiras vazias dos supermercados e do comércio como um todo. Rapidamente, o combustível também começou a faltar nos postos, comprometendo ainda mais o transporte de materiais, produtos e mão de obra. Sem trabalhadores, muitas empresas, órgãos públicos e administrativos decretaram feriado prolongado ou ponto facultativo. Oportunistas também não tardaram a aparecer, elevando desproporcionalmente o preço dos produtos ou saqueando cargas e combustível. Mas acredito que podemos tirar algumas lições valiosas desta situação caótica.

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Primeiramente, fica escancarada a dependência do Brasil quanto ao transporte rodoviário. Caminhões param, o país para. Sendo um gravíssimo erro estratégico, ou uma jogada política calculada para gerar lucros para terceiros (transportadoras, montadoras, empreiteiras, etc), é uma dependência perigosa que nos deixa à mercê das estruturas viárias e de um único meio de transporte.

Cabe lembrar, aqui, que o Brasil já teve uma extensa malha ferroviária projetada especialmente para o escoamento da produção, mas que foi sucateada nas décadas de 50 e 60 (sobretudo pelo governo Kubitschek) para atender o interesse de grandes montadoras. O transporte ferroviário, além de infinitamente mais seguro, tem custo de manutenção consideravelmente menor que as rodovias e uma capacidade de carga muito maior para o mesmo gasto. Nossos rios, outrora importantes meios de transporte de pessoas e carga, estão em sua maioria assoreados ou secos, incapacitados para navegação devido ao uso irracional do solo, à degradação de matas ciliares, às obras de transposição e às mudanças climáticas.

Caímos, então, no segundo problema: a total dependência dos combustíveis fósseis. Novamente, sob pressão dos setores interessados, nossos governantes têm mantido uma política retrógrada de monopolizar a matriz energética e aprofundar ainda mais nossa dependência do petróleo. Na contramão dos países desenvolvidos, que têm investido em ciência e tecnologia de ponta para a utilização de energias alternativas renováveis, nós continuamos na velha corrida do ouro. Mas a história já ensinou por A mais B que, quando o ouro acaba, a vila quebra. Ao que parece, é o caminho que o Brasil escolheu seguir. Nunca saímos da condição de colônia. Continuamos repetindo ciclos de exploração e exportação dos nossos recursos naturais – do ouro ao minério de ferro, do diamante ao petróleo, da madeira à soja – condenando nós mesmos à condição de eternos exportadores de commodities.

Por fim, gostaria de concluir com uma delicada questão, e talvez a mais relevante de todas. Todo o transtorno e o prejuízo causados pela interrupção do abastecimento giraram basicamente em torno de combustível e alimentos. Me pergunto, então, o que vai acontecer com o Brasil quando essa crise girar em torno de algo muito mais valioso: a água. E, sim, nós estamos mais próximos disso do que você imagina.

A série de práticas ambientais inconsequentes (especialmente aquelas ligadas diretamente à exploração e manejo dos recursos hídricos) adotadas há décadas no país tem levado à depleção dos nossos rios e aquíferos e ao comprometimento cada vez maior do abastecimento de água das grandes cidades e também do campo. Tome como exemplo a profunda crise hídrica no estado de São Paulo nos anos de 2014 e 2015, além dos muitos episódios de estiagem prolongada que tanto afetam a produção agrícola. Mesmo vivendo no país com a maior reserva de água doce do mundo, temos enfrentado frequentes problemas relacionados à falta d’água. Como isto pode acontecer? Algo nesta história me parece muito errado.

(Nota da redação: leia A industria da seca de Geraldo Alckmin, do blog ‘Madeira de Lei’, de André Aroeira)

A vida é feita de escolhas. E, para um país, não é diferente. Talvez seja a hora de refletirmos sobre que caminhos desejamos trilhar para o nosso futuro, quais são nossas prioridades e que mundo queremos deixar para as próximas gerações. Espero eu que este mundo seja bem diferente dos filmes que citei no início deste texto.

Realidade ou ficção? Como erros estratégicos de exploração e gestão dos recursos naturais podem afetar
o destino de uma nação? Com a crise de abastecimento no Brasil, nunca estivemos tão perto
dos cenários apocalípticos de The Walking Dead.


Foto: Divulgação/AMC Network Entertainment 

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