Em março de 2019, dois meses depois de assumir a presidência do Brasil, em um jantar em Washington, Bolsonaro resumiu assim o que seria seu governo: “Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois recomeçarmos a fazer”.
A desconstrução à qual se referia era a destruição que testemunhamos e sentimos na pele nos últimos quatro anos, em todas as áreas: social, ambiental, econômica e cultural.
Já nos primeiros dias de sua gestão, Bolsonaro e seu antiministro Ricardo Salles deixaram claro que clima e meio ambiente seriam os principais alvos da tal ‘desconstrução’, visto que emperravam o desenvolvimento (como os biomas, principalmente a Amazônia) e representavam ideologias contrárias às que defendiam (só lembrar o que diziam sobre as ONGs).
Assim, de 1º de janeiro de 2019 a 31 de julho de 2022, o governo publicou, no Diário Oficial da União (DOU), mais de 140 mil atos com interface às políticas ambiental e climática.
Com o intuito de identificar propostas para restaurar a participação social, garantir a transparência (chega de sigilos de 100 anos!) e fortalecer ações de comando e controle no Brasil, o Instituto Talanoa investigou e analisou minuciosamente cada um desses atos, por meio da iniciativa Política por Inteiro.
(Talanoa é uma “organização brasileira, apartidária e independente, baseada no Rio de Janeiro e criada em 2019 com a finalidade de melhorar a eficácia, a eficiência e a efetividade das políticas publicas no país, principalmente no campo das mudanças climáticas e do meio ambiente)
O instituto identificou que, dos 140 mil atos, 2.189 são infralegais e relevantes, dos quais “855 contribuíram efetivamente para o processo de desconstrução” anunciado por Bolsonaro. Destes, 401 atos exigem ações imediatas, ou seja, precisam ser revogados (107 deles, assim que Lula assumir o poder!) ou revisados tanto em nível presidencial, quanto ministerial.
Além destes, há 18 atos que também precisam de revogação, mas somente depois de serem feitas análises regulatória e jurídica. Os 276 atos restantes precisam ser ajustados ou, ainda, ganhar novas regulamentações, o que significa que podem ser restaurados.
E tudo isso, não somente na pasta ambiental, mas em todas as que interferem nessa área, como, por exemplo, o Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (Mapa), que publicou 48 atos. O tema que esteve mais na mira do governo Bolsonaro foi a biodiversidade, com 81 atos.
Atualidade e continuidade
O resultado dessa investigação foi publicado no site da Política por Inteiro em 31 de outubro e divulgado ontem, 3 de novembro – Reconstrução: 401 atos do Poder Executivo Federal (2019-2022) a serem revogados ou revisados para reconstituição da agenda climática e ambiental brasileira – e deve ser entregue ao presidente eleito Lula na próxima semana.
O documento será atualizado de forma a contemplar todos os atos do governo Bolsonaro até 31 de dezembro de 2022, e o trabalho de monitoramento terá continuidade no governo Lula.
“Nossa lista conta milhares de atos relacionados ao clima que reduzem a proteção ambiental ou promovem emissões de gases de efeito estufa. Hoje, demos um passo adiante e publicamos o pacote de 401 medidas que mostra como Lula poderá restaurar o que Bolsonaro enfraqueceu ou eliminou da proteção ambiental e das ações climáticas nos últimos quatro anos”, conta Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Ela destaca que há três áreas relacionadas às políticas climáticas – desmatamento, perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa – que podem ser muito críticas no que tange à rapidez com que o governo Lula pode reescrever as normas editadas pelo atual presidente.
“O governo de Bolsonaro vai acabar, mas seus retrocessos ambientais permanecem – por enquanto. É preciso que Lula e Alckmin iniciem o processo de revogação e substituição de regulamentos tão logo sejam empossados, para tirarmos o atraso das nossas metas climáticas”.
E Unterstell ainda acrescenta: “Mas, além de desfazer as canetadas, eles precisarão fazer diferente: retomar o diálogo com a sociedade e abrir consultas sobre temas sensíveis, como as nossas metas para o Acordo de Paris”.
Método de Reconstrução
A análise das movimentações do governo Bolsonaro, dia a dia, foi realizada por meio de algoritmo desenvolvido com exclusividade para o estudo, o que permitiu compreender minuciosamente sua dinâmica de desconstrução.
Além disso, a adoção de uma “metodologia inédita” – para classificar políticas climáticas e socioambientais no país – e de uma “curadoria humana”, como indica o site da iniciativa, também foram imprescindíveis para se chegar a um Metódo de Reconstrução, “que perpassa setores econômicos e áreas de políticas públicas”.
Segundo Liuca Yonaha, vice-presidente do instituto, “o desmonte nas diferentes áreas e políticas se iniciou com atos predominantemente de Reforma Institucional (esta é uma das 12 classes da tipologia da Política por Inteiro) para, então, serem feitas as desregulações, flexibilizações e, mesmo, regulações sobre novas bases”.