Curitiba sempre foi considerada uma cidade exemplo para outras metrópoles do mundo por seus projetos de mobilidade urbana e pela grande oferta de parques e áreas verdes para a população. Mas a prefeitura da capital paranaense está envolvida agora numa polêmica. Um movimento criado por moradores protesta contra uma grande obra, iniciada no começo de novembro, após o segundo turno das eleições, que prevê a possível derrubada de 642 árvores adultas, entre elas, possivelmente araucárias (Araucaria angustifolia), espécie símbolo do Paraná e à beira da extinção, em um dos lotes do projeto, o Parque Linear da Avenida Presidente Arthur Bernardes.
A obra em questão faz parte do Projeto Novo Inter 2, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que inclui, dentre outros pontos, a construção de um novo miniterminal de transporte público na região, com acesso a mais linhas de ônibus e a implementação de faixas exclusivas para esses veículos. Segundo a prefeitura, atualmente sob a gestão de Rafael Greca (e o vice-prefeito Eduardo Pimentel, recém-eleito para assumir o cargo de Greca), o projeto desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), contempla ainda toda a revitalização do parque linear – chamado oficialmente de “Eixo de Animação” -, com a reforma dos espaços já existentes, como ciclovia, parquinho infantil e quadras de esportes, e a adição de outros.
Mas para os membros do movimento SOS Arthur Bernardes, que já tem quase 10 mil seguidores em seu perfil no Instagram, é simplesmente inaceitável a derrubada de centenas de árvores saudáveis e adultas, ou seja, que capturam muito mais carbono do que uma jovem, justamente quando vivemos uma crise climática. E não é só. Será realizada ainda a canalização de um córrego que passa na região.
Segundo os representantes do movimento, o total de árvores a serem derrubadas na cidade para permitir o avanço do Novo Inter 2 será ainda maior. No total, o projeto inclui sete lotes, em 28 bairros. No Parque Linear Arthur Bernardes, dois pesquisadores realizaram um inventário com as espécies de árvores nativas da Mata Atlântica contidas ali, o qual apontou um grande número de araucárias, que chegam a quase a 200.
“No lote da Victor Ferreira do Amaral já foram retiradas cerca de 200 árvores e sabemos que mais árvores já foram derrubadas em outras ruas de Curitiba. Em meio à crise climática, melhorar o transporte público é fundamental, mas também é urgente evitar ao máximo o corte desnecessário de árvores nas cidades”, diz o SOS Arthur Bernardes no texto de um abaixo-assinado criado para mobilizar a população e que pede mais diálogo com a prefeitura.
Homem abraçado numa árvore durante protesto no parque linear
Foto: divulgação SOS Arthur Bernardes
Falta de transparência no número de árvores a serem derrubadas
Procurada pela reportagem do Conexão Planeta, a prefeitura afirma que o Projeto Novo Inter 2 “é estratégico para o Município de Curitiba evoluir na qualidade do transporte coletivo que sempre foi referência na cidade. Financiado pelo BID, cumpre todas as exigências e salvaguardas ambientais e sociais.”
Além disso, a prefeitura alega que há uma compensação legal prevista e já houve o plantio de 1.454 novas árvores nos bairros da região e o projeto de paisagismo prevê ainda o plantio de outras 1.117 mudas. “Somente o Horto Florestal vai plantar 5 mil mudas na região. A atual administração tem compromissos com a arborização da cidade e já promoveu, ao longo dos últimos oito anos, o plantio de 500 mil mudas”, disse em nota, a assessoria de imprensa.
Enquanto a licença ambiental emitida pelo IPPUC deixa claro que possivelmente haverá o corte de 642 árvores no Parque Linear da Arthur Bernardes, no site criado pela prefeitura de Curitiba para dar maior esclarecimento à população sobre o impacto ambiental da obra está descrito que “no Eixo de Animação da Arthur Bernardes estão previstos o atingimento de 160 árvores para a execução das obras, especialmente para o alargamento da pista para a faixa exclusiva do ônibus e as áreas de remanso e estacionamento. Na área do miniterminal, 59 árvores serão transplantadas.“
Já a assessoria de imprensa declarou que “à medida em que as obras iniciam, cada supressão [de árvore] é previamente avaliada antes de ser autorizada pela prefeitura. Assim os técnicos podem minimizar o impacto e salvar árvores, com ajustes de projeto, por exemplo. Só no Eixo de Animação, que é o canteiro central da avenida, o número de árvores atingidas é de 160, sendo que 84 serão transplantadas, inclusive araucárias.”
O Conexão Planeta questionou a prefeitura se as árvores retiradas serão transplantadas no mesmo local e se existe uma estimativa de sobrevivência de uma árvore adulta transplantada, mas até agora não teve retorno sobre essas questões.
Verônica Rodrigues, uma das principais articuladoras do movimento,
durante manifestação no centro de Curitiba
Foto: @by.doug/@cicloativismo
Tentativas para suspender a obra em Curitiba
O SOS Arthur Bernardes já apresentou uma denúncia contra o projeto da prefeitura. Uma liminar emitida pelo Ministério Público do Paraná determinou a interrupção temporária das obras, contudo a prefeitura entrou com um recurso que suspendeu a decisão. Mais recentemente, o movimento, através da ONG Observatório de Justiça e Conservação, deu entrada na justiça com uma Ação Civil Pública referente ao caso.
“Obras de infraestrutura são essenciais para o desenvolvimento de uma cidade como Curitiba, mas o corte indiscriminado de árvores não pode ser a solução. Em junho, o projeto do IPPUC estimava cerca de 200 árvores a serem derrubadas, mas a licença ambiental da obra expedida pelo IPPUC revela que a crueldade é muito pior”, criticou o deputado federal Luciano Ducci, ex-prefeito de Curitiba, ao falar sobre a polêmica em suas redes sociais. “Em tempos de emergência climática, uma cidade que se orgulha de ser a “mais inteligente do mundo” deveria tratar a natureza como uma aliada, e não como um inimigo a ser combatido.”
Mobilização de moradores tenta impedir o corte das árvores no bairro curitibano
Foto: @by.doug/@cicloativismo
Abaixo o vídeo produzido pela prefeitura de Curitiba que mostra mais detalhes sobre a obra:
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Foto de abertura: @by.doug/@cicloativismo