Em 18 de agosto, a atriz Fernanda Montenegro, 95 anos de idade e 80 de carreira, atraiu 15 mil pessoas ao auditório, no Parque Ibirapuera (contamos aqui), na capital paulista, para a leitura dramática de textos filosóficos do livro Cerimônia do Adeus, da escritora francesa Simone de Beauvoir, num final de tarde ensolarado que, ao findar, brindou o público com uma lua deslumbrante.
Mal sabia Fernanda que, nesse dia, conquistaria um feito histórico ao atrair cerca de 15 mil pessoas, o que só foi possível graças à estrutura do referido teatro – projetado por Oscar Niemeyer nos anos 50, mas construído apenas em 2005 -, que tem 800 assentos em sua sala, mas propicia a ampliação do público ao apresentar qualquer espetáculo, de forma simultânea, para quem está na parte externa.
Não era um show de rock. O que Fernanda oferecia era sua interpretação dos textos densos de uma de suas escritoras favoritas sobre a velhice e a morte, sentada numa cadeira em frente a uma mesa e, ainda, sem olhar para o público a maior parte do tempo.
E, no fim do espetáculo, a atriz se viu no palco entre os dois públicos – um dentro do teatro, o outro ao ar livre, no parque -, ao lado da filha, Fernanda Torres, que apresentou a mãe antes da leitura. “Essa obra fala, acima de tudo, da liberdade e de sua importância em nossas vidas, não importa a idade ou a origem de cada um”.
A jornalista pernambucana Ivana Moura assistiu ao espetáculo e, no blog ‘Satisfeita, Yolanda?‘ sobre “artes cênicas e afins” (que divide com a amiga, também jornalista e apaixonada por teatro como ela, Pollyanna Diniz) relatou que “Fernandinha mencionou que, apesar das vidas diferentes, a liberdade também guiou o percurso de Fernandona. Em seguida, contou que sua mãe foi impactada por O Segundo Sexo quando tinha 20 anos e que, quando ela, a filha, completou 17 anos, a mãe fez questão de lhe dar uma edição de presente”. No final do espetáculo, a filha se juntou à mãe, dando-lhe suporte diante de tanta emoção.
Em seu texto primoroso (recomendo a leitura), Ivana Moura ainda descreve: “A velha dama do teatro, de cabelos brancos, senhora absoluta da técnica de interpretar, magnetizava as plateias do auditório e do parque. A multidão entrou em sintonia profunda com aquelas ideias relevantes da filósofa francesa. O silêncio era atravessado por muitas emoções densas, genuínas, choros, risos, lembranças individuais e coletivas”.
E ainda conta que, com a atriz, “o público atravessa a infância, adolescência e juventude de Simone de Beauvoir, suas descobertas, aventuras e vida sexual. A narrativa passa pelo horror da Segunda Guerra Mundial e pela juventude contestatória do maio de 1968, que sacudiu a França e mudou o mundo. Com o filósofo Jean-Paul Sartre sempre presente, Simone vive uma vida intensa até se aproximar da finitude do companheiro intelectual e de seu próprio fim, repleto de novas redescobertas”.
Foi assim – com seu talento ímpar, num cenário simples, mas com uma produção impecável em um teatro espetacular – que Fernanda Montenegro conquistou o ‘recorde mundial de maior público em leitura filosófica’, garantindo um lugar no Livro dos Recordes (Guinness World Records).
“Milagres acontecem!”
Em 14/11, na cerimônia de entrega do certificado, a atriz dividiu sua alegria e emoção com todos os presentes e o público que tornou esse reconhecimento possível no evento que ela chamou de “grande encontro de arte e educação”.
“Milagres acontecem”, disse. “A nossa cultura é o nosso país! A nossa cultura teatral é o homem através dos milênios. Sempre tem a presença de alguém passando para alguém a visão e uma vivência que traz um texto, um contraste, uma variação do momento que se vive, uma transcendência do momento que se vive, até o humor do momento que se vive. E isso é no palco”.
Em sua fala, muitas vezes embargada, Fernanda destacou o clima harmonioso dessa noite e o comportamento do público que permaneceu no local durante toda a apresentação.
“Isso acontece em algum lugar do mundo? Só falando para 15 mil pessoas só falando, só trazendo ideias nada fáceis de serem absorvidas e ninguém vai embora… Todo mundo aceita cada fala que se fala e termina aplaudindo e abraçando um ao outro dentro de um espaço lotado”.
Por fim, a atriz agradeceu. “Por mais que a gente agradeça a Deus e aos deuses não é suficiente. Muito obrigada! Na minha vida esse momento não vai se repetir, então, por mais que eu agradeça, existe, sem dúvida nenhuma, a pontuação realizada de uma vocação. Muito obrigada!”.
A seguir, veja a alegria e a emoção de Fernanda Montenegro ao receber o prêmio:
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Com informações do Itaú e G1
Foto (destaque): Itaú/divulgacao