
Em outubro, a cidade de Alta Floresta, no Mato Grosso, ganhou sete pontes de dossel (instaladas nas copas das árvores) para passagem da fauna, com o intuito de reduzir e zerar os atropelamentos dos animais da região – em especial dos primatas – tanto nas área urbana, como na peri-rural (contei aqui).
Todos os envolvidos nessa ação – que faz parte do programa Alta Floresta Não Atropela – e os moradores da cidade estavam ansiosos para descobrir qual foi a primeira espécie a usufruir da tecnologia idealizada e implementada pela bióloga Fernanda Abra, por meio de seu Projeto Reconecta. Pois chegou o dia!
Foi um dos primatas que reproduzo na imagem acima, afinal, Alta Floresta abriga 12 espécies, como contei aqui, a maioria rara e ameaçada de extinção. Mas, provavelmente, os registros das câmeras trap vai mostrar também outras espécies de animais que vivem na região, nas matas densas (cortadas por estradas) e nos fragmentos florestais, e que também circulam pelas copas das árvores como tamanduás-mirim, gambás, ouriços e cuícas, entre outros.
Na semana passada, em 12/12, 55 dias após a instalação das pontes – são 7, inicialmente -, foi o primeiro dia de manutenção das câmeras trap realizada por Fernanda e Maelle Lima de Freitas, mestranda em Ciências Ambientais na UNEMAT (Universidade do Estado do Mato Grosso). Elas retiraram os cartões de memória, que guardam registros inéditos das passagens de fauna.
Maelle é quem fará esse trabalho todo mês, mas, nesta primeira coleta, a bióloga fez questão de estar presente para revelar, no dia seguinte, – em vídeo no Instagram -, a espécie pioneira na utilização das pontes de dossel de Alta Floresta. Qual sua aposta?
O favorito dos moradores de Alta Floresta
Para os moradores da cidade e parceiros do projeto (em enquete descontraída realizada por Fernanda), os macacos são imbatíveis nesta experiência e, por isso, escolheram um primata como favorito: o vencedor foi o macaco-prego – o mais serelepe, curioso e exibido primata do Brasil, que é também a espécie mais comum na América do Sul. Pudera! É muito fácil vê-lo na área de transição entre zona urbana e rural de Alta Floresta.

na América do Sul, desde regiões amazônicas, até o sul do Paraguai e norte da Argentina
Foto: Lucas Araújo
Em segundo lugar, ficou o mico ou sagui-de-schneider, um macaquinho pequeno de rabo muito comprido, que costuma aparecer com frequência nas árvores.

na floresta amazônica do Mato Grosso, entre os rios Juruena e Teles Pires
em municípios como Alta Floresta e Paranaíta
Foto: Kacau Oliveira
Quinze dias depois da instalação das pontes (como contei aqui), ele foi registrado por moradores, entre eles Fernão Prado e sua esposa Viviane Blondi, proprietários da pousada da Fazenda Anacã (contei sobre a criação de sua RPPN, aqui). Vi vários deles nas mangueiras da sede do Hotel Floresta Amazônica onde fiquei hospedada para acompanhar o trabalho do Reconecta, em outubro.
E, em terceiro lugar, na enquete, ficou a espécie batizada com o nome da cidade: o zogue-zogue-de-alta-floresta, já criticamente ameaçado de extinção, segundo a Lista Vermelha da IUCN.

de Alta Floresta e ganhou, de conservacionistas, o nome popular zogue-zogue-de-alta-floresta.
Na Wikipedia é apresentado com os dois nomes.
Foto: Raphael Storti
Ele foi avistado, pela primeira vez, em 2012, “em matas vizinhas ao município, perto da divisa do estado com o Pará”, mas descrito apenas em 2019 pelos pesquisadores que o encontraram numa área muito delimitada entre os rios Juruena e Teles-Pires, em Alta Floresta.
A enquete teve uma indicação para macaco-aranha, mas como seu nome completo não foi indicado – da cara-branca ou da cara-preta? -, deixei-o de fora.
E, afinal, quem foi o pioneiro?
Já fez a sua escolha? Acertou? Venceu a enquete quem escolheu o macaco-prego!

O registro é da ponte 2 e revela um bando dessa espécie experimentando e se divertindo nas cordas da segunda ponte instalada na cidade, que fica próxima à Fazenda Anacã, tem fragmentos florestais dos dois lados e é um corredor ecológico importante para a cidade.
“Eles passaram por ela no segundo dia após a instalação”, contou Fernanda. “E já posso dizer que os micos-de-schneider foram a segunda espécie a usar a ponte de dossel”.

muito ruim, mas fica aqui o registro do macaco-prego passando pela ponte de dossel
Ela apostava no mico-de-schneider como pioneiro, mas contou que a descoberta não a surpreendeu. “O macaco-prego é uma espécie muito comum, que não está ameaçada e as populações são numerosas. Especialmente em Alta Floresta é muito fácil ver macaco-prego e ele é extremamente curioso. Eu sabia que ele poderia ser o primeiro a usar as pontes, mas realmente achei que fosse o mico-de-schneider porque vi muitos indivíduos da espécie próximos dos viários onde há pontes e eles também são muito curiosos”.
Logo no início do trabalho – na fase da colocação dos postes -, Fernanda e equipe encontraram dois micos-de-schneider atropelados, próximos de um dos locais escolhidos por ela, na área urbana.
“As duas espécies de macaco-aranha (cara-branca e cara-preta) e de zogue-zogue (de-alta-floresta e de-barriga-vermelha), também devem ter usado as pontes e estar nos registros porque são vistas na borda dos fragmentos florestais. E, há cerca de 15 dias, o Fernão [Prado], da Fazenda Anacã, viu vários indivíduos de macaco-aranha a menos de 30 metros de uma das pontes”, acrescenta a bióloga.
Fernanda acredita que os primatas mais difíceis de frequentar as passagens de fauna inovadoras são as duas espécies de bugio (de-mãos-ruivas-de-Spix e vermelho-do-Rio-Purus) e o macaco-da-noite porque são muito arredios.
Monitoramento e resultados
O monitoramento é parte essencial do projeto e exclusivo. Fernanda explica: “Nem todas as informações das imagens registradas pelas câmeras trap mensalmente serão divulgadas porque fazem parte de uma pesquisa cientifica. Ao final de 12 meses, nossa intenção é publicar esses resultados. Mas claro que vamos divulgar a quantidade de animais que passarem pelas pontes”.
Isso também será feito em um outdoor instalado na Praça das Capivaras, em Alta Floresta, apelidado carinhosamente de Bichômetro (abaixo).

Além disso, periodicamente, Fernanda e parceiros divulgarão – em suas redes sociais – vídeos com imagens capturadas pelas câmeras, revelando novas espécies que usufruíram das passagens aéreas ou usuários mais frequentes.
A análise do monitoramento ainda conta com o apoio do primatólogo e professor Gustavo Canale, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia e um dos pesquisadores que descobriu e descreveu o zogue-zogue-de-alta-floresta.
Presentão para os bichos de Alta Floresta
O programa Alta Floresta não Atropela reúne o poder público, a Fundação Ecológica Cristalino, empresas e conservacionistas e só foi possível devido ao envolvimento – de corpo e alma – de Fernanda, do Reconecta, à causa da cidade.
Especialista em Ecologia de Estradas vinculada à Smithsonian Institution, nos EUA (contamos aqui), a bióloga doou as pontes para a cidade graças ao prêmio que recebeu, em maio deste ano, da organização britânica Whitley Fund for Nature (WFN), considerado o Oscar da Conservação da Natureza.

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Fotos: Kacau Oliveira (mico-de-schneider), Lucas Araújo (macaco-prego) e Rafael Stori (zogue-zogue-de-alta-floresta)
Muito bom esse.projeto vai ajudar a diminuir as mortes dos animais parabéns