Desde 23 de setembro, quando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) instaurou a operação ‘Incidente Emergência Botos Tefé’, pesquisadores correm contra o tempo para tentar atender a emergência ambiental e sanitária que atinge o Lago Tefé, no médio Rio Solimões, interior do Amazonas, e já matou 153 botos.
Além de remover os corpos dos botos–vermelhos (Inia geoffrensis) e tucuxis (Sotalia fluviatilis) mortos e fazer exames para identificar a verdadeira causa de mortandade tão avassaladora, sua missão é salvar os sobreviventes.
A seca e a temperatura da água certamente contribuíram para a tragédia, mas os especialistas desconfiam que outras causas não podem ser descartadas, como contaminação da água ou doença nos animais.
Para salvar os animais sobreviventes
A Enseada do Papucu é o trecho mais crítico do lago onde ocorreu a maior parte das mortes, a princípio devido à elevada temperatura da água que vem sendo medida nesta área.
Em 28 de setembro, às 16h, quando já haviam sido identificados 70 golfinhos mortos, a temperatura registrada era de 39,1°C, muito acima da temperatura normal do lago, que é de 30°C. Durante o dia, a temperatura da água varia entre 29° e 38°C.
Mesmo assim, muitos são os botos e tucuxis que frequentam o local devido à abundância de peixes, base de sua alimentação.
Segundo o ICMBio e o Instituto Mamirauá “para evitar mais mortes, estamos implementando uma estratégia de prevenção para evitar intervenção direta junto aos animais, que sabidamente são sensíveis a situações de estresse”. E no que consiste essa estratégia?
Por meio de uma barreira física chamada ‘pari’, feita de estacas de madeira em formato triangular (que tem por base o conhecimento tradicional ribeirinho), a Enseada do Papucu está sendo isolada e os animais conduzidos para fora do trecho crítico, ou seja, para áreas mais profundas e menos quentes do Lago Tefé.

De acordo com o GRAD Brasil – que apoia a operação de salvamento dos botos junto com R3 Animal, Sea Shepard Brasil e Exército Brasileiro -, a área com baixa profundidade e altas temperaturas está sendo isolada para que os animais sobreviventes não voltem para lá.
“A estratégia se mostrou muito eficiente, mas, devido a uma tempestade no final da operação, não foi possível retirar todos os animais. O comando da operação irá avaliar uma nova intervenção”, declarou o GRAD, em seu Instagram.
Entenda como funciona a barreira física ‘pari’ no vídeo a seguir:
Detalhes da operação
Como destaquei no início deste texto, em 23 de setembro os pesquisadores do Instituto Mamirauá identificaram mortalidade incomum de botos e tucuxis no Lago Tefé.
A operação Incidente Emergência Botos Tefé – implantada pelo ICMBio com o apoio técnico do Instituto Mamirauá – foi dividida em três frentes principais (ou setores): Operação Vivos, Operação Mortos e Monitoramento Ambiental.
A primeira – Operação Vivos – tem a missão de monitorar a movimentação de botos e tucuxis ao longo do Lago Tefé.
“Caso algum animal apresente sinais de anormalidade, temos condições de resgatá-lo e encaminhá-lo ao Flutuante de Reabilitação, para monitoramento e possível tratamento e intervenção. Até o momento nenhum animal foi resgatado com essa finalidade”.
A segunda – Operação Mortos – visa identificar e buscar carcaças na região, além de realizar necropsia para coleta de amostras para análises laboratoriais: histopatologia, pesquisa de doenças infecciosas, pesquisa de elementos tóxicos e biotoxinas, etc.
E a terceira – Monitoramento Ambiental – é dividida em três frentes de monitoramento: Água, Peixes e Fitoplâncton.
Resultados da necropsia
Até agora, foram encontrados 130 botos vermelhos e 23 tucuxis mortos. Desse total – 153 indivíduos -, 104 passaram por necropsia e amostras de tecidos e órgãos foram enviadas para laboratórios especializados distribuídos pelo Brasil.
17 animais já foram avaliados a partir de análises histológicas e, até o momento, não há qualquer indício de agente infeccioso relacionado às mortes. “O diagnóstico molecular (PCR) de 18 indivíduos também deu resultado negativo para agentes infecciosos, como vírus e bactérias, associados a mortes em massa”, contam os pesquisadores, que destacam:
“De todas as variáveis ambientais e biológicas que temos analisado, a única que tem mostrado comportamento anômalo é a temperatura da água”.
Eles ainda reforçam que a mortandade de peixes encontrada na região é normal para eventos de seca extrema.
A equipe de Fitoplâncton – formada por especialistas da consultoria ambiental AquaViridi, que atuam como voluntários na operação –, monitora o lago para identificar espécies de fitoplâncton e, desde 3 de outubro, tem identificado a proliferação da alga Euglena sanguinea.
Apesar de seu potencial ictiotóxico – ou seja, pode causar mortalidade de peixes –, até o momento não há evidências de que sua toxina esteja relacionada às mortes dos golfinhos ou de peixes no Lago Tefé.
Mais de 100 pessoas
A operação Incidente Emergência Botos Tefé está sendo realizada por equipe de servidores do ICMBio, além de pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e conta com o apoio de outras 23 instituições de governo – Exército Brasileiro, Marinha do Brasil, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Conservação de Tefé (SEMMAC), Prefeitura de Tefé, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e IBAMA -, e não governamentais: Fiocruz, INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Sea Shepherd Brasil, WWF-Brasil, GRAD – Grupo de Resgates de Animais em Desastres, Aquasis, Aqua Viridi, Instituto Aqualie, R3 Animal, Greenpeace Brasil, Instituto Baleia Jubarte, Sea World e LAPCOM-USP.
São mais de 100 pessoas envolvidas na mitigação e adaptação dos danos causados pelo calor e seca extremos na região da Lagoa Tefé, no interior do Amazonas.
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Com informações do ICMBio, Instituto Mamirauá e GRAD Brasil
Foto (destaque): Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá (pesquisadoras do Instituto Mamirauá realizam necropsia em boto-vermelho em Tefé, Amazonas)